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“Estamos vivenciando o entendimento de que somos seres interdependentes”

Gustavo Tanaka oferece um novo olhar para uma das nossas maiores sombras: a dificuldade de viver em comunidade

Por Gustavo Tanaka
18 mar 2020, 18h53

Eu sempre me considerei uma pessoa muito fácil de lidar. Era bom de grupo, me dava bem com as pessoas no trabalho, nunca fui de gerar conflitos. Mas acabei percebendo que, na verdade, isso acontecia porque eu me anulava para estar bem com os outros. Nunca gostei de brigas, e o medo de entrar em desacordos sempre foi maior que a vontade de dar minha opinião. Era daqueles que preferiam passar por cima do que sentiam para não criar caso e manter tudo em paz.

Acontece que isso era apenas uma máscara para deixar as coisas aparentemente em paz, quando, por baixo disso, eu borbulhava. Era um comportamento que não se sustentava a longo prazo. Assim, com o tempo, fui percebendo a necessidade de me colocar, de me posicionar e expressar aquilo que eu sentia e em que acreditava. Se por um lado esse comportamento representava uma libertação para mim, por outro escancarava uma fragilidade gigante na minha vida: eu não sabia me relacionar.

Algumas vezes me mostrava autoritário, outras arrogante, julgava o tempo inteiro e acreditava que a minha forma de fazer as coisas era sempre a melhor. Fingia ter humildade, mas na realidade eu não ouvia aqueles que não concordavam comigo. Foi preciso viver muitas crises em grupos e relacionamentos para me dar conta de algo bastante sério na minha vida. De fato, eu não sabia me relacionar. Não sabia me comunicar direito com as pessoas. Vivia uma eterna batalha.

Todos os dias eu precisava vencer os que estavam ao meu redor para poder fazer valer aquilo em que acreditava. Algumas vezes não conseguia e ia dormir frustrado e com raiva. E, quando conseguia “vencer” uma discussão, o sabor da vitória era contaminado com a culpa por sentir a dor da pessoa de quem tive de passar por cima. Quando aceitei que precisava aprender a me relacionar, minha vida começou a se transformar de uma maneira impressionante.

Fui estudar comunicação, aprendi a escutar e, aos poucos, a empatia foi crescendo dentro de mim. Com o tempo, deixei de ser aquele que se sentia dono da verdade e passei a aprender a virtude da humildade. Percebo que cada ser humano é único no mundo e tem um olhar diferente para cada situação. Conto tudo isso porque acredito que estamos vivendo um momento muito desafiador no planeta. Estamos sendo colocados frente a frente com uma das nossas maiores sombras coletivas: a dificuldade de vivermos em comunidade.

Nossa cultura tem sido muito baseada no cada um por si, na suposta meritocracia. Veneramos os self made men, homens que se realizaram sozinhos. Hoje tenho clareza de que eu não era o único que não sabia se relacionar. Percebo que essa dificuldade está em todos os níveis hierárquicos, em todas as famílias e em todas as organizações. Basta você olhar para as suas relações e vai conseguir observar. Pense em sua família e veja se todos vivem em harmonia perfeita. Analise suas relações de trabalho e repare se as pessoas conseguem sempre se entender.

Não precisamos nem fazer esforço para ver que a política representa claramente essa dificuldade. O senso de comunidade foi se perdendo à medida que cada um de nós foi se fechando na própria bolha. Talvez a dificuldade de dialogarmos, de nos comunicarmos e de nos relacionarmos seja a principal causa disso tudo. E agora estamos sendo convidados a olhar para algo que até então não havíamos sentido a necessidade de observar. O cenário atual, que nem preciso descrever qual é, está escancarando a fragilidade das nossas relações. Estamos vivenciando na prática o entendimento de que somos seres interdependentes.

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A transmissão de um vírus nos mostra que estamos todos conectados e que um depende do outro. Ninguém consegue viver sozinho. Não é possível viver para sempre com fronteiras fechadas, sem sair de casa ou se isolando do mundo. Não é mais possível viver desconsiderando o outro e sem a consciência de como nossos atos influenciam as outras pessoas. Não se trata mais de sair de casa, decidir se você vai ou não a algum evento. Trata-se de uma nova consciência que está emergindo. A lembrança de que somos parte da mesma espécie.

Somos seres humanos e integramos uma grande comunidade chamada humanidade. Estamos recordando que fazemos parte de algo maior que cada um de nós. Não é apenas uma teoria nem um discurso bonito. É uma necessidade real e uma oportunidade de transformação. Talvez algumas pessoas tenham de ficar mais tempo em casa do que gostariam. E, assim, precisem encarar alguns problemas que estavam sendo ignorados. Às vezes é mais fácil sair e fingir que o problema não existe. Isso significa aprender a conversar mais com quem mora com você. Significa aprender a se relacionar com sua família, desenvolver a comunicação em seu casamento. Pode parecer desafiador no começo, mas pode ser também a chave da felicidade que você busca.

Se estendermos isso para os nossos círculos de relacionamento, poderemos aprender a dialogar com as pessoas que vivem no mesmo prédio, no mesmo condomínio ou no mesmo bairro. Não se trata apenas de você ter de fazer algo que é chato e a que está obrigado. Não é como uma escola com um professor dando uma tarefa maçante que você deve entregar no dia seguinte. Pode ser uma oportunidade muito especial de aprender com quem pensa de modo distinto. De mudar a forma como cada um enxerga a vida. Uma maneira de expandir sua visão sobre como a vida funciona e perceber que tudo pode ser bem diferente.

Voltando à minha história do começo do texto, quando me dei conta de que não sabia me relacionar, começou um processo de transformação gigante dentro de mim. Porque aquela imagem que eu tinha de mim mesmo, da pessoa boa de grupo, que se dá bem com todo mundo, passou a desmoronar. E, se eu não era mais quem eu acreditava ser, então quem eu era? Aos poucos fui questionando minhas certezas.

Acabei percebendo que eu também não era tão dono da verdade assim como achava. Que a minha percepção da vida não era a melhor e que existia muita gente que podia me mostrar um ângulo diferente. A dor inicial e o conflito existencial foram dando passagem para um novo olhar. Fui aprendendo a apreciar outros pontos de vista. Percebendo que, quando eu me abro para aprender, todas as pessoas que encontro podem ser mestres. E, quanto mais aprendo com cada uma delas, mais me conheço e me transformo. Pouco a pouco, minhas relações foram se modificando. Fui me reconciliando com aqueles com quem havia brigado, me aproximando de amigos de quem tinha me afastado, me dando melhor com minha família e sobretudo melhorando minha relação comigo mesmo.

Brigar com alguém, não conseguir se relacionar com uma pessoa de quem você gosta é bem frustrante. Dá uma sensação ruim no peito, um sentimento de insatisfação consigo mesmo. Porque, no fundo, como seres humanos, nós só queremos estar em paz. Queremos viver felizes. E não é possível vivenciar a paz com o peso de uma relação não resolvida. Um mundo de paz somente pode acontecer quando cada ser humano faz sua lição de casa para estar bem em suas relações. O momento atual é desafiador, mas talvez traga surpresas agradáveis para aqueles que aproveitarem a oportunidade para viver melhor em comunidade. E quem sabe assim a gente dê alguns passos na construção de uma nova civilização, reconhecendo-nos como membros da mesma família. Somos seres humanos e vamos seguir juntos por aqui. Nossa passagem vai ser mais bem desfrutada se aprendermos a cuidar uns dos outros.

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(Fernando Gardinali/Veja SP)

Gustavo Tanaka, à frente do perfil @gutanaka, é autor dos livros 11 Dias de Despertar e Depois do Despertar. Convidado do episódio Como Fugir da Armadilha de Pensar Demais, do podcast Jornada da Calma, conduz os projetos Círculo de Virtudes (@circulodevirtudes) e Brotherhood (@brotherhoodbrasil).

 

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 125 de março de 2020, edição nº 2679.

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