Vanessa Alcântara, uma das detentas mais problemáticas do estado
Denunciante da máfia do ISS, a modelo e publicitária - presa por crimes como agressão - fez amizade com Suzane Richthofen e coleciona insultos contra carcereiras e colegas de cela
Localizada a cerca de 150 quilômetros da capital, a cadeia de Tremembé abriga autoras de crimes de repercussão como Suzane von Richthofen, que participou do assassinato dos próprios pais, e Anna Carolina Jatobá, condenada pela morte da enteada Isabella Nardoni. A publicitária e modelo Vanessa Alcântara, célebre por ajudar a denunciar a máfia do imposto sobre serviços (ISS) em 2013, foi para trás das grades por causa de outros crimes, como agressão e posse de drogas.
+ Suzane von Richthofen foi pedida em casamento pelo novo namorado
Há um mês, a mulher com 30 anos recém-completados foi expulsa da detenção. O motivo: “perturbação da ordem prisional”. É acusada de insultar carcereiras e coleciona desavenças com companheiras de cadeia. “Estou sofrendo discriminação por ser famosa e por acharem que tenho dinheiro”, afirmou, na sexta (17), em entrevista a VEJA SÃO PAULO em uma sala da Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu, seu endereço atual.
Ela denunciou o auditor fiscal Luis Alexandre Magalhães, seu namorado por dois anos, como um dos cabeças da máfia do ISS, que lesou os cofres públicos em cerca de 500 milhões de reais. Vanessa foi detida sob a acusação de sete crimes, totalmente desvinculados do escândalo municipal: lesão corporal, supressão de documentos, desacato, resistência, calúnia, injúria e porte de entorpecentes. Todos esses problemas teriam ocorrido na Delegacia de Defesa da Mulher de Valinhos, a uma hora de São Paulo.
A modelo compareceu ao local no dia 7 de abril para registrar boletins de ocorrência por briga com vizinhos. Durante a meia hora em que permaneceu ali para ser atendida, causou uma tremenda confusão. Segundo o registro policial, rasgou um inquérito e agrediu uma escrivã e uma delegada. Ela também estava com uma pequena quantidade de maconha na bolsa. Com isso, foi levada para a Penitenciária Feminina de Campinas. “Fiquei mesmo nervosa, mas não bati em ninguém, a droga não era minha e estou sendo injustiçada”, jura Vanessa.
Seu advogado entrou com três pedidos de habeas corpus para tentar tirá-la de trás das grades (todos negados). A Justiça avaliou que ela oferece risco à sociedade, “por sua conduta explosiva”. Antes da encrenca em Valinhos, havia comparecido várias vezes às delegacias de polícia por problemas variados. Em um dos episódios, foi acusada de agredir o avô, de 85 anos, de quem conta ter recebido raquetadas. O caso familiar faz parte dos vinte registros contra Vanessa.
+ A vida na penitenciária do Tremembé
Em outro episódio, teria mordido o rosto de uma vizinha de seu condomínio em uma briga envolvendo vaga de garagem. Depois de catorze dias detida preventivamente em Campinas, foi transferida para Tremembé. A gota d’água para a sua expulsão do presídio foi uma discussão com funcionárias por causa da manutenção de uma cela. “Eles queriam soldar as grades comigo lá dentro e encheu de fumaça”, conta Vanessa. “Fui arrogante, mas estava no meu direito.” Advertida por impedir o trabalho, passou doze dias no chamado “castigo”, sem direito a banho de sol. As outras presas comemoraram.
Segundo carcereiras, ela costumava xingar colegas de “porca” e “suja”. Ganhou antipatia por repetir a condição de “modelo famosa” (foi musa da Acadêmicos do Tucuruvi no último Carnaval) e fazer reivindicações, como comida vegetariana. Transferida para Mogi Guaçu, Vanessa continua insatisfeita com o tratamento. “Não posso usar minhas maquiagens da M.A.C nem meus perfumes da Dior porque não entram aqui”, reclama.
+ “Precisamos dar padrão Jardins para todos os DPs”, diz novo secretário
Com as “celebridades” de Tremembé, teve uma relação melhor. Ela conta ter feito amizade com Suzane von Richthofen (a quem chama de “Su”). Emprestou a ela os livros Aleph, de Paulo Coelho, e O Monge e o Executivo, de James C.Hunter, e ainda ofereceu conselhos para a nova amiga lidar com a “perseguição” da imprensa. Esse tipo de convivência aliviava um pouco o cotidiano “aterrorizante” do xadrez. “Durmo com uma espuma no chão e passo frio, além de não ter água quente”, queixa-se.
Além disso, foi colocada em celas cheias de barata e conta sofrer ameaças de outras presas. “Me falam: ‘Você quer enxaguante bucal? Espera aí que vamos extrair seus dentes todos’.” No primeiro mês, relata, tentou se enforcar com um lençol, mas foi impedida por uma agente. Depois disso, começou a dividir espaço com um grupo que incluía Anna Carolina Jatobá. “Ela chorava bastante me contando da Isabella e se dizia arrependida de ter sido conivente com o crime”, afirma.
A relação com as atuais colegas de cárcere é mais amena. Ela tem como companheiras quatro mulheres acusadas de roubo, tráfico de drogas e porte ilegal de arma. “Passo o tempo conversando com elas sobre a vida de luxo que eu tinha, os jantares de 10 000 reais, o dinheiro de corrupção espalhado no tapete que eu ajudava a contar e sobre como nada disso valeu a pena.” Ela se refere aos tempos de fartura ao lado de Magalhães, um dos oito denunciados pelo esquema de cobrança de propina de empresas para a redução do ISS, todos eles em liberdade enquanto aguardam julgamento.
+ Promotoria pede a prisão de “rei dos fiscais”
Com salário na casa de 11 000 reais, o funcionário público acumulava patrimônio de 30 milhões de reais. Antes da eclosão do escândalo, em setembro de 2013, ele ganhou a guarda do filho do casal, atualmente com 3 anos (a modelo tem outro de 7, também cuidado pelo respectivo pai). “Vanessa precisa de ajuda médica”, afirma Magalhães, contra quem Vanessa fez registros por agressão. Ele a internou involuntariamente em uma clínica psiquiátrica. A paciente, diagnosticada com transtorno de personalidade, teve alta após três dias.
O julgamento que definirá o destino de Vanessa está previsto para quinta (30). A condenação máxima pelos crimes a que responde é de seis anos. “Cogito uma pena em regime aberto”, diz Evandro Campoi, seu advogado. Ela não vê a hora de voltar para o apartamento de 50 metros quadrados em Valinhos, onde transformou a sacada em closet para seus 150 pares de sapato. “É um absurdo eu estar presa enquanto os caras que roubaram meio bilhão da prefeitura continuam soltos”, indigna-se.
O ESQUEMA DA PROPINA
› Oito auditores fiscais denunciados e nenhum ainda preso
› 500 milhões de reais foi a estimativa de prejuízo
› 133,9 milhões de reais foram devolvidos aos cofres da prefeitura
› 130 milhões de reais é o valor estimado de bens dos acusados que estão bloqueados
Fontes: Ministério Público do Estado de São Paulo e Prefeitura de São Paulo