O melhor Natal da minha vida foi o de 1984. Lembro-me dele como se fosse hoje. Foi o meu primeiro em São Paulo. Até então passara todos nos Estados Unidos.
Havia acabado de contar aos meus pais, americanos, que resolvera ficar na cidade, casar, criar filhos aqui. Diante da gravidade da situação, os dois decidiram me visitar na capital para ver qual era a minha. Trouxeram meu avô, Wesley, dono de um diner americano clássico, ou quase clássico, e também meu irmão calçula, Mitch, então com 20 aninhos.
Foi uma festa. Trinta anos atrás São Paulo era bem mais distante dos Estados Unidos do que é hoje. Poucos gringos vinham para cá. Não havia internet, nem TV a cabo, nem telefone celular, e mesmo o fixo não era lá tão fácil de encontrar. Custava caro. Tudo o que se conhecia do meu país de origem chegava à cidade por meio dos cinemas, via Hollywood, ou por livros. Havia também correspondentes estrangeiros em Nova York ou Washington que contavam nos jornais e nas revistas como era a vida e a política por lá para quem morava aqui.
Silvia, minha mulher na época, estava grávida. Esqueci de dizer. Era esse o motivo maior da viagem dos meus familiares. Iríamos inaugurar uma nova geração da família Shirts.
Como dizia, era uma festa. Meu avô, que nunca antes saíra do país (sem contar Tijuana, na fronteira mexicana), nem nunca viajara de avião, acredito eu, chegou calçado com suas tradicionais e vistosas botas de caubói americano. Ele foi criado no Velho Oeste. Seu pai, meu bisavô, morreu atropelado por uma diligência.
Wesley sumiu pela manhã no segundo ou terceiro dia em São Paulo. Eu morava na Borges de Barros, próximo às ruas Heitor Penteado e Cerro Corá. Segundo o porteiro, ele saíra às 6 e meia e virara à direita na calçada. Deu desespero. Fui atrás sem contar nada a ninguém. Não podia ter ido muito longe, raciocinei. Duvidava que entrasse num táxi, era essa minha esperança, ao menos. Nada falava de português. E naquele tempo, trinta anos atrás, quase ninguém entendia inglês em São Paulo. Meu maior medo era de assalto. Como se não bastassem as botas, de cano alto e decoradas, Wesley usava uma gravata de cordas, com uma ponta de flecha (de verdade) como fecho, tal como nos filmes de bangue-bangue.
Encontrei-o a três quarteirões de casa, voltando da padaria com um saquinho de pão francês. Fora “conversar” com o chapeiro, comer um misto-quente e observar os procedimentos do estabelecimento. Era do mesmo ramo, ponderou. Quando pergunto como fez para pagar, diz que abriu a carteira e o menino do caixa tirou as notas certas.
No dia seguinte, deixei o Wesley e meu irmão na Mercearia São Pedro, hoje lendário ponto de encontro da nossa cidade. Nunca antes bebera com nenhum dos netos. Havia pouco movimento no bar naquele tempo. Meu irmãozinho foi escondendo os vasilhames no chão para que vovô não parasse de contar histórias. Revelou, ali, segredos que repercutem até hoje na família.
Na noite do dia 24, enquanto Wesley e Silvia dançavam, a bolsa dela rompeu. Lucas, meu primeiro filho, nasceu no dia seguinte. Isso faz trinta anos. Natal melhor do que esse não existe.
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