Continua após publicidade

Ele foi dado como morto após ser espancado em briga de futebol

Johnatan da Silva sobreviveu e diz estar pronto para voltar aos estádios

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
23 jun 2017, 19h32
Johnatan da Silva: “Não sei dizer quantos golpes tomei nem quantos caras me agrediram” (Alexandre Battibugli/Veja SP)
Continua após publicidade

A briga já havia começado com os adversários quando fiquei preso na porta do ônibus, depois de tentar socorrer um amigo que tinha caído na rua. Tomei a primeira pedrada, fiquei tonto e me puxaram para fora. Acabei sendo arrastado no asfalto e senti as primeiras pancadas. Levei muito chute, muito soco… Não sei dizer quantos golpes tomei nem quantos caras me agrediram. Coloquei as mãos na cabeça, tentando me proteger.

Quando não estava aguentando mais, fingi que estava desmaiado para ver se desistiam. Escutei um rapaz se aproximando e pedindo para a turma parar de me socar. Continuei quietinho e ainda levei mais um chute na barriga. Só abri os olhos quando ouvi a voz de uma moça, que se aproximou, levantou minha cabeça, fez um apoio com dois paralelepípedos que haviam sido atirados contra mim e conseguiu estancar o sangue. Ela foi um anjo da guarda. Logo depois, veio a ambulância e me levou daquele lugar. No caminho, sentia meu corpo todo moído. Aqueles segundos da briga pareceram uma eternidade.”

O impressionante relato do parágrafo acima foi feito à reportagem de VEJA SÃO PAULO por Johnatan José da Silva, de 29 anos. Os momentos de terror aconteceram no último domingo (18), pouco antes da partida entre Coritiba e Corinthians, na capital paranaense, válida pelo Brasileirão. As imagens chocaram o país. A pancadaria, ocorrida no meio da rua, foi tão violenta que o torcedor do Timão chegou a engrossar por alguns minutos as estatísticas de casos fatais de confusões entre torcedores.

torcedor agredigo Johnatan da Silva
O momento da agressão (Reprodução/Veja SP)

Clóvis Galvão, titular da Delegacia Móvel de Atendimento ao Futebol e Eventos, de Curitiba, responsável pela apuração do caso, corrigiu a notícia pouco tempo depois, mas ela já havia corrido o Brasil. Pelo rádio, Francisca Gilvanete de Sousa, 49, ficou sabendo do “falecimento” do filho. “Só acreditei que ele estava bem quando o ônibus voltou para casa e eu vi o Johnatan”, lembra.

A mulher do rapaz também tomou um susto enorme. Ela havia passado a noite no velório de uma amiga e, ao retornar para casa, foi interpelada na rua. “É verdade que o Baba morreu espancado?”, perguntou um vizinho, referindo-se ao corintiano pelo apelido. Atordoada e sem saber o que responder, a auxiliar de limpeza Jéssica de Santana, 21, correu em busca de informações. “Entrei em desespero. Na hora, pensei que minha filha, de 4 anos, cresceria sem o pai”, recorda.

Continua após a publicidade

O desespero aumentou ela quando começou a receber, via WhatsApp, o vídeo das agressões.  “Reconheci meu marido pela cueca. Aí tive certeza de que ele tinha mesmo morrido. Os chutes foram muito fortes. Como alguém poderia sobreviver a tanta agressão?”, questiona.

Após quarenta minutos de agonia, Jéssica conseguiu fazer contato com amigos do torcedor. Descobriu que ele estava sendo atendido no hospital, sem risco de vida, e tranquilizou-se. “O rapaz tem 1,96 metro e soube se defender, mas podemos dizer que deu sorte porque os agressores não atingiram as zonas fatais, como a parte de trás da cabeça, as costelas e o tórax”, afirma o médico traumatologista Joaquim Grava, que trabalha no Corinthians e viu os vídeos do espancamento. “Tem gente que leva um tombinho, bate a cabeça e morre. Esse rapaz escapou por milagre.”

Continua após a publicidade

Nascido e criado no Jardim Irene, bairro da Zona Sul imortalizado na camisa do ex-capitão da seleção Cafu, com a conquista do pentacampeonato mundial, no Japão, em 2002, Johnatan vai aos estádios para ver o Corinthians desde pequeno. Sua mãe, torcedora fanática do clube, entrou para a Gaviões da Fiel nos anos 1980. “Já voltei do Estádio do Morumbi a pé, chorando, com meu filho no colo, depois de uma derrota para o São Paulo”, diz.

Recentemente, ao perder o emprego de porteiro, Johnatan entregou a casa em que morava de aluguel com a esposa e a filha. Passou a dividir com dona Francisca e o padrasto um amplo e inacabado sobrado na mesma região. Os cerca de 170 reais gastos com o rateio do ônibus de São Paulo ao Paraná e o ingresso para o Estádio Couto Pereira foram custeados com o FGTS sacado recentemente.

Nos últimos dias, o rapaz levantava algum dinheiro fazendo bicos de pintor e carregador de caixas. “Eu esperava ser chamado no dia seguinte ao do jogo para trabalhar como fiscal em uma loja no MorumbiShopping”, conta. Com dores e hematomas, precisou desmarcar o compromisso, mas ainda sonha com a vaga. “Tomara que eles esperem a minha aparência melhorar”, afirma.

Continua após a publicidade
carro baleado moacir bianchi
O carro de Moacir Bianchi (Edison Temoteo/Futura Press/Veja SP)

A selvageria dos radicais do futebol começou a sair do controle na década de 80, e continua rendendo episódios tristes, a despeito de várias tentativas das autoridades de resolver o problema. Aqui no estado, há mais de um ano os clássicos são disputados com apenas uma torcida no campo para tentar evitar confrontos. Desde que a Secretaria da Segurança Pública determinou a implantação desse sistema, o número de conflitos por ano caiu de dezessete para nove.

Apesar da melhora, as confusões, como se vê, ainda são recorrentes. Além disso, boa parte das guerras entre os bandidos que frequentam as arquibancadas ocorre acontece fora do estádio.

Continua após a publicidade

Algumas vezes, facções rivais da mesma torcida organizada promovem batalhas, com saldo trágico. Em março, o ex-presidente
e fundador da Mancha Verde (atual Alviverde) Moacir Bianchi, 48 anos, foi assassinado no Ipiranga. Seu carro, um Honda City preto, recebeu 22 tiros na emboscada. A principal hipótese para o crime, ainda em investigação, é acerto de contas entre integrantes da própria agremiação.

ARQUIVO/Fundador da Mancha Verde È encontrado morto dentro de carro no Ipiranga
Moacir Bianchi, um dos fundadores da Mancha Verde: assassinado no Ipiranga (Peter Leone/futura Press/Veja SP)

Em abril de 2016, trinta membros da Gaviões e da Mancha foram presos, após conflitos que culminaram com a morte de José Sinval Batista de Carvalho, 53. A turma ficou um mês na cadeia e agora responde em liberdade por crimes como lesão corporal.

Continua após a publicidade

Em Curitiba, a polícia deteve em flagrante um agressor de Johnatan — João Carlos de Paula, 24, aparece nas imagens dando chutes. Ele vai responder por tentativa de homicídio e pode pegar até vinte anos de prisão. Outros seis identificados poderão ser enquadrados no mesmo delito.

Em São Paulo, enquanto espera por um recomeço na vida profissional e se recupera dos hematomas, o corintiano garante que o susto não o afastará dos campos. “Na quinta teve jogo, não deu para ir”, lamenta. “Quem sabe no próximo?”

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe semanalmente Veja SP* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de São Paulo

a partir de 49,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.