Como a chegada da internet 5G a São Paulo vai mudar a sua vida
Entrega por drone, semáforos inteligentes e aparelhos domésticos ultraconectados prometem gradativa revolução no dia a dia do paulistano
Quer passar raiva? Tente postar uma foto nas redes sociais no intervalo de um jogo de futebol no estádio do Morumbi cheio ou entre um show e outro no Allianz Parque lotado. Quando muita gente usa simultaneamente as redes de 3G ou 4G, que são limitadas, uma simples mensagem de áudio leva séculos para ser completada. A solução, em muitos casos, é desistir ou recorrer ao wi-fi do espaço, mas uma rede pública é um dos métodos de acesso mais inseguros.
Com a chegada do 5G ao Brasil, cujo leilão foi realizado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) no início do mês, a mudança tecnológica vai proporcionar de forma gradativa uma revolução que mudará a forma como as pessoas, os equipamentos e até a nossa cidade se comunicam. A expectativa é que os primeiros serviços cheguem por aqui em meados de 2022.
Passaremos a ter a cidade na palma das mãos
As principais novidades do 5G, na comparação com os outros “gês”, são o aumento da velocidade das transmissões, a maior capacidade das antenas e uma redução significativa da chamada latência, também conhecida como delay. Enquanto no 4G o download de um filme com uma hora de duração pode levar meia hora, no 5G ele será feito em poucos segundos.
Em relação às transmissões de vídeos e áudios, os travamentos e atrasos na recepção também estão com os dias contados. E caso você deseje enviar instantaneamente um vídeo ou foto em eventos com grande público, como a Fórmula 1 em Interlagos, poderá fazê-lo sem sobressaltos, pois, diferentemente do 4G, que comporta 60 000 conexões de aparelhos simultaneamente por quilômetro quadrado, o número chega a 1 milhão na nova tecnologia (isso será possível para clientes de uma operadora no domingo 14, quando haverá teste de 5G no GP Brasil).
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
Na nossa casa, o fogão, a cafeteira, a câmera de vigilância, entre outros infinitos equipamentos, terão chips (iguais aos dos celulares) que se conectarão uns aos outros e poderão executar funções programadas com a utilização das redes de 5G. Nas ruas da capital, os semáforos conversarão com os carros e ônibus.
“Você poderá ter uma TV que não precisará se conectar pelo wi-fi e sua geladeira será inteligente”, afirma Marcus Garcia, vice-presidente de tecnologia e produtos da FS Security (veja ao final da reportagem alguns segmentos em que a nova tecnologia poderá atuar).
No campo da logística, com o avanço do e-commerce e dos aplicativos de delivery, um dos principais desafios é a redução no tempo de entrega. Aos caminhões, motos, bikes, vans e até patinetes poderá se juntar uma alternativa que até pouco tempo atrás era objeto apenas de filmes de ficção.
Criada há apenas três anos em Franca, a cerca de 400 quilômetros da capital, a Speedbird Aero possui três modelos de drones que transportam entre 3 e 20 quilos de mercadorias. A autonomia das aeronaves varia entre 4, 10 e 100 quilômetros de distância. Nos últimos dois anos, alguns testes foram feitos com empresas como o iFood, em Campinas, em parceria com o Shopping Iguatemi, cerca de vinte restaurantes e um condomínio residencial, distante cerca de 400 metros dali. Assim que o pedido ficava pronto, ele ia não para as mochilas dos entregadores no térreo, mas para o teto do centro de compras.
No fim das contas, em média, o ganho de tempo foi de doze minutos, na comparação com a entrega convencional, via motociclista. Apesar do teste, autorizado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a ideia da empresa não é fazer entregas na porta da casa das pessoas, ou seja, um drone não poderá estacionar na sacada de um apartamento, por exemplo, por questão de segurança e legislação.
“Existem mitos com drone delivery. O pessoal imaginar que vai chegar na janela da casa, na porta da frente, será impossível. Na grande maioria das vezes, praticamente todas as empresas trabalham conectando pontos A e B. O drone será um novo modal que surge para ser integrado a outros modais”, afirma Samuel Salomão, fundador da Speedbird. Em agosto do ano passado, a empresa captou 2,5 milhões de reais em sua primeira rodada de investimento com a Anjos do Brasil.
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
Outros testes feitos pela empresa foram com o laboratório Hermes Pardini, em Ilhabela, no Litoral Norte, e em Belo Horizonte. “Conectamos dois hospitais de BH para transportar material biológico. A rota de carro leva em média 45 minutos. Com o drone, levamos seis. É um tempo em que podemos salvar a vida das pessoas”, diz Salomão.
Em Ilhabela, as experimentações duraram uma semana. Foram cerca de trinta voos por dia. O próximo passo da empresa é conseguir autorização definitiva para operar os veículos e começar a produzir os equipamentos em escala. Um quarto modelo de drone, que poderá transportar até 80 quilos de mercadoria e sobrevoar uma distância de 400 quilômetros, está em fase de projeto e a ideia é começar os testes em 2023.
Dos ares para as ruas, a chegada do 5G ao Brasil poderá transformar o obsoleto parque semafórico de São Paulo em um sistema inteligente, que se conecta aos veículos e aos celulares que virão com a nova tecnologia. “Sempre existe a discussão do ponto de vista de cidades inteligentes. Nos corredores de ônibus, por exemplo, em caso de urgência ou emergência, será possível aumentar ou diminuir o fluxo de veículos e o tempo dos semáforos. Teremos a cidade na palma das mãos”, afirma o secretário de Inovação e Tecnologia de São Paulo, Juan Quirós.
Apesar do otimismo de Quirós, que coordena um grupo de trabalho para a implantação do 5G na capital, a licitação dos semáforos está desde 2017 parada no Tribunal de Contas do Município. Agora, a gestão Ricardo Nunes estuda um modelo de incluir a troca dos sinais de trânsito na parceria público-privada (PPP) da iluminação. Essa última está em andamento desde 2019.
“O contrato para remodelar o sistema semafórico custaria 1 bilhão de reais. A cidade pode fazer todo esse trabalho de termos o melhor sistema semafórico do mundo através da PPP. E é isso que eu orientei o secretário Ricardo Teixeira (Mobilidade)”, disse Nunes, em setembro. “Ele se comprometeu comigo que o prazo para ele me apresentar a publicação do edital é até dezembro.”
De fora para dentro dos carros, a conectividade dos modelos das próximas gerações proporcionará maior rapidez e eficiência na navegabilidade de aplicativos como Waze e Google Maps. “Na parte de segurança, os serviços de rastreamento e bloqueio ficarão mais precisos”, afirma o engenheiro eletricista Ricardo Takahira, coordenador da comissão técnica da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE). Com mais interatividade, incluindo comandos de voz, um perigoso alerta pipoca no horizonte: “Vai distrair as pessoas”.
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
Enquanto os carros não se conectam com os sinais de trânsito, o mercado digital de compra e venda de veículos usados já começa a pensar nas novas tecnologias que poderão trazer segurança, comodidade e celeridade a parte dos processos. “Com os novos dispositivos, será possível fazer vistoria de veículos para saber o seu estado. Também será possível fazer tour pelo carro por vídeo. Nossa ideia é fazer com que o veículo seja negociado sem que o cliente precise vê-lo de forma presencial”, afirma Andries Oudshoorn, presidente das empresas OLX e Zap+ (antiga Zap Imóveis).
Nesse segundo mercado, o imobiliário, as facilidades tecnológicas vão reduzir o tempo perdido, de clientes e corretores. “As pessoas acabam visitando muitos apartamentos. Com o tour virtual, ela vê qual apartamento é melhor e visita só o que é mais interessante. Poupa tempo para o comprador e o corretor.”
Na concorrente QuintoAndar, a aposta nas novas tecnologias proporcionarão redução das até então inevitáveis burocracias. “Hoje em dia começamos a ver a digitalização dos cartórios. Se os registros forem cada vez mais on-line e integrados, o registro de venda de imóvel, por exemplo, poderá ser feito com cada uma das partes em casa”, prevê André Penha, fundador e presidente da QuintoAndar.
Bem antes de o leilão do 5G ser realizado, as operadoras de telefonia começaram a se preparar para a chegada da nova tecnologia. Uma delas, a Claro, promoveu em 2019 uma demonstração do sistema em um show no Allianz Parque, em São Paulo. Durante a apresentação da Led Zeppelin in Concert, a empresa, em parceria com a Ericsson, retransmitiu um holograma do violinista Lucas Lima, que tocava seu instrumento ao vivo, a cerca de 17 quilômetros dali.
Em outra frente, em parceria com o Instituto PróSaber, a Claro vai realizar testes na favela de Paraisópolis. Na primeira fase, participarão quarenta jovens, de 14 a 19 anos, que terão acesso a seis notebooks e seis aparelhos de celular da Motorola, todos com 5G, e poderão fazer cursos on-line. Os acessos não estarão restritos apenas aos alunos. Na biblioteca do espaço, aberta ao público em geral, um roteador vai levar por wi-fi o sinal do 5G a quem estiver no espaço. Em um segundo momento, haverá a expansão do 5G para toda a favela. “As nossas antenas que iluminam Paraisópolis serão habilitadas em 5G”, afirma Marcio Carvalho, diretor de marketing da Claro. “Podemos dizer que Paraisópolis está preparada para a tecnologia.”
Enquanto as expectativas crescem na mesma proporção em que as novas velocidades de internet prometem mudar nossa vida, uma questão importante, a da segurança, precisa também ir na mesma direção. “As pessoas vão interagir mais, usarão mais as redes sociais, poderão baixar mais vídeos e contratar mais serviços de streaming, mas também poderão violar mais direitos autorais e difundir mais fake news”, prevê o advogado Renato Opice Blum, especialista em direito digital.
Ele alerta também contra um tipo de crime que tem pego grandes corporações de surpresa, o chamado ransomware. “É um risco da moda em que o atacante faz a invasão de forma manual ou automática. Quando isso ocorre, ele criptografa o banco de dados.” O passo seguinte é pedir um resgate, cobrado pelas nem sempre rastreáveis criptomoedas. Outra preocupação é com a facilidade com que criminosos poderão clonar aplicativos de mensagens e obter acessos pessoais. Ou seja, o 5G e suas facilidades estão chegando, mas junto com elas serão necessários cuidados para que não sejam sinônimo de dor de cabeça e perdas financeiras.
As pessoas vão interagir mais, usarão mais as redes sociais, poderão baixar mais vídeos e contratar mais serviços de streaming, mas também poderão violar mais direitos autorais e difundir mais fake news
SAÚDE
Da telemedicina a tratamentos de pacientes acometidos por acidentes vasculares cerebrais (AVC), a chegada do 5G vai proporcionar uma infinidade de processos e procedimentos, muitos dos quais já em uso, mas limitados tecnologicamente. “Na neurologia, quando o sistema nervoso está danificado, precisa de uma reabilitação. Temos na Unicamp um centro de excelência que faz pesquisa com realidade virtual e a pessoa pode fazer uma imersão em um ambiente, caminhar numa cidade virtual, por exemplo. Mas a capacidade da banda não é adequada. Com o 5G, teremos uma maior capacidade de resolução de casos de AVC”, explica o professor de neurologia Li Li Min.
No Hospital Sírio-Libanês, a expectativa é melhorar a experiência dos pacientes e a atuação dos médicos com a telemedicina. “O contato se tornará mais presente e real”, prevê o superintendente de transformação digital, Diego Aristides. Na medicina robótica, as operações poderão ser feitas com cirurgiões a distância. Elas já são realizadas, mas sem respostas instantâneas. “Hoje os médicos fazem um movimento e precisam contar até 4 ou 5 para receber a resposta. Com o 5G será quase imediato.”
CINEMA E STREAMING
As opções no streaming cresceram exponencialmente nos últimos anos e ganharam ainda mais destaque diante da pandemia e do isolamento social. “Essa chegada tem tudo a ver com a conectividade do streaming. As próprias plataformas já começam a agir em prol dessa nova tecnologia, que vai ajudá-los a dispor o conteúdo bem mais rápido que o 4G”, afirma Marina Rodrigues, cineasta e produtora executiva focada em políticas regulatórias para o audiovisual na América Latina.
Ela enfatiza as presenças da HBO Max e Netflix nesse cenário positivo na qualidade de conexão. Por outro lado, um dos principais desafios das empresas é alcançar um público cada vez mais amplo, fora das regiões metropolitanas. (por Barbara Demerov)
PARA CASA
Já não estamos na época em que o celular era exclusivamente para fazer chamadas, mas as novas funcionalidades que o 5G promete incorporar aos nossos telefones deixarão a atual era de mandar mensagem e pedir o carro de aplicativo no passado. Nas casas, os ambientes serão multi-plataforma e conversarão entre si.
Imagine sair do trabalho e programar pelo celular a temperatura da geladeira ou ligar o forno com aquele frango que estava congelado poucas horas atrás. Uma das empresas que prometem integração entre máquina e celular é a Philips Walita, que lançará no ano que vem um novo modelo de Air Fryer. A principal novidade é que o aparelho poderá ser acionado pelo celular.
Para os papais e mamães que não vivem sem a babá eletrônica, a Multilaser criou um modelo que já funciona com os sistemas 3G e 4G, mas que ganhará mais velocidade e maior capacidade de visualização das imagens. Outra novidade da empresa, lançada neste mês, é o Smart Feeder, um comedouro digital que permite programar de forma remota a hora da alimentação do animal de estimação. Conectado via wi-fi e também por 4G, o equipamento ficará mais ágil quando o 5G for disponibilizado.
ARTES
Em 2019, antes de a pandemia chegar, a pesquisadora brasileira Ágatha Depiné, doutoranda na Sapienza Università di Roma, participou do Ro.Me Museum Exhibition, evento na capital italiana voltado à inovação na área cultural. Ela explica que, no caso das instituições museológicas, é possível pensar em duas vertentes de uso da tecnologia 5G: “A primeira tem a ver com a melhoria da experiência do usuário em atividades virtuais. Com maior velocidade de conexão, atrações em realidade aumentada e a disponibilização do acervo, por exemplo, poderão ser aprofundadas.”
A segunda, acrescenta Ágatha, “relaciona-se a uma gestão mais inteligente das informações. A depender da legislação do país, quando o visitante entrar no prédio, seu dispositivo será ligado automaticamente ao sistema, compartilhando uma série de dados com o museu. Esses, por conseguinte, permitirão entender quais os trajetos mais comuns por ali”.
Fora do Brasil, já há alguns casos interessantes, de acordo com artigo escrito pelo jornalista cultural Manuel Charr. Na Cidade Proibida, na capital chinesa Pequim, mais de 3 000 câmeras instaladas no prédio foram conectadas a um software, que faz reconhecimento facial dos visitantes (e a vigilância das peças vistas ali). A partir desse mecanismo e das preferências já armazenadas das pessoas, são gerados roteiros personalizados.
Na Rússia, por sua vez, o museu Hermitage aproveitou a conexão superveloz para disponibilizar panorâmicas de suas obras em tempo real. É um olho na pintura, outro no celular. Isso, é importante dizer, sem imagens pixelizadas, travadas ou com qualquer traço de lentidão. No Brasil, algumas instituições de São Paulo foram consultadas, mas, até o momento, Masp, MIS e Pinacoteca não têm projetos futuros relacionados especificamente à tecnologia do 5G. (Tatiane de Assis)
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
Publicado em VEJA São Paulo de 17 de novembro de 2021, edição nº 2764