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Sequência de suicídios põe USP em alerta: “Precisamos saber onde erramos”

Universidade promete criar rede para melhorar comunicação entre os seus serviços de saúde mental

Por Guilherme Queiroz
Atualizado em 7 jun 2021, 14h18 - Publicado em 4 jun 2021, 17h47
Imagem mostra foto de rampa e parte térrea de interior de prédio da USP; apenas uma pessoa aparece na imagem, uma mulher, andando, de costas
Saguão do departamento de história e geografia da FFLCH (Marcos Santos / USP Imagens/Divulgação)
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Nos últimos dois meses, três estudantes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP tiraram a própria vida. A sequência acendeu um alerta entre os alunos e a direção da faculdade e da universidade. Um dos casos ocorreu dentro da Cidade Universitária, no Butantã, Zona Oeste da capital paulista, no conjunto residencial da entidade, o CRUSP.

Como consequência, a USP promete a criação de uma rede que melhore a comunicação entre os seus serviços de saúde mental. A FFLCH, por sua vez, afirma que irá criar canais voltados para o assunto e fará uma pesquisa para entender melhor a real situação mental dos seus alunos e colaboradores. O CRUSP, onde ocorreu um dos casos, conta com diversos problemas de infraestrutura: a universidade promete a realização de uma reforma, além da instalação de internet no local [veja detalhes abaixo].

Os alunos que cometeram suicídio, todos da graduação, eram dos cursos de letras, filosofia e geografia. Estudantes relatam à Vejinha que, infelizmente, os episódios não são incomuns. “Já lidamos com casos do tipo. Mas isso ocorreu em uma sequência, deixou a gente acabado. É uma situação muito difícil. Precisamos descobrir onde erramos, se erramos e o que podemos fazer”, diz o diretor da FFLCH, Paulo Martins.

A FFLCH é a faculdade da USP com o maior número de estudantes. “Tenho 14 000 alunos”, diz o professor. Na última terça-feira, ele e outros representantes de diversas áreas da universidade realizaram uma reunião para a criação de medidas que aumentem o apoio à saúde mental dentro da unidade. “Nunca tivemos um canal específico para a saúde mental”, admite Martins.

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A universidade como um todo, no entanto, conta com programas como o Escritório de Saúde Mental e o Acolhe USP. Somente o Instituto de Psicologia possui cerca de 15 serviços voltados para o atendimento de alunos e de qualquer um que procurar ajuda. “Mas nem todos sabem que isso existe, a USP divulga menos do que deveria. E esses programas são insuficientes. Muitos não têm o formato ideal, tem uma periodicidade pequena”, aponta o estudante de ciências sociais, Davi Barbosa, 21.

No caso da FFLCH, após a reunião, a diretoria se comprometeu com seis iniciativas:

  • Distribuição de uma cartilha com informações básicas sobre saúde mental;
  • Criação do canal FFLCH pela vida, que deve funcionar por meio de e-mail, Whatsapp e telefone, com um voluntário que atende estudantes que precisam de ajuda;
  • Elaboração de uma pesquisa para levantamento da situação de “sofrimento de estudantes, funcionários e docentes”
  • Um programa de tutoria, em que docentes se responsabilizam por um grupo de alunos, para aconselhamento e encaminhamentos para serviços de atendimento;
  • Visitas regulares ao CRUSP;
  • Criação de rodas de conversa.

“A assistência à saúde mental na universidade existe desde quando eu era estudante, em 1980. Mas nós percebemos como, especialmente na última década, o número de suicídios como um todo aumentou, e na universidade não foi diferente”, diz o superintendente de Assistência Social da USP, Gerson Tomanari.

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Ele afirma que em 2018 a reitoria criou o Escritório de Saúde Mental. “É formado por dezenas de psicólogos, voluntários. Neste ano, já atendemos mais de 450 pedidos de acolhimento. Um dos rapazes que se suicidou era atendido pelo escritório e, até agora, foi o único caso entre os atendidos que tirou a própria vida”, diz.

“Em janeiro deste ano mandamos um informe para todos os alunos sobre o Escritório, e tivemos uma enorme procura”. Após a sequência de suicídios, Gerson cita a criação de uma rede que visa melhorar a comunicação entre os mais de 30 serviços de assistência à saúde mental que existem nos campus da USP, incluindo a capital e cidades do interior.  “Estou construindo um diretório de saúde mental que tem como ambição formar essa rede. Se eu recebo um caso que eu sei que é especialidade, por exemplo, de Ribeirão Preto, posso fazer o encaminhamento, com atendimento online”, diz o superintendente.

“Mas os estudantes não participam da criação dessas iniciativas. Como fazer políticas de saúde mental sem nos ouvir? Cria-se um ambiente propício para que as pessoas adoeçam mentalmente”, critica o aluno de ciências sociais Davi Barbosa. “Saem questionamentos dos estudantes e existe um catalisador: a pandemia. Mas estamos aqui para escutar”, diz o diretor da FFLCH, Paulo Martins.

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O CRUSP

O estudante de geografia que tirou a própria vida vivia na moradia voltada para alunos de baixa renda, localizada dentro da Cidade Universitária, o CRUSP, conjunto de sete prédios construídos em 1963 como alojamento para os atletas dos jogos Pan-Americanos, além de um oitavo, construído na última década. “A gente segue sem cozinha, lavanderia. Os apartamentos com infiltração, dando problemas na elétrica. Passamos a semana passada inteira com metade de um dos blocos com falta de água”, afirma Carina Matheus, 30, estudante de psicologia.

“Eles [reitoria] não conversam com a gente. Ficamos sabendo dessa reforma pelo jornal, não tem um fórum, um espaço de discussão”, diz Carina. De acordo com o superintendente de Assistência Social da USP, Gerson Tomanari, as obras de reforma em um dos blocos de apartamentos deve começar nos próximos meses.

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“A obra no bloco D foi orçada em 6 milhões de reais, ele será o primeiro da fila. No mês passado foram abertos os envelopes da licitação”, diz Gerson. Estão previstas reformas na rede elétrica, hidráulica, na estrutura do prédio e dos apartamentos, além da reforma da cozinha, lavanderia, pintura geral, entre outros.

“Nosso plano é que, na medida que as obras do bloco D comecem, o processo de licitação da reforma de outro [bloco] se inicie”, explica. Cada um dos oito prédios possui seis andares, com doze apartamentos por andar. De acordo com Tomanari, apenas um dos edifícios não será reformado: o mais novo, inaugurado há cerca de 10 anos.

“Até 2021 não existia internet nos prédios, como pode?”, questiona Davi Barbosa. Gerson afirma que a implementação de internet sem fio, por meio de cabos irradiantes, está em curso em todos os blocos. “Mas nos que já têm internet, ela é instável e fraca”, diz Carina. “O sinal está em teste. A instalação começou no início deste ano e o sinal está instável e irregular, estão fazendo os ajustes. Mas mandamos um comunicado avisando isso e pedindo para que os alunos que identificarem os pontos de instabilidade, avisem”, diz o superintendente. “Além disso, distribuímos mais de 5 200 modens com 60 gigas de internet mensal e os moradores do CRUSP receberam em primeira mão”, afirma Tomanari.

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“Essa situação de precariedade do CRUSP também leva a um sofrimento psíquico. A quantidade de aula que a gente perde porque não consegue assistir. Um dos estudantes que morreu morava aqui. Estamos em uma situação de vulnerabilidade muito maior. Eu não sei se acredito que essas reformas serão feitas”, diz Carina.

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