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Soluções para Congonhas sair da crise e decolar

Com o triplo de passageiros de dez anos atrás e atrasos nos vôos e pistas sem drenagem, aeroporto vive drama que pode se agravar neste Carnaval

Por Maria Paola de Salvo e Sandra Soares
Atualizado em 6 dez 2016, 09h04 - Publicado em 18 set 2009, 20h34

O problema: excesso de passageiros – É um frenético vaivém. A cada hora, 48 aviões pousam ou decolam em Congonhas, o maior aeroporto do país em número de passageiros (18,4 milhões por ano, contra 15,6 milhões em Cumbica) e de vôos (600 por dia, contra 430 em Cumbica). Construído nos anos 30 e ampliado nas décadas de 50 e 80, Congonhas tinha capacidade para atender 6 milhões de pessoas por ano. Em 2003, quando a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) concluiu a primeira etapa de uma série de obras que pretendiam desafogá-lo, já passavam por ali 12 milhões de passageiros por ano. O novo estacionamento, com cinco andares e 2 250 vagas, e a área de embarque, com 9 300 metros quadrados, três vezes maior que a anterior, foram projetados para receber justamente esse fluxo de pessoas. Ocorre que de lá para cá o movimento aumentou 50%. Ou seja, mesmo com a reforma ainda se formam grandes filas nos check-ins e faltam lugares para acomodar todos os usuários nos horários de pico. Um estudo feito pelo Instituto de Aviação Civil (IAC) prevê que em seis anos o número de passageiros poderá chegar a 28,6 milhões de pessoas por ano. Para atender esse mundaréu de gente, segundo projeções do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Congonhas precisaria ser ampliado em 350%. Encravado entre os bairros do Jabaquara e de Moema, o aeroporto não tem para onde crescer. A solução: transferir parte dos vôos para outros aeroportos – Diante das limitações físicas de Congonhas, transferir parte dos vôos para Cumbica, em Guarulhos, e Viracopos, em Campinas, é uma das saídas apontadas pelos especialistas para atender parte do excesso de passageiros. Os dois aeroportos teriam capacidade imediata de absorver, respectivamente, 20% e 2% das operações de Congonhas. “As companhias aéreas resistem à idéia porque acreditam que vão perder rentabilidade, tendo em vista que o acesso é mais difícil”, diz Leonel Rossi Júnior, diretor da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav). Considerando o crescimento da demanda, Cumbica e Viracopos também precisariam ser ampliados. A Infraero promete começar no segundo semestre as obras do terceiro terminal de Guarulhos, projetado para receber 12 milhões de passageiros por ano – atualmente a capacidade dos terminais 1 e 2, somados, é de 17 milhões. Mas não há previsão para o início da construção da sua terceira pista. “Sem ela, o novo terminal ficará ocioso”, explica o engenheiro Cláudio Jorge Pinto Alves, um dos coordenadores do estudo do ITA. “Para fazer os passageiros optar por Cumbica, é preciso também tornar realidade o Expresso Aeroporto.” Trata-se de outra obra necessária e cara: uma linha de trem, com 31 quilômetros de extensão, que ligará o centro de São Paulo ao aeroporto. Sua construção, de acordo com a Secretaria do Estado dos Transportes Metropolitanos, começa no ano que vem e deve ser concluída em 2010. Para Viracopos, os planos incluem, em dois anos, um segundo terminal e uma segunda pista. Para isso, seriam gastos 33 milhões de reais só com desapropriações em Campinas. O problema: pistas danificadas – Quando foram construídas, em 1950, as duas pistas de Congonhas deveriam ser cruzadas por uma terceira. Na época, acreditava-se que essa terceira pista seria importante para os aviões mais leves, que eram sensíveis a ventos laterais. Desistiram de fazê-la, mas as obras das duas primeiras seguiram o projeto original. Com isso, ficaram com inclinação inadequada para o escoamento de água. Outra agravante: com o aumento de peso dos aviões e o crescimento do tráfego aéreo, o pavimento passou a ser submetido a desgastes maiores. Em três ocasiões (1980, 1998 e 2001), as pistas ganharam novas camadas de asfalto para recuperar sua capacidade de atrito. Mas o principal problema de inclinação não foi corrigido de forma adequada. Planas e desgastadas, tanto a pista principal quanto a secundária não conseguem escoar a água e são fechadas quando acumulam lâminas de 3 milímetros. Entre março do ano passado e janeiro último, frenagem difícil e derrapagens assustaram passageiros de quatro vôos. Em dezembro, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) recomendou a interdição do aeroporto ao menor sinal de garoa. Voltou atrás no mês passado, quando a Anac apresentou um estudo garantindo que o pouso é seguro até que as pistas atinjam os tais 3 milímetros de água – dez minutos de chuva forte costumam ser suficientes para que se chegue a esse nível. Só no último dia 8, a pista foi fechada por seis vezes. “Alguns pilotos relataram dificuldades para frear antes mesmo dessas interdições”, afirma Carlos Minelli de Sá, chefe do Serviço Regional de Proteção ao Vôo de São Paulo, responsável pelo controle de tráfego no aeroporto. A solução: reformá-las – A chuva só vai parar de interferir na rotina do aeroporto e de seus milhões de passageiros quando a inclinação da pista, uma obra relativamente simples, for corrigida. “A parte central tem de ser 30 centímetros mais alta que as laterais para que a água possa correr, como acontece na maioria dos aeroportos do Brasil e do mundo”, explica o engenheiro Oswaldo Sansone, do departamento de transportes da Escola Politécnica da USP, autor de uma tese de mestrado sobre o assunto. A textura do asfalto também precisa ser melhorada para aumentar a aderência do pneu à pista em dias de chuva. Isso é possível com as ranhuras conhecidas como grooving. Com 6 milímetros de profundidade, os frisos escoam a água e impedem que ela se acumule na superfície. A Infraero promete começar a fazer essas correções na pista auxiliar a partir do próximo dia 26. Realizadas de madrugada, com o aeroporto fechado, as obras devem durar quatro meses e custarão 11 milhões de reais. Uma audiência pública em 19 de março vai decidir o início da recuperação da pista principal, que recebe 90% dos pousos e decolagens. O problema: emissoras piratas – O piloto de um avião prestes a aterrissar em Congonhas recebe orientações de um controlador de tráfego, quando de repente é interrompido por uma música. Fica alguns segundos sem ouvir nada do outro lado até que o contato é retomado. Mais uma vez, a freqüência de uma rádio pirata interferiu na comunicação entre torre e piloto nos dois momentos mais cruciais de um vôo: pouso e decolagem. “É claro que eles têm um plano de vôo e contam com outros equipamentos de navegação”, explica Carlos Trifilio, presidente da Federação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo. “Mas a comunicação por voz é essencial na hora de imprevistos.” Para evitar riscos maiores, uma freqüência de rádio alternativa é usada pelos controladores. Em 2006, Congonhas registrou 136 interferências desse tipo. Só em janeiro, foram 42 – mais que uma por dia. A Polícia Federal mapeou trinta rádios clandestinas nas imediações do aeroporto. As soluções: fiscalizá-las e mudar o sistema de comunicação – Fiscalizar as rádios piratas depende da Anatel e da Polícia Federal. No ano passado, 100 delas foram fechadas em São Paulo. Outra saída para fugir das interferências é substituir a comunicação via rádio pela via satélite, solução que tem funcionado até em países como a Costa Rica. “O sistema digital acaba com os problemas da comunicação analógica”, diz Ricardo Chilelli, engenheiro aeronáutico e consultor em segurança de vôo. As companhias aéreas calculam que seria necessário um investimento de cerca de 50 milhões de dólares para resolver o problema. O valor cabe bem no orçamento do Fundo Aeronáutico, que acumulava até o fim do ano passado 1,9 bilhão de reais, dos quais só 17% foram efetivamente usados. O problema: visibilidade da torre prejudicada – Oito controladores de vôo trabalham por turno na apertada cabine de 42 metros quadrados construída no topo do terminal de Congonhas, a 27 metros de altura. Erguida há mais de cinqüenta anos, a torre é hoje pequena para abrigar profissionais e equipamentos. O prédio que fica abaixo da torre também foi ampliado (de 37 400 metros quadrados para 93 500 metros quadrados) e acabou avançando no campo de visão dos controladores. “Do lugar onde a torre está eles vêem a pista em sua totalidade, mas não conseguem enxergar certas áreas do pátio”, diz o gerente regional de engenharia da Infraero, Wagner José Antunes. “Os controladores têm de acompanhar as aeronaves mesmo depois que elas estão em solo, para orientar os pilotos nos procedimentos posteriores ao pouso”, afirma o coronel Carlos Minelli de Sá, chefe do Serviço Regional de Proteção ao Vôo de São Paulo (SRPVSP). “Isso precisa ser solucionado porque pode prejudicar a segurança.” A solução: construir uma maior e mais moderna – A Infraero planeja erguer uma estrutura de 40 metros de altura, com dois pavimentos de 45 metros quadrados, em frente ao hangar da Varig. Em março, o projeto, orçado em 20,8 milhões de reais, será apresentado em audiência pública, juntamente com o da reforma da pista principal do aeroporto. Depois disso, haverá a licitação para a contratação das obras. O cronograma prevê que elas comecem até o fim do semestre e durem quatro meses. Só então a torre atual poderá ser desativada. O problema: os recursos do setor são mal gerenciados – A Infraero arrecada uma bolada e tanto de empresas e passageiros: cerca de 1,1 bilhão de reais por ano. Boa parte do dinheiro, porém, é retida pelo governo em vez de ir para equipamentos e contratação de pessoal. Esse valor, em tese, deveria ser usado para fazer melhorias na infra-estrutura dos 67 aeroportos que a estatal administra, entre eles Congonhas. Além de aplicar menos do que poderia na ampliação e modernização dos aeroportos, ela gasta mal os recursos disponíveis. O Ministério Público Federal investiga superfaturamento na compra de 29 produtos e serviços utilizados na reforma de Congonhas, que desde 2003 já consumiu 186,5 milhões de reais. A Infraero teria desembolsado, por exemplo, o triplo do preço de mercado pelas pontes de embarque instaladas no aeroporto. O modelo que adotou – investir em grandes áreas comerciais nos aeroportos em detrimento da modernização – também é criticado pelos especialistas. Ou, como escreveu na semana passada o senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo: “Os dinossauros implantaram uma moderna e luxuosa estação de passageiros no antigo Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e só depois da inauguração lembraram – ou foram advertidos pelo apagão do transporte aéreo nacional – que faltava construir as pistas de pouso e decolagem”. A solução: garantir que o dinheiro arrecadado pela Infraero seja revertido em investimentos – Em dezembro, o presidente da Anac, Milton Zuanazzi, defendeu durante audiência pública na Câmara dos Deputados o fim do repasse de 50% das taxas de embarque aos cofres da União. “A questão é principalmente política”, diz o consultor em aviação Gianfranco Betting, da empresa Jet Group. A opção por priorizar a construção de áreas comerciais nos aeroportos se dá, segundo os especialistas, porque a Infraero precisa de mais fontes de arrecadação. “Mas, se não garantir o bom funcionamento da parte operacional, logo começará a perder receita”, afirma Betting.

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