Quando eu era criança, morava no interior. Durante o Carnaval, carros com foliões fantasiados sobre o capô e o teto desfilavam na avenida principal. Palhaços, arlequins, colombinas! As famílias assistiam, comendo pipoca doce. Certa vez a filha de uma vizinha participou vestida de terno listrado, chapéu de palheta e o rosto pintado de negro com rolha queimada. Desfilou num jipe de capota abaixada, repleto de “negrinhos” em homenagem ao ator Grande Otelo, sucesso das chanchadas da Atlântida. Todos abanavam as mãos. Mamãe gritou:
– É ela! A quarta, sentada no motor!
Também estive em bailinhos. A criançada jogava confete e serpentina. Pulava. Os bailes de adultos eram quase inocentes, com as garotas fantasiadas, ou com roupas mais ousadas. Após os bailes, meu irmão caminhava de volta para casa, com a sensação de ter aprontado o máximo. Mas o máximo daquela época estava muito distante do mínimo de hoje em dia.
Os episódios mais furiosos aconteciam na rua, entre a garotada e os passantes. Havia um preparado chamado “sangue de diabo”. Não tenho mais a receita. Era vermelho e tinha a peculiaridade de manchar a roupa alheia quando disparado por bisnagas de plástico. A vítima corria atrás da garotada, que fugia rindo. As manchas sumiam algum tempo depois!
Morávamos em um sobradinho. Eu e mamãe ficávamos no terraço, ela com a bisnaga cheia de água. Eu de cúmplice. Ela jogava água nas pessoas e se escondia. Só eu aparecia. Se batiam na porta para reclamar, ela prometia:
– Vou dar um jeito nesse moleque!
Em seguida, caíamos na gargalhada!
Não posso dizer que fosse um exemplo de pedagogia, mas é ótimo ter recordações tão divertidas da própria mãe!
Nos últimos anos estive algumas vezes na avenida, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo. Fui a camarotes badalados. É quase impossível assistir a alguma coisa. As pessoas estão o tempo inteiro em um ritmo frenético, e algumas nem querem saber de samba. Há camarotes que oferecem música eletrônica em espaços privados. É uma grande boca-livre. Para ver o desfile das escolas, é preciso dependurar-se, com o risco de desabar alguns metros abaixo. As pessoas se estapeiam para conseguir um convite, mas no fundo o marketing tornou-se mais importante que a folia!
Fui a bailes. A diversão parece mais pesada. Certamente existem salões onde impera a alegria pura e simples. Não conheci nenhum. Boa parte é inundada por aquelas moças que se dizem modelos, sem jamais ter se aproximado de uma passarela. Os ambientes são frenéticos. A sensualidade toma conta de tudo. Não sou contra. Só não gosto quando é obrigatória. Dia desses, eu estava acompanhado. Encontrei uma amiga que, animadíssima, nos convidou:
– Estou organizando um baile de pós-Carnaval, para a sexta-feira seguinte. Vocês não podem faltar. É uma loucura! No ano passado, só de casamento teve dezesseis.
– O que acontece com quem já vai acompanhado? – quis saber, áspera, minha parceira.
A outra ficou em silêncio constrangido, sem encontrar resposta conveniente.
Mas um baile só tem essa função? Descolar alguém? Sou um tipo animado. Já fui a ensaio de escola de samba e saí de madrugada torcendo a camiseta. Sem beber uma gota de álcool. Talvez eu seja careta. Não me sinto mais à vontade nos bailes de Momo. Tenho saudade da folia pela folia. O Carnaval tornou-se um espetáculo. As pessoas não parecem se divertir, mas estar em um palco, exibindo o corpo numa felicidade artificial.