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Satélite Quick Bird flagra irregularidades no Litoral Norte

Das favelas e condomínios que avançam sobre áreas de preservação ao esgoto sem tratamento que polui o mar: confira os principais problemas e as possíveis soluções

Por Giuliana Bergamo
18 set 2009, 20h27

Um dos cenários mais belos de toda a costa brasileira, o Litoral Norte de São Paulo reúne o céu e o inferno em suas praias espremidas entre o Oceano Atlântico e as montanhas verdes da Serra do Mar. Quem percorre a Rodovia Rio-Santos assiste atônito à sobreposição de paisagens: costões, curtas faixas de areia, mar cristalino, ilhotas e… favelas. Cada vez mais favelas. Os aglomerados de barracos que invadem a maior faixa contínua de Mata Atlântica do país estão ali por um problema demográfico. Desde 1985, quando a estrada foi asfaltada, a população dos municípios de São Sebastião, Caraguatatuba, Ubatuba e Ilhabela praticamente triplicou. Como 80% do território faz parte de parques estaduais (da Serra do Mar e de Ilhabela) e os outros 20% estão salpicados de áreas de preservação permanente, como mangues, restingas e beiras de rio, o espaço físico disponível para ocupação humana é limitadíssimo. Mesmo assim, o poder público assistiu de braços cruzados à invasão desse paraíso. Com a chegada de turistas atraídos pela facilidade de acesso e de migrantes que viam no boom imobiliário oportunidades de emprego, desapareceram do mapa 730 hectares de bromélias, orquídeas, palmitos, ipês… Uma área equivalente a quase cinco parques do Ibirapuera.

Além do desmatamento, essa expansão frenética vem deflagrando uma série de outros problemas. Sem sistema de tratamento, o esgoto contamina o solo e a água. Como consequência, os rios e as praias ficam poluídos. Por falta de espaço para aterrar o lixo, tudo o que se descarta na região tem de ser transportado para outras cidades. Não raro o transbordo causa acidentes na estrada que corta a floresta. Há ainda o funcionamento desordenado das marinas, que despejam óleo, combustível e outros produtos tóxicos na areia e no mar. Para fiscalizar os quatro municípios, a Polícia Militar Ambiental dispõe de 110 homens. É pouco. Outras 323 pessoas trabalham para evitar invasões e conter a ação de caçadores dentro do Parque Estadual da Serra do Mar, um terço delas na porção que fica no Litoral Norte. São insuficientes também. Para piorar esse cenário, estão previstas ali quatro obras de grande porte. Até 2013, o Porto de São Sebastião deve ser ampliado e a Rodovia dos Tamoios, que liga Caraguatatuba a São José dos Campos, duplicada. A Petrobras pretende construir uma unidade de tratamento de gás e um gasoduto que cortará a serra ao meio. Além dos impactos ambientais inerentes a essas intervenções, elas criarão 4 000 postos de trabalho e atrairão ainda mais gente.

“Qualquer obra é uma ameaça”, afirma o secretário estadual do Meio Ambiente, Francisco Graziano. “Mas vamos exigir contrapartidas para amenizar seus efeitos.”

Durante três semanas, Veja São Paulo percorreu os quatro municípios para ver de perto essas irregularidades. A constatação: nossas praias estão em perigo. Felizmente, há esperanças e muita coisa pode ser feita para que a situação não se agrave mais. “Ainda dá tempo de salvar o que resta, mas é preciso agir rápido”, diz Márcia Hirota, diretora de gestão do conhecimento da ONG SOS Mata Atlântica. A seguir, um raio X dos diversos problemas da região.

Ocupação desordenada

O problema de invasão não se resume à expansão das favelas. “Nos cerca de 700 inquéritos que temos em curso, há ocupações irregulares de barracos, casas de veraneio, condomínios de luxo, hotéis e colônias de férias”, conta o promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente do Litoral Norte, Bruno Márcio de Azevedo. A grande dificuldade é que boa parte dessas irregularidades é concebida com a anuência do poder público. “Frequentemente, as prefeituras ignoram as restrições ambientais, agem como se não precisassem obedecer às normas e permitem obras em áreas proibidas”, afirma Elaine Taborda, promotora que atuou por uma década na região.

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Quase 1 000 edificações já foram construí-das dentro do Parque Estadual da Serra do Mar. Uma delas é a casa do deputado federal e estilista Clodovil Hernandes, morto no mês passado. No canto sul de Ilhabela um muro foi demolido no início de março por funcionários da Fundação Florestal porque invadia a área do parque. Na Praia da Baleia, em São Sebastião, um condomínio está embargado pela Polícia Ambiental por não ter licenciamento para a intervenção prevista em área de preservação de 54 400 metros quadrados.

Para que uma construção seja aprovada, ela precisa passar pelo crivo do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN). “Enfrentamos grandes dificuldades para averiguar os pedidos de licença para novas obras”, diz Danilo Amorin, diretor regional do DEPRN. “Em 60% dos casos, os projetos apresentam um tipo de vegetação diferente da real e boa parte deles prevê empreendimentos em áreas de preservação permanente.” Do outro lado da rodovia, abrigados nas grotas da serra, os barracos proliferam da noite para o dia. Sem o menor pudor, o cearense Ivo Romão de Souza conta como ajudou a criar uma das favelas de São Sebastião, o Areião, em 1987: “Vim para cá porque soube da oferta de empregos. Fui comprando terrenos de famílias de caiçaras e hoje tenho quatro ou cinco”. Numa dessas áreas, que mede 1 050 metros quadrados, estão sua casa e dois pontos comerciais que ele aluga. De forma semelhante foram se adensando as outras favelas da costa. “Essas invasões são nossa principal preocupação, pois ameaçam a segurança da reserva”, conta Adriana Mattoso, gerente de unidades de conservação da Fundação Florestal.

Esgoto X balneabilidade

Itamambuca, ao norte de Ubatuba, tem dois atrativos que raramente coincidem em uma só praia: é procurada tanto para o surfe quanto para o banho. Tal combinação só é possível graças à presença de um rio que deságua no canto sul da faixa de areia. Como o mar é muito bravo, é ali que famílias costumam brincar enquanto os surfistas disputam as ondas no lado oposto. Nos últimos anos, porém, essa harmonia vem sendo ameaçada.

Um levantamento sobre as condições de balneabilidade do litoral na última década, realizado recentemente pela Cetesb e ainda não divulgado, apontou que a qualidade da água do Rio Itamambuca, assim como das 22 das 77 praias da costa norte, piorou. “A origem do problema está nas ocupações irregulares na margem do rio”, afirma José Eduardo Bevilacqua, gerente do setor de Águas Litorâneas da Cetesb. “Sem tratamento de esgoto, elas despejam os dejetos diretamente no curso d’água, elevando severamente a quantidade de bactérias.” Na última temporada, os níveis dessas substâncias atingiram o dobro do limite seguro para banho. Encontram-se em situação semelhante praias como Barra do Saí e Toque-Toque Pequeno, em São Sebastião, e Armação e Praia do Pinto, em Ilhabela.

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“A balneabilidade das praias é o impacto mais evidente da falta de tratamento de esgoto”, explica Roberto Francine, presidente do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). Somados os quatro municípios, a cobertura da rede não chega a 35% das moradias. O pior caso é o de Ilhabela, onde só 5% das casas têm esgoto tratado.

Existe também o que os técnicos chamam de ligações factíveis, ou seja, residências que têm acesso à rede, mas não ligam seus esgotos a ela para não pagar a conta. Ao longo da costa, há 4 664 imóveis nessas condições. Metade deles se concentra em Caraguatatuba. Até 2015, a Sabesp promete elevar a cobertura de tratamento nos quatro municípios para 85%. Para isso, está previsto um investimento de 240 milhões de reais do BNDES, da Caixa Econômica Federal e da própria Sabesp.

Lixo

O descarte de lixo é um problema crônico para os municípios da costa norte paulista. Na alta temporada, seus moradores jogam fora até 633 toneladas de dejetos por dia, sem que haja local próprio para descartá-las. As denúncias de irregularidades nos quatro aterros ocorrem há, pelo menos, duas décadas. Por esse motivo, eles foram, pouco a pouco, desativados. O último a encerrar suas atividades foi o de Ubatuba, que parou de funcionar em janeiro último.

“Além da capacidade limitada, eles não passavam de simples depósitos, sem controle algum da emissão de gases ou tratamento dos resíduos”, diz João Carlos Milanelli, biólogo da Cetesb em Ubatuba. Mas o problema ainda não está resolvido. Atualmente, o lixo coletado nos quatro municípios viaja em caminhões para os aterros de Tremembé e Santa Isabel, no interior do estado. No percurso pela estrada, derrubam chorume (líquido resultante da decomposição dos dejetos) perto de áreas de preservação. Foi o que ocorreu no último dia 24, quando um caminhão foi autuado pela Cetesb e pela Polícia Rodoviária no trecho da Rodovia Rio-Santos que passa pela Praia de Tabatinga.

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“O transbordo é uma medida paliativa até que se construa um aterro”, avalia Milanelli. Uma das propostas mais razoáveis é a do atual prefeito de São Sebastião, Ernane Primazzi. Ele quer construir um sistema de tratamento de lixo que, ao incinerar os resíduos, produziria energia para abastecer casas populares e cinzas que poderiam ser utilizadas para a pavimentação de ruas e estradas.

A ideia é erguer a estrutura em uma área de 30 000 metros quadrados no bairro do Jaraguá, no limite com Caraguatatuba. “Se o projeto seguir a proposta de reverter a incineração em energia, acho que é, sim, uma boa saída”, afirma Roberto Francine, do Consema.

Marinas

Em outubro do ano passado, o Pindá Iate Clube, em Ilhabela, foi notificado pela Cetesb. Num prazo de noventa dias, a instalação teria de se adequar às normas impostas pelo órgão regulador. A ação faz parte do Projeto Marinas, cujo objetivo é regularizar o funcionamento das cerca de 200 instalações marinhas (marinas, estaleiros e garagens náuticas) da costa norte paulista. Isso porque todas elas apresentam algum tipo de problema: dos mais simples, como falta de separador de água e óleo, à ausência de licença para realizar atividades de alto impacto, como pintar um barco (veja o quadro abaixo). O programa conta com uma parceria com o Banco do Brasil para financiar, por meio de cartas de crédito, as adequações impostas. “De forma amigável, estamos conquistando objetivos notáveis”, diz João Carlos Milanelli, da Cetesb. No caso do Pindá, por exemplo, seu responsável alega ter feito todos os reparos, entre eles a instalação de uma caixa que separa a água do óleo. “Jogamos 1 litro de óleo a menos na água por mês”, diz o comodoro Antonio Alexandre Monteiro Lopes. “Mas ainda não fui visitado pelos fiscais da Cetesb para a verificação das mudanças.”

A poluição que vem de barco

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A costa norte paulista tem cerca de 200 instalações marinhas (marinas, estaleiros e garagens náuticas). Segundo a Cetesb, todas apresentam algum grau de irregularidade. O quadro abaixo mostra os problemas mais graves e as maneiras de evitá-los

Manutenção

Ao lavarem ou pintarem os barcos, as marinas descartam óleo, detergente, solvente e tinta tóxica diretamente na areia e no mar. A contaminação do solo e da água altera o sistema reprodutivo dos peixes, algas e crustáceos, provoca má-formações e pode levar algumas espécies à morte.

Solução: usar áreas impermeáveis e com sistemas de controle de poluição que separam a água do óleo. Assim, a água é eliminada no mar e o óleo, refinado para ser reutilizado.

Fabricação de embarcações

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Cerca de uma dezena de estaleiros e garagens náuticas faz grandes reformas ou fabrica embarcações no Litoral Norte sem licença da Cetesb.

Solução: seguir as especificações impostas e licenciar a instalação para a atividade. A pintura de embarcações, por exemplo, deve ser feita dentro de uma cabine com equipamentos específicos, como filtros.

Descarte de lixo

O material usado na manutenção das embarcações contém produtos altamente tóxicos, como solventes, tintas e óleos, mas frequentemente é descartado junto com o lixo comum.

Solução: separar as embalagens contaminadas e encaminhá-las a aterros e incineradores para resíduos industriais.

Falta de infraestrutura sanitária

Os banheiros costumam ter péssimas condições de saneamento. Em geral, os dejetos vão direto para o solo, sem tratamento algum.

Solução: ligar os sanitários à rede de tratamento de esgoto, se houver uma disponível na região. Caso contrário, deve-se implantar um sistema alternativo, como uma fossa séptica.

Abastecimento de combustível

Sem equipamento adequado, ao encherem o tanque dos barcos os funcionários de marinas deixam o combustível vazar na água e na areia. Além da contaminação, o desleixo apresenta risco de incêndio.

Solução: para manter seu próprio tanque, é necessário uma licença da Cetesb e seguir todos os critérios impostos pelo órgão, como dispor de bacias de contenção de vazamentos ou válvulas antitransbordamento.

Fonte: João Carlos Milanelli, biólogo da Cetesb

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