Freira Rosane Ghedin comanda três projetos musicais do governo
Diretora da Congregação das Irmãs de Santa Marcelina, a irmã assumiu o projeto do Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão
De passos apertados e poucas palavras, a irmã Rosane Ghedin, 41 anos, não tem um minuto a perder. Seu dia começa às 4h45, com uma missa logo às 6 horas, e termina por volta da meia-noite, depois de ter jogado vôlei com jovens da Zona Leste. Entre uma coisa e outra, ela gerencia quatro hospitais, noventa unidades de saúde, uma faculdade e um colégio. “Tempo é um luxo que eu não tenho”, afirma. Os modos calmos e o crucifixo pendurado no pescoço contrastam com o que a irmã leva a todo lugar no bolso de seu hábito branco: um iPhone. Presente de colegas, o aparelho tornou-se companheiro inseparável. Com ele, Rosane enfrenta avalanches de mensagens e ligações que invadem seus parcos intervalos. “Entro no carro e já vou respondendo aos e-mails”, diz.
Diretora há cinco anos da Congregação das Irmãs de Santa Marcelina, que desde a década de 60 presta serviços de saúde na Zona Leste da cidade, a irmã viu sua apinhada rotina de trabalho ficar ainda mais corrida. Desde 2008, ela lidera a empreitada de sua ordem religiosa na área da cultura. A convite do então governador José Serra, as freiras assumiram a gestão de três projetos musicais: a Escola Tom Jobim, o Guri Santa Marcelina e o mais importante evento de música erudita do país, o Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão.
Na edição deste ano, o festival terá uma semana extra, congregando 83 atrações, em vez das 46 reunidas no ano passado. Outra novidade é que onze delas se apresentarão na capital. A seleção é a primeira sob a batuta das irmãs. Com orçamento de 33,2 milhões de reais, os projetos culturais ficaram a cargo de Paulo Zuben, diretor executivo. Coordenador do curso de música da Faculdade Santa Marcelina, ele foi sondado para assumir a gerência das ações após participar da equipe que traçou o diagnóstico desses projetos. Experientes nas parcerias públicas em saúde, em que gerem 691 milhões de reais e dezoito contratos, as irmãs decidiram aceitar a proposta e criar um modelo que reunisse formação musical e assistência social. “A música foi incorporada de forma meio improvisada”, diz Rosane. “E, desde então, o Zuben nunca mais saiu da minha cola.”
Foi Zuben quem encabeçou a reformulação do modelo pedagógico da Escola de Música Tom Jobim e do Projeto Guri, rebatizado em São Paulo de Guri Santa Marcelina. O próprio festival de Campos passou a investir no aprendizado dos músicos, ampliando o número de bolsistas de 140 para 171 e convidando virtuoses internacionais para integrar o corpo docente. Iniciantes moradores de áreas carentes também ganharam oportunidades. Com 7 000 alunos, o projeto Guri Santa Marcelina atende jovens da rede pública que desejam aprender a tocar um instrumento. As aulas aproveitam a estrutura dos CEUs. No ano que vem, a previsão é que todos os 35 polos de ensino do projeto, tanto na capital quanto no interior, passem às mãos das irmãs.
Nascida no Paraná, em uma família de fazendeiros que sempre fez trabalhos sociais, Rosane havia tido até hoje um contato escasso com a música. “Na adolescência, eu dançava tango e canções tradicionais gaúchas, mas hoje não sei mais nada”, lembra. Apesar do espírito solidário, seus pais tiveram grande dificuldade em aceitar a escolha da filha pela vida religiosa — para eles, fazer o bem não requeria optar pelo monastério. Aos 15 anos, a determinação da jovem levou-a a passar uma temporada na companhia das irmãs. A decisão, no entanto, não ocorreu sem sofrimento. Para seguir adiante, ela teve de deixar para trás um namorado de quem “gostava demais”. Corroída pela dúvida, chegou a desistir e a retornar à casa dos pais. Três anos depois, fez a opção derradeira. Com o passar do tempo, a relação com os pais e irmãos se apaziguou. Hoje, ela conversa com a mãe todos os dias, mas considera as 34 irmãs com quem divide a casa sua verdadeira família. Afazeres domésticos, como cozinhar e selecionar a canção que despertará as demais, são divididos entre todas. O mesmo vale para as tarefas administrativas.
Rosane assumiu a gestão geral para tentar salvar a congregação de um colapso financeiro. Formada em enfermagem e pós-graduada em administração hospitalar pela Fundação Getulio Vargas, ela foi conclamada a retornar dos EUA para pôr as contas em ordem — à época, cursava um mestrado na área de transplante na Universidade de Seattle. Com o sucesso à frente da administração, o sonho de prosseguir os estudos teve de ser abandonado. Para Rosane, o desejo de enveredar pela investigação científica jamais entrou em confronto com a fé. “A ciência só mostra que Deus já sabia de tudo o que só agora estamos descobrindo”, afirma, tranquila no meio da correria diária de sua vida.