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Releituras de Shakespeare estão presentes no mundo todo

Três produções em cartaz confirmam que montar textos do bardo inglês é um teste de maturidade para qualquer artista

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 5 dez 2016, 19h28 - Publicado em 18 set 2009, 20h29

Crítico literário e estudioso da obra de William Shakespeare (1564-1616), o americano Harold Bloom afirma que a sociedade ocidental seria completamente diferente caso o autor de Romeu e Julieta e Rei Lear jamais tivesse existido. Exagero ou não, o legado do bardo inglês é incansavelmente revisitado. Em São Paulo, uma média de dez montagens explora anualmente seus textos. Às vezes, chega-se a ter duas versões simultâneas de uma mesma obra, como foi o caso de Ricardo III, encenada em 2006, uma sob direção de Jô Soares e outra de Roberto Lage. Atualmente, três de suas mais significativas criações figuram entre os sucessos da temporada: as tragédias Hamlet, dirigida por Aderbal Freire-Filho, e Otelo, assinada por Diogo Vilela e Marcus Alvisi; e a comédia A Megera Domada, montada por Cacá Rosset. Elas asseguram o inesgotável interesse da platéia em torno das tramas do autor.

Figura constante nos palcos europeus desde o século XVII, Shakespeare demorou a ser explorado no Brasil. Na capital paulista, sua obra só foi encenada profissionalmente em 1903, pelo italiano Enrico Cuneo, com Hamlet e Otelo, no então Teatro Popular, localizado na Rua do Gasômetro. “Shakespeare exige uma tradição e uma experiência que os brasileiros ainda não tinham e que custaram a adquirir”, diz a pesquisadora Elizabeth Azevedo, professora de história do teatro da USP. “Não é à toa que suas peças só se tornaram freqüentes por aqui a partir das décadas de 40 e 50, com os grupos de Alfredo Mesquita, Maria Della Costa e o Teatro Brasileiro de Comédia.” A necessidade dessa bagagem para enfrentar tal desafio é sentida até hoje, mesmo por profissionais experientes. Um dos protagonistas e co-diretor de Otelo, o ator Diogo Vilela contabiliza mais de trinta anos de carreira e estuda a obra shakespeariana há duas décadas. Somente em 2001 encarou a missão de protagonizar Hamlet e levou mais sete anos para realizar outro sonho: dar vida a Iago, o invejoso alferes que destrói a vida do mouro Otelo. Apesar de mal recebida pela crítica, a montagem foi vista por 13 000 pessoas em doze semanas no Rio de Janeiro e já superou 2 500 espectadores nas três semanas em que está no Teatro Raul Cortez, na Bela Vista. “Existe uma grande diferença entre compreender sua obra e poder fazê-la”, afirma Vilela. “Seus personagens são tão ambíguos quanto a humanidade e exigem muita técnica.”

Aderbal Freire-Filho, 36 anos de carreira, havia dirigido apenas um Shakespeare – As You Like It, em 1985 – até o atual e bem-acabado Hamlet, no Teatro Faap. Com um elenco encabeçado por Wagner Moura, a montagem adotou um tom contemporâneo já visto por 10 000 pessoas em um mês. Essa identificação se deve bastante à universalidade da história do atormentado príncipe que deseja vingar a morte do pai. “Shakespeare não pesquisou para ambientar a história na Dinamarca. Ele reflete muito mais a Inglaterra de seu tempo, e talvez por isso Hamlet seja tão atual”, conta Freire-Filho, que trabalhou ainda na tradução. “É uma peça mais para ser dita que lida.” A preocupação com as palavras também foi grande para a diretora Regina Galdino. Depois de treze anos de carreira e vinte espetáculos, ela fez a primeira incursão ao universo do bardo com Macbeth, que permaneceu em cena de outubro passado a março deste ano. Batizada de Macbeth, a Peça Escocesa – em referência à superstição vigente no meio teatral de que pronunciar o nome original da tragédia dá azar –, a montagem buscou a contemporaneidade sem esquecer a fidelidade. “Estudo de texto é fundamental, pois, se você encontrar a síntese da idéia do autor, a montagem tem tudo para dar certo”, acredita Regina.

Mesmo depois de conquistar grandes platéias – inclusive internacionais – com versões para Sonhos de uma Noite de Verão (1991) e A Comédia dos Erros (1994), o ator e diretor Cacá Rosset ainda se surpreende com o apelo de Shakespeare. Em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso com A Megera Domada, vista por 17 000 pessoas em menos de dois meses, ele se emociona toda noite com a cena final. Em um monólogo, a temperamental Catarina (vivida pela atriz Christiane Tricerri) tenta convencer um grupo de que se tornou a obediente mulher de Petrucchio (personagem de Cacá). Alguns espectadores aplaudem. Outros se mostram revoltados com a suposta submissão da ex-megera. “Eles gritam, cochicham com o vizinho, riem, se indignam”, diz Rosset. “Esse é o poder de um autor que não apresenta respostas definitivas, e sim perguntas permanentes.”

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