Restaurante Real muda de donos e se prepara para funcionar 24 horas
Famoso pela clientela artística, estabelecimento será administrado pelo grupo que mantém a padaria Bella Paulista
Foi com um cálice de licor de ovos e uma nhá benta que o ator Lima Duarte venceu a disputa de pedido mais excêntrico feito até então na lanchonete e restaurante Real, no bairro do Sumaré. Entre seus concorrentes, três colegas da TV Tupi e amigos inseparáveis: Paulo Ubiratan (1947-1998), que entrou na disputa com um combinado de broa de milho e Coca-Cola, Marco Antonio Mora, que concorreu com sanduíche de mortadela e passarela, espécie de caipirinha de uvas-passas, e Dennis Carvalho, que abandonou a competição em meio ao ataque de riso provocado pelo pedido de Lima Duarte.
Era a década de 60, e o quarteto se aboletava na Real para ensaios, sessões de leitura, desafogo de mágoas e besteirol. E não só eles: o lugar era tradicional ponto de encontro de atores, produtores e diretores de TV, escritores e músicos.
Tal clientela artística se explica pelo entorno. Foi dali que, em 1950, partiu o primeiro sinal de TV da América Latina — mais precisamente, do complexo da Rede Tupi, erguido por Assis Chateaubriand bem ao lado da Real, onde já funcionava a Rádio Difusora. Lima Duarte era operador de som da rádio quando começou a frequentar a Real, cujos primeiros registros datam de 1937, como uma mercearia. “Era o fim de São Paulo a oeste, repleto de tatus e cutias”, lembra.
Com o fim da TV Tupi, em 1980, a estrutura vizinha passou às mãos do SBT (à época, TVS), e desde 1990 é a MTV (do Grupo Abril) que ocupa as instalações. A poucos metros se encontram ainda os estúdios do canal ESPN Brasil e a torre da TV Cultura. “Podemos dizer que a Real sempre apoiou a televisão brasileira”, brinca Duarte.
Um novo capítulo dessa trajetória está previsto para setembro. Depois de quase trinta anos, o estabelecimento sairá das mãos dos atuais proprietários para ser administrado pelo grupo que mantém as superpadarias Bella Paulista, em Cerqueira César, e Vila Bahia, em Higienópolis. “Queremos modernizar, mas com cautela, para não assustar os clientes”, diz Fernando Cunha, um dos novos donos, que pretende deixar o local aberto 24 horas.
Frequentadores se dizem temerosos da transformação. “Já exigiram a permanência do pudim assado no forno a lenha e do filé à parmigiana”, conta o antigo dono Ulisses Simões. O copeiro Izaque da Costa e o chapeiro Raimundo de Souza também estão entre os patrimônios a ser mantidos. Quando Souza foi admitido, em 1982, a Real era uma padaria decadente. Três anos depois, transformou-se em restaurante, lanchonete e pizzaria e nunca mais vendeu pães — embora muita gente ainda se refira a ela como padaria. “De vez em quando entra alguém pedindo pãozinho”, conta Souza.
A nova mudança de comando pode trazer de volta os velhos tempos, com a criação de um balcão de venda de pães de frente para a Avenida Doutor Arnaldo. Ao cardápio devem ser incorporados a opção de chope escuro, um farto bufê de café da manhã, quitutes de forno e os sanduíches que são sucesso nas outras duas lojas. Até chegar a uma oferta satisfatória, foram três anos de negociação.
Apenas as instalações custaram 3 milhões de reais. A transição foi motivada pelo cansaço dos antigos sócios, três deles já por volta dos 70 anos e sem a mesma disposição de manter o ritmo de trabalho. Dos que pretendem continuar no ramo, entre os quais Ulisses Simões, o plano é abrir um restaurante nos moldes do antigo, desta vez, porém, fora da zona de influência das antenas de televisão.