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Mulheres assumem cargos de poder na produção de filmes pornô

No comando de sets de filmagem ou como executivas de sites, mulheres mostram uma visão diferenciada do sexo

Por Ana Carolina Soares
Atualizado em 23 nov 2018, 06h00 - Publicado em 23 nov 2018, 06h00

Nus, um homem e uma mulher trocam carícias no chão de uma sala em um estúdio na região central da cidade. Na trilha sonora, uma playlist com as principais músicas de Marisa Monte. De calça e camisa pretas, mas com voz doce que destoa do figurino sombrio, a diretora May Medeiros se aproxima do casal de atores formado por Gilmara Carvalho e Vinícius dos Santos, conhecidos em filmes adultos como Giovana Bombom e Vinny Burgos. “Quero uma pegada forte, mas cuidado para não machucá-la, nada de rosto franzido de dor”, pede. Bombom leva as mãos do parceiro aos próprios quadris e os dois conversam sobre trabalho — no caso, a respeito dos passos para chegar à cena planejada. “Preciso de movimentos amplos para os closes”, acrescenta May. Burgos acena com a cabeça, como quem entendeu o recado. Depois, faz piada sobre o marido da diretora, Roy (ele dispensa o sobrenome), também cineasta do gênero: “Se estivesse aqui, ele teria dado essa ordem dizendo algo explícito sobre nossas partes íntimas”.

Esse é o clima nos bastidores de Sonhos, filme que estreou no mês passado no canal Sexy Hot e que narra fantasias femininas. A obra foi realizada a partir de uma parceria do canal com a produtora paulistana XPlastic, comandada por May. Nas dezenas de negócios especializados no gênero erótico no país, ela é uma das raras mulheres por trás das câmeras. “Sempre ficam espantados ao saber que sou a idealizadora”, diverte-se a empresária. De fato, até bem pouco tempo atrás, o único papel feminino em um set pornográfico costumava ser em frente às lentes. A pioneira nesse movimento de mudança foi a americana Candida Royalle (1950-2015), ex-atriz de fitas adultas que fundou a Femme Productions em 1984. Uma espécie de “terapeuta alternativa”, ela produzia conteúdos a fim de inspirar casais com problemas na cama. Mas o “pornô feminino” só começou a arrebatar a audiência graças ao trabalho da sueca Erika Lust, cujo curta de estreia data de 2004. Ela lançou uma plataforma com seu nome, um tipo de pay-per-view do gênero.

Mila Spook: a primeira mulher vencedora da categoria melhor direção (Marcelo Justo/Veja SP)

“Homens e mulheres com aparência real, em enredos reais, podem ser extremamente eróticos”, garante Angelica Abe, produtora paulistana radicada em Nova York. “Não precisa haver sempre aquele sexo performático, com atores que parecem a Barbie e o Ken.” Ao lado da carioca Livia Cheibub, ela fundou a Wild Galaxies e lançou há dois meses a fita Landlocked, disponível no site de Erika Lust. “Por que não aproximar o pornô de filmes premiados, como Azul É a Cor Mais Quente?”, questiona Livia.

O casal Dread Hot e Alemão: filmes têm pegada mais feminista (Marcelo Justo/Veja SP)

Segundo estimativa da Quantas Pesquisas e Estudos de Mercado, com dados levantados a pedido do canal Sexy Hot em cinco regiões metropolitanas do Brasil, cerca de 22 milhões de brasileiros assumem consumir pornografia, mesmo que esporadicamente. Desse número, apenas 24% do público é feminino. “Independentemente do sexo, trata-se de um tabu. As pessoas costumam dar uma espiada, em celulares ou tablets”, analisa a sexóloga Laura Müller. “Para a mulher, a dificuldade aumenta porque vivemos séculos de cultura repressora, quando fomos ensinadas a gerar filhos e achar que o prazer cabe ao homem.” Com uma visão mais real e menos violenta do sexo, esses filmes assinados por mulheres muitas vezes surgem até como “dever de casa” em terapias. “Desde 2011 prescrevo a plataforma da Erika para aumentar o repertório dos meus pacientes. Afinal, o desejo começa na imaginação”, diz Graça Tessarioli, uma das fundadoras da Associação Brasileira dos Profissionais de Saúde, Educação e Terapia Sexual (Abrasex), na Pompeia.

Produções com enredo que foca apenas o prazer masculino aos poucos perdem audiência nas plataformas pagas — isso sem considerar a “terra de ninguém” da internet, onde fica a maior parte dos espectadores e predominam cenas para lá de pesadas. “Cerca de 65% dos filmes produzidos pelo Sexy Hot em 2018 apresentam um ponto de vista mais cuidadoso com a mulher”, afirma Cinthia Fajardo, gerente de marketing da Playboy do Brasil, controladora do canal e de outras seis marcas do ramo. A preocupação faz sentido. O público feminino representa 54% dos assinantes, um crescimento de 10% na última década. “A maioria das nossas clientes toma essa iniciativa para ‘apimentar’ o casamento”, acredita Cinthia.

Angelica Abe e Livia Cheibub, do Wild Galaxies: enredos sensíveis (Paula Faraco/Divulgação)

Cansada de recusar-se a fazer cenas que não lhe dão prazer, Camila Severo, a Mila Spook, resolveu fazer o próprio filme no ano passado. Criou (Des)Conectados e, em outubro deste ano, tornou-se a primeira mulher a ganhar o troféu de melhor direção no prêmio Sexy Hot, o “Oscar” do gênero. “A indústria brasileira ainda engatinha nesse meio, não dá para ficar rica, mas vamos crescer”, espera Mila. Ela investiu 4 500 reais na produção e a vendeu ao canal por 5 000 reais (normalmente, pagam-se até 20 000 reais). Na pornografia por aqui, as atrizes ganham 60% a mais do que os astros: em média, 1 000 reais por cena de quarenta minutos. No mesmo caminho segue Vitória Schwarzeluhr, a Dread Hot, intérprete que virou diretora em parceria com o marido, José Castanheira Neto, o Alemão. Juntos, eles lançaram neste mês DreadEntrevista, em que conversam com personalidades do meio e, no fim, todos transam. “Os espectadores percebem que fazemos o que amamos”, explica.

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Nessa onda feminista, o interesse das mulheres no mercado também as tem levado a galgar postos de comando. Há sete anos, a publicitária Mayumi Sato subiu ao cargo de diretora no Sexlog, o maior site de suingue e sexo do país, com mais de 9 milhões de usuários. Ela transformou a comunicação da rede social, antes mais voltada para o público masculino. “Mudei slogans, como ‘Parabéns, campeão’, para expressões mais simples, do naipe de ‘Show!’”, relata Mayumi. Graças a ações como essa, o faturamento cresce cerca de 35% ao ano (antes da executiva, a média era de 22%).

Cinthia Fajardo: a maior audiência feminina no canal Sexy Hot (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Se as moças no comando enfrentam preconceitos? Sim, assim como as intérpretes do gênero. Por exemplo, a família de Mayumi não gosta de mencionar sua atividade nas reuniões do clã. “Mas isso não me abala”, diz a moça. Rolam também as famigeradas cantadas. “Um rapaz me pediu para levar atrizes para nosso encontro, outro esperava visivelmente uma performance ‘cinematográfica’ minha na cama”, diverte-se a produtora Vivian Stychnicki. Para elas, nada pior do que a dúvida sobre a capacidade de realizar um bom trabalho. “Já virei para executivos em reuniões e falei: “A gente normalmente consegue fazer 1 000 coisas ao mesmo tempo: administrar casa, filhos, cuidar de detalhes da carreira…”, lembra a diretora May. “Com tudo isso, é óbvio que um pornô feito por mulheres fica bom.”

Penélope Nova, comanda canal P&Ponto, no YouTube (Divulgação/Divulgação)

Sob a lente das mulheres

À frente de atrações sobre sexo desde o início dos anos 2000, Penélope Nova, apresentadora do canal do YouTube P & Ponto, analisa produções  comandadas por diretoras que têm rendido audiência nos canais adultos neste ano

(Divulgação/Divulgação)

(Des)Conectados

Aqui, os personagens têm o mesmo nome dos atores, mas em uma história fictícia. Mostra um dia na vida do casal Mila Spook e Titto Gómez, que recebe a visita de uma vizinha, Pink Sull. Em cartaz no Sexy Hot. “Dica perfeita para apresentar o pornô feminino ao seu parceiro”, acredita Penélope. Dos quatro, é o que mais se aproxima da narrativa tradicional, com pouco diálogo. Traz uma transa hétero, depois uma cena lésbica e, no fim, todos juntos. “O tempo do sexo é mais real do que nas produções convencionais.”

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(Paula Faraco/Divulgação)

Landlocked

Roteiro inspirado em casos reais, conta a história de um encontro casual em Berlim entre Joana (María Riot) e Thomas (Parker Marx). A protagonista ajuda o parceiro a recuperar a “autoestima sexual” após uma decepção amorosa. Está disponível na plataforma de Erika Lust. “Espécie de Antes do Amanhecer (de 1995, estrelado por Ethan Hawke e Julie Delpy) com muito sexo. Romântico, fotografia linda, atores ótimos e diálogos profundos que citam até a obra de Henry Miller e Anaïs Nin entre uma transa e outra”, diz Penélope.

(Divulgação/Divulgação)

O Encontro

Narra a saga de Vanessa (Mia Cherry, à dir.), que resolve “cair na estrada” para sair da crise dos 30 anos. No caminho, ela se envolve com um casal (Dread Hot, à esq., e Alemão). Os dois mostram à protagonista novas formas de ter prazer. Na programação do Sexy Hot. “Imagine uma versão pornográfica de Malhação”, instiga Penélope. “Toda a linguagem se mostra jovem. Há um viés educativo. Ensina a importância do pompoarismo para a saúde da mulher.”

(Divulgação/Divulgação)

XConfessions

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O curta-metragem A Mulher e o Pescador, da série XConfessions, é da sueca Erika Lust, líder nesse gênero. O episódio narra uma fantasia sexual de uma turista (Jowy) na Costa Brava, na Espanha. Em uma praia deserta, ela se envolve durante uma tarde com um pescador (Eze). “Essa série é uma excelente porta de entrada para a mulher que nunca viu sexo explícito”, aconselha Penélope. “Apesar de as histórias serem bem curtinhas, são devaneios ultrarromânticos, como se fossem um Cinquenta Tons de Cinza mais quente.” Aparece na programação do Sexy Hot.

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