Continua após publicidade

Planos para frear os congestionamentos

Secretário de Transportes e presidente da CET e da SPTrans, Alexandre de Moraes: para diminuir o trânsito ideias começam a ser colocadas em prática

Por Giuliana Bergamo e Maria Paola de Salvo
18 set 2009, 20h28

O paulistano Alexandre de Moraes sempre gostou de uma encrenca. Aos 22 anos, passou em primeiro lugar no concurso do Ministério Público de São Paulo. Durante os onze anos de sua carreira como promotor, peitou políticos como Celso Pitta e Paulo Maluf. Em 1997, denunciou Maluf por superfaturamento da merenda escolar, episódio conhecido como “frangogate”. Da época em que foi presidente da Febem, entre 2004 e 2005, coleciona ameaças de morte de ex-funcionários. Mas nenhuma dessas confusões tirou tanto o sono do já insone Moraes (ele afirma dormir apenas quatro horas por noite) quanto a missão de amenizar o impacto dos congestionamentos na vida dos moradores da cidade.

Como secretário municipal de Transportes, comanda o terceiro maior orçamento da prefeitura – o montante de 2,4 bilhões de reais só é menor que o destinado à saúde e à educação. Titular da pasta e presidente da São Paulo Transporte (SPTrans) desde 2007, ele passou a acumular, em junho do ano passado, também o comando da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). A partir desta segunda (2), quando cerca de 700 000 veículos retornam às ruas com o início das aulas, é hora de Moraes dar um xeque nesse problema, que não para de crescer. “Melhorar o trânsito exige paciência e estratégia de enxadrista”, diz ele, que costuma jogar com amigos.

Professor de direito constitucional na Universidade de São Paulo (USP) e no Mackenzie, o ex-promotor passou mais da metade de seus 40 anos de vida debruçado sobre as leis. É autor de catorze livros jurídicos. O mais famoso, Direito Constitucional, é um calhamaço de 1 000 páginas que vendeu, segundo seus cálculos, 500 000 cópias e virou best-seller entre estudantes de direito. Jura saber de cor 90% dos 250 artigos da Constituição Federal, mas desconhece as teorias matemáticas dos engarrafamentos. Deficiência que, para ele, não é problema. “Um gestor não precisa ser especialista no assunto”, afirma. “Basta se cercar de bons técnicos.” Nascido às 13h20 de uma sexta-feira 13, não acredita que a bomba do trânsito paulistano tenha caído em suas mãos por um desses golpes do azar, ou melhor, destino. O convite para assumir a secretaria surgiu num bate-papo informal com o prefeito Gilberto Kassab, no Esporte Clube Pinheiros, local que os dois costumam frequentar. “Quando ele me ofereceu a pasta dos Transportes, neguei imediatamente”, lembra Moraes. “Mudei de ideia ao saber que era uma área cheia de problemas de gestão e de contratos jurídicos.”

Pepinos e abacaxis de fato não faltam. Em 2008, Moraes comprou brigas com caminhoneiros depois de restringir a circulação de caminhões e implantar o rodízio para os grandalhões. Também enfrentou comerciantes ao proibir o estacionamento e ampliar as vagas de Zona Azul em bairros como o Jardim Paulista e Consolação, para desafogar o trânsito. Agora promete ficar longe de polêmicas – o que nem sempre é um bom sinal quando o assunto é trânsito, já que nessa área as medidas impopulares costumam ser as mais eficientes. Descarta, por exemplo, o pedágio urbano e qualquer alteração no rodízio. “Investiremos na melhoria da operação de tráfego e no transporte público”, diz. Com 900 milhões de reais em caixa, valor 21% maior que o empregado no ano passado, a CET concentra as principais mudanças e novidades de 2009. Ainda em dezembro, a companhia ganhou um novo diretor de operações. Trata-se do ex-comandante-geral da PM Rui César Mello, que ao longo deste mês vai experimentar nas ruas uma ideia nova: os marronzinhos-batedores. Cinquenta das 220 motos da frota terão a função de abrir caminho para guinchos, ambulâncias e veículos do IML e da perícia científica. “Queremos agilizar o atendimento de ocorrências para impedir que o trânsito pare”, explica Moraes. O bloqueio por apenas quinze minutos de uma única faixa numa avenida de tráfego rápido provoca, em média, 3 quilômetros de fila. As demais motocicletas devem fazer rotas de fiscalização, orientação e apoio aos motoristas.

Moraes pediu aos técnicos da CET que mapeassem 25 pontos de congestionamento crônico na cidade. Até o fim do ano, garante resolver os quinze mais críticos, como o cruzamento das avenidas Juscelino Kubitschek com Faria Lima e o gargalo da Avenida 23 de Maio em frente ao prédio do Detran. Fará o mesmo com as vias problemáticas em sinalização. A cada mês, quer solucionar quinze locais carentes de placas, faixas ou qualquer outro tipo de indicação. Também promete equipar os 2 146 agentes com rádio. Abandonado em 2005, o aparelho volta para substituir os atuais celulares, que não são interligados em rede.

A partir desta segunda, o motorista paulistano ganha um canal direto com a CET para reclamar ou pedir informações de pontos de lentidão. Não precisará mais acionar o 156, telefone geral da prefeitura. A central de chamadas 1188 terá capacidade para atender até a 20 000 ligações diárias – hoje elas não passam de 1 500. Outra importante novidade, mas que não deve agradar tanto aos motoristas, refere-se ao talão de multas dos marronzinhos. Ele passa a ter três novos campos para autuar infrações que põem em risco os paulistanos que circulam a pé, como não dar preferência ao pedestre na faixa de pedestres (a CET aplicou no ano passado 4,6 milhões de multas e arrecadou com elas 371 milhões de reais. – a campeã é de desobediência ao rodízio). “Queremos coibir atropelamentos”, diz Moraes.

Continua após a publicidade

Ironicamente, o ex-promotor não anda muito a pé. Seu closet tem poucos sapatos, mas muitas gravatas. São exatamente 250, separadas por cor. Quando não lê até tarde, gosta de terminar a noite no computador, navegando no site do Supremo Tribunal Federal ou atualizando seus livros. “Não raro, vara as madrugadas”, afirma a empresária Viviane – com quem ele é casado há dezessete anos e tem três filhos. “Seus dois irmãos médicos vivem dizendo para ele dormir, mas não adianta.” Para dar conta do trabalho na secretaria, diminuiu o número de aulas de direito que ministra nas universidades. Depois de correr 15 quilômetros quatro vezes por semana, sai de casa às 9 horas com dois carros. Um guiado pelo motorista da prefeitura e outro por um segurança, a quem ele chama de assessor. Não deixa o gabinete antes das 20 horas. No trajeto de 8 quilômetros entre sua casa, no Jardim Europa, e o trabalho, no centro, não enfrenta congestionamento. Aos milhares de motoristas que não têm essa mesma sorte resta torcer para que o mandachuva do trânsito paulistano não desperdice a oportunidade de ouro de fazer a cidade andar.

ENTREVISTA

O que querem saber dele

As perguntas de especialistas em transporte, taxistas, motoboys, caminhoneiros e outros paulistanos que amargam horas nos congestionamentos ao secretário Alexandre de Moraes

Francisco Moreno Neto, engenheiro de tráfego – O senhor vai ampliar a área ou o horário do rodízio?

Continua após a publicidade

Moraes – Não há nenhuma intenção de alterar o rodízio: nem a área que ele abrange nem o número de dias de restrição. Estudos mostram que esses tipos de alteração trariam uma melhora de, no máximo, 3% nas lentidões. É pouco.

Luís Antônio Queiroz, presidente do Sindicato dos Operadores do Sistema Viário (Sindiviários) – Será implantado o pedágio urbano?

Moraes – Sou contra, porque não temos uma boa rede de metrô para oferecer à população. Você vai penalizar as classes menos favorecidas. Se jogar o preço da tarifa lá em cima, só a classe A circulará pelo centro. Vamos, sim, direcionar os investimentos para o transporte público.

Luiz Célio Bottura, engenheiro e consultor de transportes – Além de antiga e pouco rígida, a lei de polos geradores de tráfego (para prédios comerciais com mais de 200 vagas na garagem e residenciais com mais de 500) parece ter sido feita para atender aos interesses das construtoras. Como pretende resolver essa questão?

Moraes – A lei realmente deixa a desejar. No ano retrasado, encaminhamos à Câmara Municipal um projeto substitutivo para melhorá-la, mas ele foi retirado da pauta. Agora pretendemos discutir a questão no Plano Diretor da cidade. Enquanto ele não é aprovado, vamos exigir mais obras (bancadas e executadas pelos empreendedores) para diminuir os estragos que esses novos edifícios possam causar. Ou seja, será mais difícil obter a certidão da CET, que garante o alvará para a construção. Criei um grupo que fiscalizará o cumprimento dessas obras pedidas. A equipe vai observar se elas começam logo no início da construção do estabelecimento. Caso contrário, avisaremos a subprefeitura e a Secretaria Municipal de Habitação. Em geral, o empresário não faz o que a CET pede e depois consegue uma liminar para abrir o local sem as nossas exigências. Vamos inverter essa lógica.

Continua após a publicidade

Horácio Figueira, consultor de engenharia de tráfego e transportes – Por que infrações que causam vítimas, como dirigir falando ao celular ou ultrapassar o farol vermelho, não costumam ser tão bem fiscalizadas como o rodízio ou o uso da Zona Azul?

Moraes – São, sim, autuadas da mesma maneira. A única diferença é que no caso do rodízio, por exemplo, contamos com a eficiência da fiscalização eletrônica por radar. Já as outras têm de ser feitas por marronzinhos e, com isso, perde-se um pouco a eficácia. De qualquer forma, estamos incluindo três novas infrações nas cadernetas de multas. Todas dizem respeito a veículos que avançam na faixa de pedestres. A partir desta segunda (2), os marronzinhos estão autorizados a multar quem as comete.

Julyver Modesto de Araujo, presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito (Abptran) ? Muitas vezes o marronzinho deve escolher entre ajudar na fluidez do tráfego e multar. Qual é a prioridade dos agentes nessas situações?

Moraes – Vamos priorizar a mobilidade, ainda mais nos momentos complicados de rush. Nessas horas, a fluidez é mais importante. É melhor o marronzinho coordenar o trânsito do que ficar parado multando. Para isso, há a ajuda da fiscalização eletrônica.

Jaime Waisman, engenheiro de transporte e professor da USP – Que medidas a secretaria pretende tomar para acelerar a remoção de caminhões tombados e evitar os congestionamentos?

Continua após a publicidade

Moraes – Hoje, quem remove os veículos são as empresas de guindaste contratadas pelas subprefeituras. Para agilizar esse processo (que demora em média meia hora), começamos a cadastrá-las. A ideia é chamá-las diretamente, sem precisar acionar as subprefeituras. Além disso, vamos comprar três retroescavadeiras para retirar rapidamente a carga espalhada nas vias. Também estamos estudando restringir um pouco mais a circulação de alguns tipos de caminhão nas duas marginais. Vamos retirar dos horários de pico os veículos que mais causaram problemas no ano passado, como os que transportam gás e outras substâncias perigosas.

Philipe Figueiredo, vendedor de carros que passa quatro horas por dia preso no trânsito – Quando a CET terá mais guinchos para atender rapidamente os carros que quebram nas ruas?

Moraes – Até meados do ano passado, fazíamos 700 remoções por mês e tínhamos dez veículos próprios. Agora, contratamos mais 48 guinchos e realizamos mensalmente 3?500 remoções.

Tatiane dos Reis Silva, analista de logística. Moradora da Zona Leste, ela atravessa a cidade para trabalhar na Zona Sul – Há planos de aumentar o número de faixas reversíveis na Radial Leste?

Moraes – Na Radial, a prioridade será para o ônibus, que não pode mais ficar parado no trânsito. Estamos estudando a criação de uma faixa reversível para os coletivos nessa avenida.

Continua após a publicidade

Natalício Bezerra da Silva, presidente do Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo – Há algum plano para incentivar o paulistano a optar pelo táxi como alternativa ao carro?

Moraes – No ano passado, tirei a tarifa adicional do táxi que vai até Guarulhos, cobrada em viagens para fora de São Paulo. Isso barateou as corridas ao Aeroporto de Cumbica. Outra ideia é oferecer descontos para determinados trajetos, incentivando a pessoa a deixar o carro em casa. Para corridas longas, o motorista deveria negociar com o passageiro, o que aumentaria a concorrência e tornaria o serviço mais atraente economicamente. Hoje isso não acontece.

Gabriel Feriancic, especialista em transportes – Quais são seus planos para o transporte público?

Moraes – Pela primeira vez na história, congelamos o subsídio dos transportes. Esse valor chegou a quase 1 bilhão de reais. O objetivo é não atingir nunca mais os 600 milhões de reais por ano, como vinha acontecendo. Durante a gestão, vamos investir 1 bilhão de reais no metrô. Para o Rodoanel, separamos 250 milhões de reais. Também reservamos 2,5 bilhões de reais para os corredores de ônibus. Para estes quatro anos, a meta é entregar 70 quilômetros de novos corredores. Isso vai incentivar a migração da classe média para o transporte público.

Jaime Waisman, engenheiro de transporte e professor da USP – O que farão para coibir a invasão de automóveis nos corredores e o mau uso que os táxis fazem dessas faixas?

Moraes – Vamos começar a multar o taxista que estiver no corredor e sair dele. O motorista não vai mais poder ficar costurando, como faz hoje, quando encontra uma fila de ônibus pela frente. Isso provoca congestionamento. Estamos preparando o novo cartão de multas com essa infração, que começará a ser fiscalizada a partir de meados de fevereiro. Agora, costurou, será multado.

Aldemir Martins de Freitas, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Motociclistas da Cidade de São Paulo (Sindimoto) – A criação das chamadas faixas cidadãs para motos não teve resultado algum. Por que não se investe em educação para o trânsito?

Moraes – Nós investimos em educação, principalmente para motofretistas. No ano passado, quase 15?000 deles fizeram o curso de segurança no trânsito. O número é pequeno em relação ao total estimado de 120?000 motoboys, mas já se trata de um avanço. Também criamos uma comissão permanente para quem trabalha de moto. Agora, eles terão de colocar placa vermelha no veículo. Isso vai ajudar o marronzinho a saber quem é motociclista e quem está trabalhando de moto. Ou seja, será possível fiscalizar de forma diferenciada.

Domingos Guilherme Napoli, coordenador de comunicação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de São Paulo (Samu) ? De que forma a CET pode ajudar o Samu e outros serviços de resgate a atender mais rapidamente os acidentes?

Moraes – Acidentes com vítima causam muita lentidão. Quando a pessoa morre, demora para a pista ser liberada. Tem de esperar a perícia chegar, e às vezes isso para todo o trânsito. O impacto de um acidente com morte é o mesmo de um veículo quebrado. Quinze minutos de faixa obstruída provocam 3 quilômetros de congestionamento. Minha meta é acelerar todo o atendimento a essas ocorrências. Vamos colocar as motos da CET como batedores, abrindo caminho para os carros do IML, guinchos e veículos da perícia e da Polícia Científica.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe semanalmente Veja SP* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de São Paulo

a partir de R$ 39,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.