Carlos Maranhão: “O que acontece na sua rua é o que mais importa”
O mais longevo diretor da Veja São Paulo recorda capas polêmicas, as promessas incumpridas no Centro e a vantagem de guardar a revista
Por 23 anos, de 1991 a 2014, o jornalista curitibano Carlos Maranhão comandou a redação de Veja São Paulo. O mais longevo editor em 35 anos de revista recriou o Terraço Paulistano e as Boas Compras, convidou cronistas e criou a edição anual do Comer & Beber. Transformou o antigo suplemento, antes encartado na revista Veja, no segundo maior faturamento e circulação da editora abril.
Maranhão se autointitula “paulistano naturalizado” (“uns apenas nascem aqui,eu optei por ser paulistano, onde casei e tive meus dois filhos, foi minha escolha!”) e mora desde 1995 no Centro de São Paulo, na avenida São Luís.
Antes da Vejinha, entre 1970 e 1991, trabalhou nas revistas Placar, PlayBoy e Veja (foram 43 anos na editora abril). Foi a Placar que o trouxe a São Paulo, em 1972. Fascinado por esportes, cobriu dez Copas do Mundo e cinco olimpíadas, quando conseguia se ausentar algumas semanas da redação da Vejinha. Despista sobre a sua idade. “Pode dizer que comecei no jornalismo quando o trabalho infantil era tolerado”, brinca. “Mantive esse penteado moderno, mais contemporâneo, que me dá um ar jovial.”
Como o senhor chegou à Veja São Paulo?
Soube que foi uma indicação da (jornalista) Dorrit Harazim para o então diretor da Veja, Mario Sergio Conti. A missão era melhorar a revista, investir em reportagem. Acho que fui muito bem-sucedido em criar boas equipes de repórteres que amavam a cidade, curiosas, atrás do furo. É sempre um perigo citar nomes e cometer algumas injustiças, mas começaram ali bem jovens Mônica Bergamo, Marcelo Duarte, Sérgio Dávila. Convenci o Walcyr Carrasco a virar cronista. Depois que pegou o jeito, tornou-se o cronista mais lido da revista. Marcos Rey também era um grande sucesso.
E quanto às reportagens?
Logo no início, a Mônica Bergamo conseguiu convencer o Jorginho Bouchabki, suspeito de matar seus pais na mansão da Rua Cuba, a dar a sua primeira entrevista. Mônica se mudou para Ribeirão Preto, onde ele estava estudando. Foi uma longa aproximação. Fomos até falar com a avó dele, que defendia a inocência do neto. Nunca houve provas e o crime prescreveu.
Muita gente reclama de que a cidade de São Paulo não é bem coberta pela chamada grande imprensa, e que os temas de Brasília, da economia à política, dominam todo o noticiário. Falta cobertura local?
Isso pode acontecer, mas é um erro enorme. O leitor sempre se interessa muito mais pelo que acontece no seu prédio, na sua rua, na sua esquina, no seu bairro. O que acontece em Brasília ou na Venezuela é muitas vezes bem longe da rotina do leitor. Vocês têm uma vantagem: ao contrário de outras publicações, muita gente guarda a Vejinha. Porque deixou para visitar aquele restaurante em outra semana e tem medo de esquecer, deixa na casa, no carro. Tem fila no restaurante quando ele aparece na revista.
Algum grande nome se negava a falar com a Vejinha?
A Marta Suplicy era a prefeita da cidade, estava com casamento marcado com o franco-argentino Luis Favre, e não queria que cobríssemos o evento. Dizia que a VEJA era contra o PT. Mas não havia como deixar passar o casamento da prefeita, é claro. Coloquei três repórteres para tentar descobrir tudo. Até as madrinhas do casamento estavam proibidas de conversar com a reportagem! Mas descobrimos a dieta, o vestido, que foi feito na Argentina, quem eram os convidados e tudo o mais. Depois que a reportagem saiu, Marta e Favre fizeram chegar a nós que tinham gostado do resultado e se arrependiam de não ter colaborado.
Alguma figura difícil de quem o senhor conseguiu vencer a resistência e acabou entrevistando?
Com certeza, a dona Sylvia, mulher de Paulo Maluf, quando era primeira-dama da cidade. Ela nunca tinha dado uma entrevista e nunca deu outra depois. Maluf era contra, amigas eram contra, mas tive de insistir até convencer. É uma delícia cada vez mais rara entrevistar alguém que não tenha sido treinado por um assessor, que seja espontâneo, que fale o que pensa. Hoje as falas são muito ensaiadas. Quando comecei, na revista PLACAR, nenhum jogador tinha assessor. Nenhum. Chegava para entrevistar o Ademir da Guia, combinava direto com ele e ficava meia hora no vestiário. Hoje, até o reserva do Palmeiras tem assessor, agenda difícil, media training…
O senhor mora no Centro e publicou diversas capas sobre a“revitalização” da região. Por que ainda se avançou tão pouco e há tantas áreas tão deterioradas?
Já foi pior, melhorou muito, dá para caminhar pela Avenida São Luís, pelo Copan… Mas a Cracolândia continua. Conheci todos os prefeitos, desde a Erundina, e todos prometeram melhorar o Centro, mas não o fizeram. Muito paulistano ainda nunca visitou o Centro. E não se melhora nenhuma cidade sem se resgatar a sua área central, porque há coisas que não dá para transplantar. O Teatro Municipal fica aqui, o Copan, o Itália… Esses dois melhoraram muito, e os restaurantes novos atraem muita gente. Mas é a iniciativa privada que se saiu bem. A prefeitura ainda fez pouco. Nenhuma cidade deu a volta por cima sem olhar o seu centro. Nova York arrumou Times Square, Paris deu um jeito no mercado Les Halles. Aqui ainda não.
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Há muitas previsões catastrofistas sobre o futuro das grandes cidades. Que muita gente se deu conta de que pode viver longe e que a vitalidade econômica não voltará. Como o senhor espera a retomada?
Muito cuidado com as previsões. Quantos previram que morreria tanta gente e que a epidemia demoraria tanto para ser controlada? Aliás, quantos previram que haveria uma pandemia que paralisaria o mundo neste século? Eu acho que vai passar, vai passar, como canta o Chico Buarque. E voltaremos aos restaurantes, aos cinemas, aos teatros, a esse roteiro que lemos e guardamos da Vejinha.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706.