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“O sociável e o ermitão podem se redescobrir”, afirma psicóloga

Segundo especialista, mudanças abruptas causadas pela pandemia são um incentivo à reflexão tanto para perfis sociáveis como para os introspectivos

Por Verônica Cezar-Ferreira
Atualizado em 14 ago 2020, 18h53 - Publicado em 14 ago 2020, 06h00

É incrível o que uma situação inusitada faz com a vida das pessoas. Vivemos um tempo delicado, que ainda não tem termo. Mudanças abruptas afetam a personalidade das pessoas e, se aproveitadas, podem ajudar a refletir. Transformados, sairemos todos, não há como ser diferente. Mas e quando pensamos em alguns perfis em particular? Talvez você se veja em um deles.

Você se considera um ermitão (ou uma ermitã), aquela pessoa que adora ficar em sua caverna? O lobo solitário que evita companhia e não gosta de visitar nem de receber? Ou será mais do tipo que é superamistoso, tem facilidade em fazer amigos e, embora possa até morar sozinho/a, gosta de sair, de ir a uma balada ou estar em uma conversa de bar? Em qual você se encaixa melhor? Se é que se encaixa em algum desses perfis.

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Em tempos de pandemia, é difícil conviver e é difícil não conviver. A questão é a privação da vontade. Após a infância e a adolescência, provavelmente, você nunca mais precisou obedecer a alguém ou a uma entidade, senão por razões legais, como a um chefe ou à legislação em vigor. E, ainda assim, vamos lembrar que você foi aculturado para aceitar que essas são as regras de sua vida. Neste momento, porém, sobreveio uma regra nova que pegou todo mundo de um dia para o outro.

Quando eu era uma jovem estudante, era bem capaz que minha professora de português, ao me ver escrever isso, dissesse: “Menina, não se diz ‘todo mundo’. isso é galicismo, é o que acontece quando nossa língua empresta uma expressão do francês. Aqui, não dizemos ‘todo mundo’, mas ‘toda gente’. Acontece que, sem nenhum galicismo, todo mundo está, compulsoriamente, em recesso… Em casa. Todo o mundo.

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A notícia veio como uma grande surpresa, atordoou um pouco, mas, afinal, era por um breve tempo. Eu, por exemplo, refugiei-me no campo, em meu cantinho ideal de repouso, por uma semana, dez dias, quem sabe! tão crente disso que nada mais carreguei além do computador e do celular. Nem uma roupa um pouquinho mais formal, nem sequer uma peça de inverno. Quando imaginaria que teria reuniões de trabalho on-line ou seria convidada a participar de lives?

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Cada um de nós descobriu novas demandas, teve que enfrentar novos desafios e começou a não achar graça nenhuma no que estava acontecendo. A restrição na liberdade de ir e vir, a impossibilidade de estar em seu local de trabalho, a adaptação ao home office, a perda do contato direto com parentes, amigos e colegas. Definitivamente, uma situação de “quem está fora não entra; quem está dentro não sai”. Mas e os eremitas, O sociável e o ermitão podem se redescobrir eles e elas? E os mais sociáveis, os social butterflies?

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Os primeiros, em sua eleita solidão, na companhia dos livros, da TV, do computador ou de uma boa música, começaram a sentir-se solitários. A impossibilidade de tomar um café na padaria, de ir à banca comprar um jornal e de cumprimentar uma ou outra pessoa. Mesmo o cumprimento ao porteiro do prédio, com quem cruzavam diariamente, virou algo importante. Essas ações nunca tinham parecido a eles como convívio social e, provavelmente, nunca imaginaram que lhes fariam falta. Começaram a falar sobre isso, a comunicar sua solidão e a dizer quão sozinhos se sentiam.

Quanto aos outros e outras, os social butterflies? E aí? Essa é uma expressão em voga na atualidade. refere-se àquelas pessoas bastante relacionadas, cheias de amigos, de que falamos. Falar em social butterflies faz lembrar, também, os descomprometidos, os solteiros. Muitos moram sozinhos, cumprem seus compromissos, mas consideram a noite uma criança.

À medida que o tempo vai passando, o indivíduo muito ativo socialmente sente que não é o mesmo, mas a travessia não é serena. Ele pode tentar, por exemplo, ser o meninão de meia-idade até que, ou pelo autoconhecimento ou pelo cansaço, vai mudando o rumo e o ritmo. Frequentemente, essa insistência tem a ver com a dificuldade de aceitar que as coisas mudaram e ele também. Na fase mais tranquila, o bar passa a ser ponto de convergência. Lá, sempre tem um amigo a esperar. É onde a conversa rola solta e, não raras vezes, se fecham negócios.

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Os casados e as casadas também conseguem manter esse tipo de convivência. É comum ver grupos de amigas jantando, com o assunto ligado aos interesses.

Engraçado como somos movidos pelo tempo. Nas mesas de mulheres entre 30 e 40 e poucos anos, é frequente o assunto girar em torno de filhos, trocas de experiências, mas também muita risada e bobagem adolescente, o que só faz bem, reabastece e rejuvenesce. Nas mesas dos rapazes, a descontração costuma ser a mesma. E agora que tudo isso está temporariamente suspenso? Bate uma tristeza, uma nostalgia, uma saudade de tanta coisa boa. Quanta dor!

Este é o momento pelo qual o mundo passa. Para os lobos solitários, os insaciáveis sociais e toda a gama de pessoas que permeia esses dois polos, só há um recurso: abrigar-se no recôndito de seu lar.

Felizes os que podem fazer isso, ou porque têm o abrigo ou porque não precisam ir às ruas para cuidar de nossa sobrevivência. A esses últimos somos eternos devedores.

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O ermitão pode usar sua solidão para perceber que não é um solitário, que isso não lhe basta. Ele precisa dos outros e é a existência dos outros que lhe permite poder estar só. Talvez, na privação da ida à padaria e à banca de jornal e do cumprimento do porteiro, ele possa entrar um pouco nas redes sociais, em um grupo de amigos de verdade, não apenas virtuais, perguntar como estão e contar como se sente.

O social butterfly talvez possa aproveitar esse afastamento social forçado, esse exílio das ruas, para aprender a entrar em contato consigo mesmo e descobrir facetas nunca antes imaginadas. É um tempo difícil? É, é um tempo difícil. Mas que bom quando se pode aproveitar da melhor maneira possível o que se tem para refletir, para repensar. O lobo solitário poder imaginar- se vivendo em relação. E o que vive em companhia dos outros boa parte do tempo poder descobrir-se como boa companhia de si mesmo sem necessidade de se ver cercado por tantas vozes e ruídos. E, ambos, poderem redescobrir a beleza e a importância da família, do estar com os outros e de estar sozinho, cada coisa a seu tempo e em seu lugar.

Horas de grande dor e de grande privação costumam ser bons alertas para tudo de que se precisa, e bússolas em direção à busca de ajuda.

Vale lembrar que nem sempre os solitários vivem em solidão, abandonados pelos demais. Da mesma forma que há muita gente no meio da multidão sentindo-se sozinha.

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Quem sabe, passados os efeitos deste vendaval devastador, no trabalho de rescaldo, cada qual possa se descobrir transformado, reciclado e renovado.

Afinal, embora já seja chavão, não há grande possibilidade de que, uma vez retirada a máscara, algum de nós seja o mesmo quando o vendaval passar.

Dizem os especialistas que a tempestade está passando. A abertura vai se dando gradativamente. Pessoas saindo para trabalhar, estabelecimentos abrindo. Tudo com muita cautela. Neste momento, no entanto, qualquer que seja nosso perfil de personalidade é fundamental atender às recomendações dos especialistas e dar nossa própria contribuição para que o vendaval passe de vez: guardar rigor com a higiene das mãos, usar máscara e manter o distanciamento social.

Bom regresso a todos nós!

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(Arquivo Pessoal/Reprodução)

Verônica Cezar-Ferreira é advogada e psicóloga. Psicoterapeuta, perita e consultora psicojurídica.

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