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O mistério das HQs

O roubo de 7 000 exemplares da coleção mais valiosa de gibis do país intriga a polícia e gera clima de desconfiança entre colecionadores

Por Nataly Costa
Atualizado em 5 dez 2016, 15h29 - Publicado em 1 nov 2013, 17h15

Nas últimas duas semanas, o aposentado Antônio José da Silva, de 63 anos, tem ido quase todos os dias de sua casa, na Vila Alexandria, nas redondezas do Aeroporto de Congonhas, até o 27º Distrito Policial, que cuida dessa área na Zona Sul. Já levou para lá um pen drive com imagens copiadas das câmeras de segurança de prédios próximos à sua residência, de onde um bando de assaltantes roubou no mês passado parte substancial de seu precioso acervo de quadrihos antigos. Além do prejuízo material (o conjunto de títulos surrupiados estaria avaliado em cerca de 300 000 reais no mercado), a coleção tem um enorme valor sentimental para o seu dono, que dedicou praticamente a vida inteira a essa paixão. Por isso, com medo de o caso cair no esquecimento em uma das gavetas da delegacia, ele continua batendo às portas da delegacia para ajudar no esclarecimento do mistério. “Sei que será difícil recuperar tudo, mas não posso desistir”, explica. Em uma das visitas recentes, ele levou aos investigadores um velho recorte de jornal com o nome e a foto daquele que seria o principal suspeito da ação criminosa. O material acabou imediatamente anexado ao inquérito em curso. Assustado com a ação dos bandidos, Antônio José aceitou posar para a foto de VEJA SÃO PAULO com a condição de usar uma máscara do Homem-Aranha para cobrir o rosto.

Tom Zé, como é mais conhecido, vem a ser o maior colecionador de HQs do país, segundo vários importantes especialistas nesse assunto. No último dia 16, quatro homens invadiram a casa onde mantém seu rico acervo e levaram de lá nada menos do que 7 000 exemplares, quase todos das décadas de 30 e 40. Entre os tesouros, estavam as séries completas (e mais algumas duplicatas) de O Lobinho, Correio Universal, O Globo Juvenil e 630 exemplares de A Gazetinha. O colecionador é bastante conhecido no meio por manter as portas abertas a pesquisadores. O jornalista e escritor Gonçalo Junior contou com a ajuda dele para elaborar um dos livros mais importantes sobre a história dos quadrinhos no Brasil, A Guerra dos Gibis, lançado em 2004. “Fiquei bem triste quando soube do assalto”, conta Gonçalo, que acredita que o valor das revistas roubadas possa chegar a até 2 milhões de reais. “Algumas coisas você não encontra mais em lugar algum.”

Em meio a toda essa charada, Tom Zé tem uma certeza: quem invadiu sua casa tem conhecimento do negócio e trabalha no ramo. “Esse ladrão não vai revender agora, porque quem comprar saberá que o material é meu”, acredita. “Certamente, vai esperar um bom tempo para que as pessoas do mercado esqueçam o roubo.” O universo das pessoas atraídas pelo acervo a ponto de roubá-lo é pequeno. Há no Brasil menos de 300 grandes colecionadores, a maioria com interesse segmentado: alguns têm tudo de um personagem, como o Super-Homem, outros só querem saber de uma editora específica e há os fanáticos pelo número 1 de cada história. 

O caso está na mesa do delegado-assistente Emílio Pernambuco, que, assim como sua equipe, nunca lidou com um roubo tão peculiar. Em um distrito que somente neste ano atendeu a 3 904 casos de roubo e furto – sem contar os mais de 1 000 veículos desaparecidos na região -, é a primeira vez que um investigador sai às ruas em busca de um ladrão de revistinha. “Nunca tínhamos ouvido falar de quadrilha especializada em gibi”, afirma o delegado. Pernambuco ainda não tem suspeitos, mas não descarta que o homem apresentado por Tom Zé como o provável autor do crime possa estar envolvido. A pessoa em questão já cumpriu pena de três anos em regime aberto por roubo de livros raros no Rio de Janeiro. O suspeito foi preso em São Paulo tentando repassar as obras a um receptador. 

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O assalto recente na cidade instaurou um clima de pânico e desconfiança no pequeno universo dos colecionadores. “Se você me perguntar hoje quantas revistas eu tenho, vou dizer que é um acervo modesto. Todo mundo vai falar isso de hoje em diante”, afirma Octávio da Costa, dono da Gibiteria, em Pinheiros. Outro personagem importante nesse circuito, Kendi Sakamoto, responsável pelo site Gibi Raro, gostava de dar entrevistas falando da chácara onde guarda cerca de 80 000 revistinhas. Agora, parou de mencionar números e esconde o endereço. “Na verdade, conservo o material em dois lugares. Não posso mais dizer onde fica”, desconversa. Abatido, Tom Zé cogita mudar de ramo. “Aquele ânimo que eu tinha não existe mais”, desabafa. “Nem que me ofereçam a coleção para eu comprar de novo. Não quero mais.” Só o esclarecimento do mistério das HQa pode levá-lo a recuperar o entusiasmo por sua paixão. 

 

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