Neste sábado, 7 de janeiro, comemora- se o Dia do Leitor. Nós, autores, somos objeto de uma relação com o público que transita da admiração para a indiferença, da procura de proximidade para o distanciamento, do entusiasmo para a rejeição. Infelizmente não dá para discutir a relação.
Fãs de crônicas se sentem em geral mais à vontade com seus autores do que se sentem com romancistas e poetas, e por uma razão simples. Vivem as mesmas circunstâncias dos personagens, narradores e autores dos textos, a mesma época dos assuntos tratados, as mesmas frustrações com as esperanças e os governos, as mesmas mudanças no dia a dia, tiveram semelhantes impressões, viveram muitas vezes os mesmos fatos, quando havia fatos, e podem até ter conhecido um ou outro personagem, ou pensam tê-lo distinguido sob os disfarces com que o escritor o encobriu. Têm sua própria visão e opinião, que nem sempre coincide com a do cronista.
Muitas vezes os autores não falam o que eles querem ouvir, ou não chegam ao ponto que eles esperam, e os frustram. O leitor desse gênero literário não quer apenas ler, ele quer ler o que gostaria de ter escrito. O cronista, por sua vez, busca cumplicidade, cutuca o leitor com o cotovelo: “É isso que nós achamos, não é?”. Às vezes não é.
A obra é frágil por isso: ela quer ir de braço dado com o leitor. Quer um cúmplice. Ela não se impõe formidavelmente como um romance ou um poema. O leitor não ousa questionar o mundo de um romance ou de um poema porque aquele não é o mundo de todo mundo; o do cronista é. Ele torna menos efêmero o cotidiano. Não é servil a ele, antes se serve dele. Seu registro não é o do documento, é literário. Tem a liberdade de transitar pelo ambiente da poesia, da memória ou da ficção, buscando a forma formosa, nos melhores casos. O escritor de ficções domina o tempo; o cronista o aprisiona.
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Nas cartas aos jornais e revistas em que o autor escreve, leitores tentam consertar desencontros, corrigir falhas, achegar seu ponto de vista: “Olha, o senhor está confundindo o poupador com o pão-duro”; “Caro cronista, o motoqueiro estava chorando no elevador porque o senhor não lhe deu a gorjeta”; “Absurdo o senhor dizer que as pessoas que atendem nos hospitais durante o plantão de Natal terão ódio dos pacientes ou que o anestesista vai chegar vestido de Papai Noel”… No afã de participarem, muitas pessoas, talvez não habituadas a textos de ficção, não percebem que quando um personagem age ou fala não é o autor agindo ou falando…
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Outras escrevem procurando enriquecer o banco de ideias do cronista. Uma confiando-lhe uma boa história sobre seu amor da juventude; outra relatando um assalto em que fez xixi no banco do carro e o ladrão se sentou em cima; outra protestando contra a invasão de palavras inglesas no nosso cotidiano. Na hora do aperto, algumas dicas quebram bem o galho.
Quando o assunto é polêmico, o número dos que escrevem é maior, para apoiar ou contestar. Há quem comente crônicas publicadas faz mais de ano, encontradas talvez em salas de espera de consultórios e escritórios, ou em sebos, sinal de que a conversa com os leitores não termina na semana da publicação. As mulheres escrevem mais do que os homens. Não me perguntem por quê.
Com o leitor não se discute. Quando há divergência, não chega a haver discussão, ele vai embora. Ao contrário, se a fala da crônica coincide com o que o grande público quer ouvir, chovem cartas simpáticas.
Aplauso não é o que o cronista busca. Ele quer é saber se tocou no ponto sensível das pessoas. Já disse em alguma parte que o segredo desse tipo de texto é uma entrega pessoal de intimidades ao leitor. Como se fosse uma confidência, como se só com ele o narrador tivesse aquela intimidade. O cronista imagina um leitor a quem atribui a mesma sensibilidade que a dele. São magicamente pessoas afins.
Atenção, porém. O cronista é um fingidor. Convém lembrar Fernando Pessoa: finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.