Quando eu tinha doze anos, uma vizinha me emprestou o livro “Reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato. Fazia parte de uma coleção encadernada em verde, que enfeitava as paredes da sala. Confesso, embora muita gente vá pensar que sou um dinossauro após o que vou dizer: na minha infância não existia computador pessoal. Nem celular. E, por incrível que pareça, na cidade do interior paulista onde morava não havia televisão! Só chegou depois que saí de lá! Não sou tão velho. No espaço da minha vida o mundo mudou radicalmente. Eu mesmo, hoje, tenho dificuldade em imaginar como era possível se virar antes da internet!
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Devorei o livro. Ele me abriu as portas de um mundo novo e fascinante. Em seguida, li todos os volumes da coleção. Até hoje sou fã absoluto de “A Reforma da Natureza”. Penso como a Emília: muita coisa poderia ser consertada! A centopeia, por exemplo! Para que tantas patas? Eu tenho só duas e me dou bem. Qual o objetivo de ter 100 pares? Se essa espécie usasse sapatos, já pensou o tamanho da despesa? Eu gostava tanto da Emília que adquiri parte de sua personalidade. Passei a questionar o que ouvia. Minha mãe quis descobrir o motivo da mudança. Leu Lobato. A partir daí reclamava:
— Ele era um menino tão bonzinho! Depois da Emília, tem resposta para tudo! Outros livros vieram.
Meus pais não eram letrados. Alguns professores me indicavam títulos. Outros, acabava pegando na biblioteca pública, por curiosidade. Sem saber do que se tratava. Viajei pelos grandes clássicos, e um me levou a outro. Inesquecível foi “Os Miseráveis”, de Victor Hugo. Já assisti ao musical e a vários filmes inspirados na obra. Nenhum se iguala ao texto, lindíssimo. Até agora me emociono com a cena em que, diante dos policiais, o abade presenteia um castiçal de prata a Jean Valjean, que roubara o outro.
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Jean Valjean, egresso da prisão, ia ser preso. Voltara a assaltar. Diante da palavra do abade, que afirma tê-lo presenteado, é solto novamente. E nesse instante descobre que pode ser um homem melhor. Até hoje eu digo a quem me conhece:
— Um gesto de generosidade transforma uma pessoa.
Soterrado sob os livros, decidi ser escritor. Meu pai suspirava.
— Mas como você vai sobreviver?
— Escrevendo!
Meu pai tinha muito medo. Mas corri atrás do meu sonho. E acho que valeu a pena!
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Nunca me esqueci de uma afirmação de Lobato: para escrever bem é preciso ler muito. Disparei pela literatura nacional e internacional. Devorei inúmeros romances que hoje seriam considerados inadequados para minha idade. Quando ouço dizer que criança não pode ler isso, não pode assistir àquilo, lastimo a molecada de hoje. Meu horizonte ampliou-se por meio dos livros. Nenhum foi inadequado. Apenas o meu entendimento na época era um.
Mais tarde, reli vários títulos e minha compreensão foi outra. Todos contribuíram para minha formação. Recentemente, fiquei chocado ao ver um livro com um conto de Ignácio de Loyola Brandão, comprado pela Secretaria Estadual de Educação, ser vetado para escolares. Inclusive judicialmente. Eu li toda a obra de Jorge Amado quando era adolescente. Hummm… Não nego que, para um rapazinho em fase de crescimento, era o máximo. Mas me fazer mal? Nenhum título me fez! Mal faz a proibição.
Em certo Natal minha mãe me deu uma coleção lindamente encadernada. Os livros estavam repletos de fadas… nuas! Eu adorei. Ela passou o ano inteiro reclamando. E daí? Leio sem parar até hoje. Sempre me perguntam como me tornei escritor. Respondo:
— Quando menino, me apaixonei por Monteiro Lobato e resolvi seguir o mesmo caminho.
E sempre agradeço interiormente à amiga que me emprestou aquele primeiro livro. Um livro pode mudar uma vida. Eu mesmo sou a prova disso.
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