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“Ninguém se voluntariou a pagar e a me deixar em casa”

Faxineira doméstica conta sobre rotina de trabalho durante a quarentena

Por Sandra Marcelino Macedo, 56 anos, em depoimento a Mariani Campos
Atualizado em 15 jun 2020, 15h39 - Publicado em 12 jun 2020, 08h25

“Eu suspendi o trabalho no início da quarentena durante duas semanas, mas logo tive de voltar. Estava precisando muito do dinheiro e minhas patroas me chamaram para limpar, então fui e não parei mais desde então. Antes eu limpava uma casa por dia da semana, agora são no máximo três, isso quando tem. Estou na área de limpeza há três anos. Eu era segurança, mas fiquei desempregada e não consegui renovar o curso obrigatório. Comecei fazendo faxina em escritórios, mas acabei migrando para casas de família.

Agora na pandemia nenhuma pessoa para quem eu trabalho se voluntariou a continuar pagando e me deixar em casa. Uma é mão-fechada. Outra trabalha e tem três filhos, então não dá conta, e a terceira faz home office, mas tem alergia a poeira, então não pode limpar.

No começo, quando deu na TV tudo o que estava acontecendo, eu liguei pro meu filho, Rafael, chorando, apavorada com medo de pegar. Agora já passou, não tenho medo, não. Acredito que Deus protege a gente que não tem a opção de ficar em casa.

Eu tenho tomado bastante cuidado. Sempre que chego à casa da pessoa pra limpar eu tiro os sapatos, mudo a roupa e a máscara que usei na rua e troco outra vez (a máscara) de três em três horas. Uso luvas pra tudo, álcool em gel, e não fico no mesmo cômodo em que os outros moradores estão, para não ter perigo. Eles continuam me tratando normal, ninguém tem me evitado, eu que estou tomando cuidado mesmo.

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Tenho 56 anos e moro sozinha. Está sendo horrível, eu me sinto muito solitária, fico triste, choro. Acabo indo visitar o Rafa, meu filho, porque não aguento, não, pelo menos eu me distraio.

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Minha renda caiu bastante. Antes eu tirava uns 450 reais por semana, agora tiro uns 100, 150, isso quando só uma cliente me chama. A situação está feia, minhas contas estão todas atrasadas. Meu filho costumava me ajudar, ele tinha conseguido um novo emprego em uma academia como personal trainer, mas deu dois meses só de contrato e já foi mandado embora por causa da quarentena. Aí apertou tudo de vez. Sorte que eu não preciso pagar aluguel, senão eu estava na rua. Recebi uma cesta básica estes tempos, da minha amiga da igreja, e me ajudou pra caramba, mas não acho que vou ganhar outra vez, não.

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Tem muita gente que eu conheço que está passando necessidade, o pessoal desempregado, dependendo do benefício emergencial de 600 reais do governo federal e de ajuda de outras pessoas, amigos ou parentes. O meu auxílio, aliás, foi sair só esses tempos atrás, demorou pra caramba para chegar a aprovação e, assim que caiu na minha conta, já foi embora, paguei a fatura de 700 reais do meu cartão de crédito. Eu não consigo não pagar, não quero ficar com o nome sujo. O nome é tudo o que a gente tem. Agora com a segunda parcela vou pagar mais uma fatura, que já está atrasada e continua correndo juros.

No comércio, acho que estão fazendo um teste com a reabertura. Se subir muito o número de casos, vai voltar tudo pro vermelho, fechar tudo. Mas não acho que isso vai dar certo, não. Tinha de ter fechado tudo desde o início, agora não tem mais jeito. Muita gente perdeu o emprego, teve patrão que quebrou. Se houvesse lock-down, talvez isso não tivesse acontecido. Eu pego metrô e ônibus, e o pessoal usa máscara e tenta manter distância. Mas aqui onde eu moro, na Água Funda, Zona Sul, não tem ninguém respeitando a quarentena. Agora mesmo eu fui ali no bar comprar cigarro e tinha um monte de gente na porta, que não está totalmente aberta, mas não adianta nada, o pessoal fica tudo ali aglomerado, se abraçando, bebendo junto, sem máscara, fumando narguilé, achando que é brincadeira. Assim fica difícil.”

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 17 de junho de 2020, edição nº 2691.

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