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As pessoas que ajudam a tornar o Natal dos sem-teto mais feliz

Conheça as histórias emocionantes e inspiradoras de gente comum que se dedica a amenizar o sofrimento de quem vive nas ruas

Por Rosana Zakabi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 dez 2017, 12h19 - Publicado em 22 dez 2017, 06h00

O último censo dos sem-teto na capital, feito em 2015 pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), mostrava que, naquele ano, havia cerca de 16 000 deles na cidade, quase o dobro do registrado em 2000. Com o agravamento da recessão e do desemprego, atualmente na casa dos 18% no município, mais gente foi parar nas ruas. Hoje, segundo estimativas da própria prefeitura, a quantidade já chega a 20 000.

Esse público, invisível a muita gente, merece uma atenção especial nas comemorações de fim de ano de um grupo de pessoas dedicadas a transformar o período em uma grande festa da solidariedade. Certos voluntários, como o zelador Claudio Florêncio da Silva, fazem questão de celebrar o dia 24 ao lado dos desassistidos. Ele percorre a Avenida Paulista para entregar comida, kits de higiene pessoal e brinquedos aos que vivem por ali nas calçadas.

Alguns não se contentam apenas em distribuir refeições. Ex-moradora de rua, a empresária Maria Eulina Hilsenbeck oferecerá uma sessão de cinema com pipoca a 300 sem-teto no Castelinho da Rua Apa, no centro. Não muito distante do local, a cabeleireira Carmen Lopes de Almeida montou um salão de beleza para ajudar a recuperar a autoestima dos moradores da Cracolândia.

Nas linhas a seguir, conheça os detalhes dessas e de outras histórias de quem se empenha em amenizar os dramas e a solidão dos desabrigados paulistanos em meio às festividades do Natal.

Faxina generosa

O faxineiro Emerson Alexandre do Prado: reserva 200 reais do salário de 880 para ajudar quem vive nas ruas (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Emerson Alexandre do Prado, de 39 anos, preparou uma série de ações em dezembro. Nesta sexta (22), deve fornecer um café da manhã especial a cinquenta sem-teto do centro de Suzano, na Grande São Paulo, com panetone, café e salgados obtidos por meio de doações. “É algo que procuro fazer todo ano, para diminuir o sofrimento dessas pessoas”, explica o faxineiro. “Na hora, elas me abraçam e algumas até choram, dizendo que é um dos raros momentos em que ganham um pouco de atenção.” No fim de semana passado, ele já havia feito uma festa natalina para 300 crianças de uma creche de Guaianazes, na Zona Leste, com bolo, doces e refrigerantes.

Ajudar a quem precisa é rotina no dia a dia de Prado, independentemente da época do ano. Entre outras coisas, distribui sopa aos mendigos e arrecada roupas e alimentos via Facebook. Se não bastasse, ainda reserva mensalmente para a atividade 200 reais do salário de 880, que recebe de uma empresa da indústria têxtil. “Divido a quantia em envelopes com o nome de cada despesa: luz, água, telefone e ‘meu projeto’”, conta.

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Ele é solteiro e vive com a mãe e o padrasto em uma casa de cinco cômodos em Suzano. A família tem um Fusca ano 79, usado
pelo faxineiro para transportar as doações. “Calculo o que posso comprar com o valor que sobra: fraldas, cesta de legumes para levar a algum asilo, tinta para pintar uma creche…”, descreve.

Prado começou a fazer trabalhos voluntários aos 16, inspirado no sociólogo Herbert José de Sousa, morto em 1997. “Achei um livro dele na biblioteca da escola em que estudava e fiquei encantado.” Primeiro, participou de um grupo do colégio que tinha o objetivo de conscientizar os adolescentes sobre os riscos do sexo sem proteção. Depois, passou a ir sozinho a hospitais infantis. “Pintava a cara de palhaço e animava as crianças internadas.”

O faxineiro conta que pratica essas ações porque se identifica com as pessoas atendidas. “Tive uma infância bem sofrida. Morava em um barraco com meus cinco irmãos, muitas vezes não havia o que comer. Meu pai, já falecido, bebia bastante e espancava minha mãe”, relembra. “Mesmo assim, eu tinha muitos sonhos, e acreditava que, um dia, tudo iria melhorar. E isso realmente aconteceu. Quero ajudar os mais necessitados para que eles também não percam a esperança.”

Banquete no castelo

Maria Eulina Reis Hilsenbeck: ceia para 300 desabrigados no Castelinho da Rua Apa (Alexandre Battibugli/Veja SP)

O Castelinho da Rua Apa foi reaberto há oito meses, após uma ampla restauração bancada pelo governo do estado. Abandonado desde a década de 30, quando a família que morava ali foi assassinada, passou a ser ocupado por mendigos. No início dos anos 1990, a empresária maranhense Maria Eulina Reis Hilsenbeck, 66, fundadora da ONG Clube de Mães do Brasil, que oferece capacitação aos sem-teto, entrou na Justiça para administrar o local, e conseguiu essa autorização em 1997.

A mansão foi tombada em 2004, mas permaneceu por anos caindo aos pedaços. A verba para a revitalização só saiu em 2015, e a reforma, de 2,9 milhões de reais, durou mais de vinte meses.

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Para comemorar o primeiro Natal da nova fase do Castelinho, a empresária preparou uma ceia no fim de semana passado para 300 desabrigados, com a apresentação de um coral. A festa foi feita em parceria com cinquenta funcionários do Google Brasil, voluntários na ação. Neste sábado (23) haverá outro evento para esse público: uma sessão de cinema, com pipoca e frutas. “Consegui um telão e um projetor emprestados, e vamos passar o filme Central do Brasil”, conta.

Ela conheceu de perto os dramas dos sem-teto, pois morou na rua durante quase dois anos, no início da década de 70. “Só pude sair daquela situação porque uma mulher me ajudou, dando abrigo e emprego como doméstica.” Depois, arrumou trabalho como telefonista em uma indústria de laticínios, onde conheceu o marido, o alemão Alexander Hilsenbeck, então diretor executivo da companhia.

Maria Eulina ajuda a população desabrigada desde 1993, com oficina profissionalizante de costura. “Já capacitamos 5 000 pessoas”, orgulha-se. Todo último domingo do mês, também realiza uma ação com 300 deles, na qual oferece comida, banho, corte de cabelo, barba e consulta com dentista, médico e advogado voluntários.

Viúva há dezessete anos, a empresária é mãe de quatro filhos — dois biológicos e duas adotivas. A partir de 2018, deve começar a alugar o famoso endereço do centro para eventos corporativos e casamentos. “A manutenção é de nossa responsabilidade. Teremos de fazer caixa para garantir a continuidade do trabalho.”

Jornada na Paulista

Claudio Florêncio da Silva: comida e abraços distribuídos na Paulista (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Todos os sábados, o zelador alagoano Claudio Florêncio da Silva, 54, segue a mesma rotina. Às 17h30, recebe em sua casa, na Vila Mariana, uma amiga que o ajuda a preparar sanduíches, chá e um kit com pasta e escova de dentes, barbeador e sabonete. Uma hora depois, a dupla vai a um centro espírita próximo dali, ponto de partida para a distribuição desses itens na região da Avenida Paulista.

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Juntam-se a eles cerca de vinte voluntários, e todos caminham até a altura do Hospital Santa Catarina, parando a cada vez que encontram um morador de rua. O serviço termina por volta das 23 horas e atende aproximadamente cinquenta sem-teto por dia. No domingo (24), haverá uma ação especial. Serão fornecidos lanches de pernil, panetone, Coca-Cola e brinquedos às crianças.

“Fazemos esse evento todos os anos”, conta Silva. “Os desabrigados nos abraçam longamente, agradecidos, e falam: ‘Que bom que vocês vieram’.” “O grupo é como se fosse parte da minha família. Faço questão de passar o Natal com eles”, afirma a patologista clínica Ana Lourdes Pereira, 44, uma das pessoas que acompanham o zelador na jornada.

Silva começou a atividade em 2008, junto com outros dez voluntários. “Depois de três anos, eles foram desistindo”, relembra. O zelador persistiu e passou a fazer o trabalho sozinho. Gastava, por mês, 300 dos 1 400 reais de seu salário para comprar os itens. Com o tempo, algumas pessoas que o viam na Paulista começaram a simpatizar com a ação, oferecendo auxílio. Aos poucos, um novo grupo de ajudantes foi formado. “Todo sábado durmo melhor, porque sei que, ao menos naquele dia, saciei a fome de alguém necessitado.”

Salão de beleza na Cracolândia

A assistente social Carmen Lopes de Almeida: salão de beleza na Cracolândia (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Assistente social de uma ONG ligada à prefeitura, a paulistana Carmen Lopes de Almeida, 47, atua no fluxo da Cracolândia desde 2013. “Eu ainda estava na faculdade quando surgiu uma oportunidade de trabalhar ali. Quando cheguei, tremia de medo, mas, com o tempo, fui conhecendo melhor as pessoas e me envolvendo com elas. Hoje, são minha segunda família.” Neste ano, Carmen decidiu, pela primeira vez, preparar um almoço natalino para 200 usuários. “Comecei a pedir 10 reais a todos os meus contatos do WhatsApp e Facebook para organizar a festa”, explica.

Arrecadou, no final, 1 400 reais, o suficiente para comprar 10 quilos de arroz, 15 de carne e 15 de linguiça. O evento ocorreu no sábado (9). “Acordei às 5h30 para preparar o arroz e 25 quilos de salada de maionese”, afirma. Além da refeição, a assistente social implantou no local uma espécie de salão com dois cabeleireiros, maquiagem e esmaltaria, para embelezar as usuárias antes do almoço. “Aqui perdemos totalmente a autoestima. Então, ter gente ajudando a nos arrumar foi muito positivo”, comenta a terapeuta Dayane Moretão de Araújo, 30, dependente química que está no fluxo há pouco mais de um ano.

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O “salão”, na verdade, já existe desde outubro do ano passado e é montado a cada quinze dias. “As mulheres desse cenário são muito vulneráveis. Criei a ação para empoderá-las de alguma forma”, diz Carmen. Ela conta com a ajuda de quinze voluntários. Antes de virar assistente social, Carmen trabalhou como boia-fria, operária e empregada doméstica. “Hoje, ajudar os indivíduos do fluxo é uma forma de retribuir o carinho e o respeito com que sou tratada.”

Ceia na Luz

André Soler e Vinicius Lima: ceia para 1 000 moradores de rua na Luz (Alexandre Battibugli/Veja SP)

No sábado (23), uma mesa gigante será montada em um espaço a poucos metros da Estação da Luz. Nela, serão servidos frango, arroz, farofa, batata, salada e sobremesa a 1 000 moradores de rua. Também vão ser distribuídos presentes a eles. O evento vai durar o dia inteiro e atenderá 250 pessoas por vez.

À frente da ação estão o cineasta André Soler, 24 (à esq. na foto), e o jornalista Vinicius Lima, 22, paulistanos e fundadores do SP Invisível, projeto criado em 2014 para divulgar as histórias dos sem-teto na internet e, assim, conscientizar a sociedade desse problema.

Para pôr a operação natalina em prática, uma parceria foi fechada com a ONG Missão Cena, que já trabalha com indivíduos em condições de vulnerabilidade. Eles chamaram ainda 120 voluntários e lançaram uma vaquinha virtual a fim de arrecadar fundos. Bateram a meta no início de dezembro, com o montante de 75 000 reais. “Já tínhamos feito uma festa no ano passado, mas ela foi bem mais simples. Neste ano, quisemos ampliar a ação”, conta Soler. “O que nos chamou a atenção no projeto dos dois é que ele não é focado apenas no assistencialismo, e sim na valorização dessa população”, comenta André Bretas Pedro, presidente da Missão Cena.

A ideia de publicar as histórias dos sem-teto surgiu após a dupla participar de uma ação na igreja que frequenta, a Batista da Água Branca, na Zona Oeste. A proposta era sair pela cidade fotografando tudo o que era “invisível”. “Após o término do trabalho, revimos as imagens e percebemos que a maioria das fotos era de pessoas que viviam na rua”, recorda Soler. “Então, decidimos tirá-las do anonimato.”

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O material coletado resultou no livro A Cidade que Ninguém Vê, com 100 fotos e depoimentos dos desabrigados, lançado em 2016. Até agora, já foram vendidos 1 600 exemplares pelo site do projeto, no valor de 95 reais cada um. Em 2018, Soler e Lima pretendem ampliar a quantidade de ações. “Uma delas será distribuir óculos a quem precisa”, diz o cineasta.

O rei das quentinhas

Kaká Ferreira, da ONG Anjos da Noite: quentinhas para sem-teto (Alexandre Battibugli/Veja SP)

O administrador de empresas paulistano Kaká Ferreira, 64, é um veterano das ruas do centro. Há quase três décadas, fornece refeições e agasalhos aos mendigos da região todas as noites de sábado com a ajuda de aproximadamente 100 voluntários de sua ONG, Anjos da Noite. Por mês, são 3 200 marmitas e 1 200 peças de roupa distribuídas. Cada “quentinha” tem arroz, feijão, algum tipo de carne, legumes e salada.

“Começamos a preparar a comida às 10 da manhã e terminamos tudo por volta da 1 da madrugada”, conta. Para realizar o trabalho, ele arrecada doações pelo site e por redes sociais, e conta com a colaboração de empresas, que fornecem os ingredientes. No sábado (23), Ferreira pretende realizar um jantar especial para 800 pessoas no Pátio do Colégio. “A ideia era fazer atrás do Mercado Municipal, que concentra um público menos assistido, mas tivemos de mudar, porque a área está em obras”, explica.

A ceia deve ter pernil, panetone e brinquedos para as crianças. Ferreira começou o trabalho em 1989, após ajudar um senhor que pedia comida na Rua Amaral Gurgel, esquina com a Marquês de Itu. “Estava um frio terrível, 4 graus de temperatura, e chovendo. Dei a ele a blusa que tinha no carro e o chamei para comer em um boteco da esquina. Ele agradeceu e me chamou de ‘anjo da noite’. Desde então, nunca mais parei.”

 

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