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Não se estresse

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Tudo parado. Os motoristas imobilizados na grande avenida esticavam o pescoço e a vista para um lado e para outro, embicavam o carro um pouquinho na tentativa de ver até onde ia a coisa. Ia, sem fim. A indignação coletiva é silenciosa, não há o que fazer. Foi então que de dentro de um dos carros saiu um homem, jovem, de camisa e gravata, sem paletó, e pôs-se a fazer alongamentos: de braços, de pescoço, de pernas, de coluna. Uma senhora saiu também e fez o mesmo, sorriam-se solidários pela idéia. De um desses jipões 4×4 saiu um homem, abriu a porta traseira, livrou o menino do cinto de segurança, o garoto desceu, em uniforme de escola, fez xixi no pneu do carro, como um cachorrinho, e voltou para o seu lugar. Um homem de gravata afrouxou o nó e começou a se barbear com um aparelho a pilha. Duas mocinhas aumentaram o volume do som, abriram as portas do carro, desceram e começaram a dançar, uma de cada lado. Dois rapazes entraram na onda, desceram dançando, buscando olhares, e elas não deram bola, ficaram na delas.

A chateação habitual de um nó no trânsito tornou-se ali, sem ninguém planejar, um momento divertido. Os engarrafados sorriam, se olhavam balançando a cabeça, como quem diz: “Fazer o quê?”.

Lógico que não dá para transformar cada engarrafamento numa festa, aquele foi um momento incomum, num curto trecho de uma avenida problemática, onde se afunilaram pessoas afins. Fizeram ali o que estariam talvez fazendo se não estivessem no congestionamento.

No recesso dos carros de vidros escurecidos, cada um faz o que pode para diminuir o stress.

Alguns grosseiros trocam de faixa, enfiando-se na frente dos outros. Sabem que a outra fila também não vai andar, mas não conseguem segurar sua ansiedade. Oportunistas metem-se atrás de ambulâncias, de viaturas de bombeiros e da polícia. (São os mesmos que estacionam em vagas reservadas para deficientes e idosos. Os mesmos que, se houver alguma boquinha para levar vantagem, de preferência irregular, estarão prontos para entrar.)

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Procurando contornar o problema do trânsito, há os que se mudam de bairro, mais para perto do trabalho. É arriscado. O emprego é instável, a pessoa pode ter de se mudar de vários bairros, sem se livrar do problema. Como aquele marido enganado do poema de Manuel Bandeira, que a cada caso da mulher com um vizinho se mudava de bairro.

Os mais simpáticos são aqueles que passam dicas sobre coisas que a pessoa pode fazer para se sentir menos roubada nessas horas perdidas. Nem todo mundo se contenta só com ouvir música ou notícias.

Curso de inglês ou espanhol em CD é a dica mais comum. Instalar um DVD no painel para assistir a um filme ou show. Palavras cruzadas. Joguinhos eletrônicos. Cubo mágico. Uma senhora, minha vizinha, aconselha crochê ou tricô, “nesse tempo de frio é melhor tricô”. Meu cunhado recomenda: instalou um telefone viva-voz no carro e ali conversa, discute, agenda, fecha contratos, dispensa, se explica, fala com a irmã, com a mãe. Uma amiga defende abertamente relaxar, encostar a cabeça, cochilar. Vai acordar com buzinaço? Vai, diz ela, mas e daí?

Essa amiga é engraçada. Viaja muito para o exterior e acha certo as pessoas saírem de casa com quatro horas de antecedência, para não se estressarem no trânsito. Ela prefere radicalizar. Para embarcar às 22 horas, chega às 16 ao aeroporto, vai para o salão de beleza, lava, seca e escova os cabelos, faz mãos, pés, sobrancelhas, massagem, depois despacha a mala sem filas, janta no restaurante (melhor do que no avião), despede-se de algumas pessoas ao telefone, responde a e-mails, lê, embarca já com sono, dorme e só acorda no destino.

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