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A cidade dos naming rights: qual o limite do modelo que só cresce em SP?

Marcas rebatizam de estádios de futebol a estações de metrô — e a previsão é de mais logotipos em espaços públicos e privados em 2024

Por Pedro Carvalho, Sérgio Quintella, Guilherme Queiroz
9 fev 2024, 06h00
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Estádios, casas de shows, teatros, cinemas, estações de metrô: a cidade está saturada? (Keiny Andrade/Reprodução/Mercado Livre/Divulgação)
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Em breve, quem mora em São Paulo poderá pegar um metrô na estação Penha-Lojas Besni, passar pela Carrão-Assaí Atacadista, baldear até a Paulista-Pernambucanas, ver um jogo de futebol na quase vizinha Mercado Livre Arena Pacaembu (que você talvez conheça como Estádio do Pacaembu) e à noite curtir um show na Vibra SP — o antigo Unimed Hall, que era o antigo Citibank Hall, que era o antigo Credicard Hall.

Marcas demais para a cabeça? Pelo que aponta o mercado, a promessa é que os naming rights — a prática de “vender os nomes” de lugares públicos e privados, disseminada em São Paulo das estações de transporte público às arenas de futebol — ganhem ainda mais força nos próximos anos na cidade. Mas a ideia sempre é válida? Existem limites?

O mais recente — e estridente — caso paulistano é o do Pacaembu. A marca de compras on-line prometeu pagar 1 bilhão de reais para trocar o nome do estádio por trinta anos. É mais que o próprio valor pago à prefeitura pela concessão do espaço, de 111 milhões por 35 anos (as reformas são orçadas em 500 milhões) — algo parecido com comprar um carro por 10 000 e revender os faróis por 15 000.

“Manteremos o nome Paulo Machado de Carvalho na fachada norte por obrigação legal (é tombada pelos órgãos de patrimônio), mas o Pacaembu já tem outro nome oficial”, afirma Eduardo Barella, CEO da Allegra, que administra o estádio.

A bolada paga pelo Mercado Livre não comprará “só” o nome: a empresa terá direito a expor a marca em setenta pontos do estádio, o Mercado Pago será o meio de pagamento oficial dali e as lojas vão oferecer os serviços do Mercado Livre, entre outras oportunidades.

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Na opinião de especialistas, não saiu caro. “Se comparado aos atuais patrocínios de camisas de times de futebol, por exemplo, o investimento faz sentido”, diz Fernando Trevisan, especializado em gestão e marketing esportivo.

Ele lembra que São Paulo e Corinthians anunciaram parcerias para o uniforme que superam os 50 milhões e os 120 milhões de reais anuais, respectivamente — no caso do Pacaembu, a princípio serão 33 milhões por ano. “Estádios não fazem só jogos de futebol, mas shows e eventos, o que divulga a patrocinadora para diferentes públicos”, ele acrescenta.

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Imagem obtida com pessoas do mercado próximas ao negócio mostra como será, em linhas gerais, a nova fachada do Morumbi (Reprodução/Reprodução)

Resta, claro, a dúvida óbvia: os paulistanos vão chamar de Mercado Livre Arena um estádio que chamam de Pacaembu desde 27 de abril de 1940? “Quando a população adentrar o novo complexo e vir o que foi feito, vai abraçar o patrocinador. Teremos hotel, escritórios, bares, restaurantes, lojas, jogos, eventos e frequência de pessoas 24 horas por dia”, afirma Barella.

Uma estimativa não oficial da Allegra prevê uma média de 13 000 visitantes diários no equipamento. “Tenho certeza que, daqui a quinze anos, a geração dos meus filhos só chamará ali de Mercado Livre Arena”, aposta a vereadora Cris Monteiro (Novo), autora de uma lei que libera os naming rights em lugares como escolas municipais, Unidades Básicas de Saúde (UBSs), praças, terminais de ônibus e outros equipamentos públicos.

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Projeção do futuro Pacaembu: patrocinadora poderá estar em setenta lugares do complexo (Youtube/Reprodução)

Aprovada e sancionada em dezembro, a norma acabou barrada na Justiça às vésperas do Natal, quando um desembargador de plantão acolheu um pedido do PSOL e considerou a proposta irregular. “Seria uma maneira de aumentar a arrecadação sem aumentar os impostos. Poderíamos ter o Terminal Bandeira Nestlé, ou o Theatro Municipal Itaú”, sugere a parlamentar.

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Agora sujeita à agenda do Judiciário, a regra não tem previsão de data para voltar a valer. Já no metrô, os naming rights avançam — e nesse caso o modal não teme uma “velocidade reduzida”. No momento, São Paulo tem quatro estações rebatizadas (além das três citadas, tem a Saúde-Ultrafarma).

Está para aumentar: mais duas paradas já tiveram os nomes vendidos (Brigadeiro e Anhangabaú). O comprador, uma empresa de representação comercial, deve divulgar as marcas que ocuparão os espaços até o final de fevereiro. Pagou 16,5 milhões por cinco anos de contrato, o que dá pouco mais de 137 500 reais por mês para trocar o nome de cada estação — uma na Avenida Paulista, outra no centro histórico da cidade.

O patrocinador não terá apenas o nome exibido em placas e mapas de toda a rede: seu nome será anunciado entre 600 e 900 vezes ao dia nos alto-falantes, a depender da linha. Pode parecer uma pechincha, ainda mais se comparada à receita total do metrô, de 2,3 bilhões no ano passado.

Mas a verdade é que as últimas ofertas não atraíram muitos possíveis anunciantes — a licitação das duas novas estações teve apenas um concorrente. “A parceria vale a pena, porque agrega valor à estação. A empresa paga para mudar e modernizar os letreiros, o que chega a custar 600 000 reais”, diz Silvia Tomaselli, gerente de negócios do metrô.

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“(O que limita o interesse do mercado é que) o formato exige licitação e o comprador não pode nomear totalmente a estação, como em Neo Química Arena, apenas acrescentar um ‘sobrenome’ ”, ela explica. Nas paradas da Penha, Carrão e Saúde, o metrô levou 40 milhões por dez anos de contrato. “O plano é abrir processos para mais duas concessões ainda neste ano”, completa a executiva.

A cerca de 12 quilômetros do Pacaembu, outro icônico estádio tem os dias contados para mudar de identidade. Até o fim de fevereiro, o letreiro no topo da entrada principal do Morumbi, com o nome de Cícero Pompeu de Toledo, começará a ser removido para a colocação da nova placa do MorumBis.

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A imagem do início da reportagem, enviada a Vejinha por pessoas do mercado próximas à negociação, representa em linhas gerais como deve ficar o novo visual. Eternizado no clube por ter viabilizado a construção do estádio, Pompeu de Toledo, que tem um busto na área interna, deverá receber uma nova homenagem, ainda sem detalhes, como contrapartida pelo “cartão vermelho” na fachada.

A parceria com a empresa de alimentos Mondeléz, válida por três anos (com boas possibilidades de renovação), deverá render ao clube perto de 25 milhões de reais por ano. A exemplo do acordo Pacaembu-Mercado Livre, o negócio prevê diversas formas de exposição da marca dentro e fora do estádio.

Além de renomear os setores norte, sul, leste e oeste com produtos da fabricante como o Diamante Negro (criado em homenagem a Leônidas da Silva, atacante tricolor entre 1942 e 1950), a Mondeléz terá a exclusividade no comércio de alimentos e outras possibilidades como a ocupação de camarotes.

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Anexo ao estádio, o clube social também poderá receber nova identidade visual em alguns setores, como campos, quadras e ginásios. Por ser outro estádio antigo, também é de se questionar se o novo nome vai “pegar”. “Nossa primeira preocupação foi em relação à aderência da torcida, mas logo percebemos que ela comprou a ideia”, afirma Eduardo Toni, diretor de marketing do São Paulo.

O clube também tenta negociar os nomes dos centros de treinamento profissional (na Barra Funda) e amador (em Cotia, na Grande São Paulo) — a exemplo do que faz o Corinthians, que anunciou a disposição de mudar o nome do CT Joaquim Grava, na Zona Leste.

O curto tempo de contrato — de três anos no Morumbi — abre a possibilidade de um mesmo espaço acabar tendo diferentes nomes consecutivos, como no primeiro caso de naming rights de São Paulo, a casa de shows atualmente chamada Vibra SP, na Zona Sul.

Em 1999, ela foi inaugurada como Credicard Hall. Anunciada como a maior da América Latina, custou cerca de 34 milhões de dólares à época (309 milhões de reais em valores atualizados). Titãs, Paralamas do Sucesso e Red Hot Chili Peppers estiveram entre os primeiros a pisar no palco.

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A patrocinadora teria desembolsado quase 50 milhões de reais por um contrato de dez anos. “Era um momento de popularização do cartão de crédito e a empresa queria ligar o uso dele ao entretenimento”, explica Marcos Bedendo, professor de branding e marketing da ESPM.

Depois disso, o lugar virou Citibank Hall, Unimed Hall e agora Vibra SP, o que pode causar certa confusão. Para Bedendo, as mudanças prejudicam o objetivo desse tipo de ação. “Quando se cria um vínculo do lugar com um nome, ele dificilmente é quebrado. Se hoje você falar que vai à Vibra SP, provavelmente explicará que é ‘o antigo Credicard Hall’ ”, afirma o especialista.

Os administradores da casa de shows, claro, discordam. “Foi quase uma nova inauguração (a mudança para Vibra SP), o espaço ficou fechado em 2021 e 2022”, afirma Carlos Konrath, presidente da Opus Entretenimento, responsável pelo local — anteriormente, a casa era administrada pela produtora T4F, quando tinha o nome UnimedHall. “Os apoios nos ajudam a trazer atrações internacionais. Não é fácil competir com ingressos em euros ou dólares”, ele diz.

Não é o único espaço cultural salvo por uma parceria com uma patrocinadora. Outro endereço que deve a vida aos naming rights é o recém-rebatizado cinema Reag Belas Artes, na Rua da Consolação.

A casa já teve as cores do banco HSBC, da Caixa Econômica, da cerveja Petra e, desde janeiro, aderiu ao verde da marca de investimentos, que ainda está sendo pintado na fachada. “Acredito que, no nosso caso, as mudanças não nos afetam. As pessoas sabem o que é o Belas Artes. O apoio é vital para o pagamento do aluguel (estimado em cerca de 2 milhões de reais ao ano). A conta não fecha sem a parceria”, diz André Sturm, diretor do cinema, que garante que o valor do patrocínio ficou estável em relação ao anterior.

A área da cultura é onde a ferramenta parece ser mais vital aos empreendimentos. “Os naming rights nos dão a possibilidade de patrocinar espetáculos. Em 2023, encomendamos uma atração de dança em homenagem a Rita Lee”, diz Neli Casimiro, diretora do Teatro Unimed, na Alameda Santos.

Inaugurado em 2019, o espaço teria recebido 20 milhões de reais da seguradora (incluído o ano de 2024). “Pelo menos 50% do nosso orçamento vem da parceria”, ela conta.

Desde 2022, a Unimed também dá nome ao antigo Espaço das Américas, na Barra Funda (atual Espaço Unimed). “O patrocínio chegou no momento mais delicado da nossa trajetória (devido à pandemia)”, diz Marco Antônio Tobal Junior, sócio-diretor do Grupo São Paulo Eventos.

Além de reequilibrar as contas, o acordo, previsto para durar cinco anos, permitiu modernizar o espaço e melhorar a programação. “Faz parte do nosso planejamento levar esse tipo de parceria para o Villa Country e o Expo Barra Funda (também administrados pelo grupo)”, afirma Tobal.

Mas a perspectiva de mais espaços de entretenimento, estações de metrô, estádios, CTs e possivelmente escolas e UBSs com nomes de marca não sugere uma saturação — que talvez reduza o impacto da publicidade? “É preciso dosar o modelo, especialmente na questão do patrimônio público e em estações de metrô, para a cidade não virar um supermercado. Ninguém quer São Paulo como era antes (da Lei Cidade Limpa, de 2006), cheia de outdoors e banners”, diz Bedendo.

Mesmo entusiastas dos naming rights podem confessar certas ressalvas. “Não, pessoalmente não gostaria”, afirma a vereadora Cris Monteiro, perguntada sobre o que acharia, por exemplo, de uma escola cujo nome homenageia um educador ser rebatizada, digamos, por uma marca de remédios.

“A questão da educação é cara para mim. Mas também não vejo um grande problema ético, porque não eliminaria o nome do professor. Se aumenta a arrecadação, é do interesse público”, ela acredita — e avisa que o partido, o Novo, vai se mover na Justiça para que a nova lei volte a valer. ■

Publicado em VEJA São Paulo de 8 de fevereiro de 2024, edição nº 2879

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