André Sturm: “Os políticos precisam entender que cultura não é acessório”
Diretor do agora REAG Belas Artes e do MIS destaca parceria do cinema com naming rights e reforça a importância de políticas públicas específicas
O anúncio de um novo patrocínio para o cinema Belas Artes, na esquina da Paulista com a Rua da Consolação, que agora carrega o nome REAG, trouxe alívio ao público paulistano que temia pela possibilidade de fechamento do local.
+Cinépolis JK Iguatemi inaugura sala de cinema com tecnologia inédita
André Sturm, 57, diretor do cinema e também do Museu da Imagem e do Som, comemora a parceria de cinco anos com o grupo financeiro, diz que os espectadores estão retomando o hábito de assistir a filmes na telona e que o efeito Barbenheimer ajudou nesse processo.
O Belas Artes já passou alguns anos fechado. Depois do fim da parceria com o Grupo Petrópolis, esse risco voltou a existir?
A gente não iria fechar imediatamente. Eu conversei com o proprietário e pedi uma tolerância, e ele havia concordado. Mas, se a gente não tivesse um novo patrocínio, com certeza teríamos de fechar. Seria inviável pagar o aluguel.
Existe alguma mudança no modelo de contrato com a REAG em relação ao que estava em vigor antes?
Tudo continua a mesma coisa. Já temos essa força de operação desde 2004, quando conseguimos o primeiro naming rights do cinema (com o banco HSBC). E isso tem sido bem-sucedido. É uma parceria de marketing, sem lei de incentivo fiscal. A REAG entrou com os recursos do marketing da empresa para fazer essa parceria.
Acha que o modelo de naming rights pode saturar em São Paulo?
Penso que é justamente o contrário. Essa é uma operação que sempre pega bem. As pessoas admiram empresas que assumem espaços culturais ou esportivos. Na maioria dos casos, as relações se tornam duradouras. Quanto mais naming rights existirem na cidade, mais empresas ficarão interessadas em aderir ao modelo. O Estádio do Morumbi (novo MorumBis), por exemplo, agora poderá fazer reformas devido ao patrocínio.
“As pessoas admiram empresas que assumem espaços culturais ou esportivos. Na maioria dos casos [de naming rights], as relações se tornam duradouras”
O Belas Artes aposta na programação além das salas, com feiras temáticas aos fins de semana. Isso será mantido?
Em termos de programação, nada vai mudar. Não há nenhuma ingerência na programação por parte da REAG. Planejamos algumas novidades que ainda não estão 100% confirmadas. Mas é tudo na direção de ampliar as mesmas atividades que já fazemos. O cinema se chama Belas Artes, então queremos que cada vez mais artes estejam presentes. O que a gente continua não exibindo são os filmes “pipoca”, que estreiam em 400 salas e que o público já vai conferir de qualquer jeito.
Alguns cinéfilos reclamam da qualidade das projeções no Belas Artes. Há planos de revitalização para o espaço?
Realmente temos um problema na Sala 4 e estamos terminando de solucionar. Foi a primeira coisa que fizemos após a formalização do apoio da REAG. O projetor estava com um problema que não conseguíamos arrumar desde a metade do ano passado. Tivemos de tirar o projetor tradicional e colocar um provisório, mas já trocamos por uma peça muito melhor. Era a sala que mais precisava de manutenção.
Como avalia o atual cenário dos cinemas de rua? A crise que surgiu na pandemia ainda se faz presente?
As coisas estão melhorando. Agora é a crise que está enfraquecendo. Os cinemas sofreram muito na pandemia, foi o primeiro setor a fechar e o último a abrir por completo. Foi errado o que foi feito com os cinemas. Nós provamos que as salas não tinham perigo, mas as pessoas ficaram assustadas e demoraram para voltar. Cinema é hábito e foi preciso retomá-lo aos poucos.
O efeito Barbenheimer impactou os números em 2023?
O Barbenheimer foi um ponto de inflexão para cima. Virou um evento social, não só um evento de cinema. Muitas pessoas voltaram às salas só para assistir aos dois filmes, que por sinal são bons. Quando a onda de Barbie e Oppenheimer passou, ficou um público maior do que tínhamos antes. O efeito foi duradouro. Tenho velas acesas para o evento Barbenheimer. E, no fim de 2023, vimos que recebemos 60% do público que frequentava o cinema no ano de 2019. Estou otimista para chegarmos aos 70% de público até meados de 2024.
Em 2024 teremos eleições municipais. Como gostaria que os candidatos a prefeito abordassem a cultura em seus planos de governo?
Os políticos precisam entender que cultura não é acessório. As pessoas são obcecadas em falar de educação. É evidente que a educação é importante, mas o que realmente transforma o indivíduo é a cultura. A educação dá as ferramentas, ensina a somar, a ler… Mas o que vai fazer a pessoa saber o que fazer com aquilo é a cultura. Ler, assistir a filmes e ouvir música. Isso abre o intelecto e torna as pessoas cidadãos efetivos. Espero que os candidatos compreendam essa relevância e apresentem a proposta de políticas públicas para a cultura em si, não só para eventos.
Como define a relação do MIS e do Belas Artes com Aline Torres, secretária municipal de Cultura?
Como eu assumi a direção do MIS em março de 2023, não posso dizer muita coisa. Em relação ao Belas, quero destacar a Lei Paulo Gustavo, que previa uma série de linhas para uso do dinheiro. Uma das linhas era o apoio ao cinema de rua. A equipe da Aline não estava dando muita atenção a isso, então tive um encontro com ela e expliquei as dificuldades que o Belas e outros cinemas enfrentam. Fiz empréstimos e financiamentos que estamos pagando agora para não fecharmos as portas no passado. A água foi parar no pescoço. Quando expus isso a ela, Aline publicou um edital para apoiar o cinema de rua com um valor importante. O resultado não saiu ainda, mas ela teve uma posição aberta e generosa.
O projeto de lei para a cota de tela foi aprovado. Será uma nova chance de ampliar o alcance do cinema nacional?
No REAG Belas Artes nada vai mudar. Somos o cinema de São Paulo que mais exibe filmes brasileiros. Sempre cumprimos com folga a cota de tela. Isso vai continuar a partir de 2025, que é quando a lei passará a valer novamente. O presidente Lula precisava ter assinado o decreto até 31 de dezembro de 2023, mas, como não assinou, só vai valer no ano que vem.
Publicado em VEJA São Paulo de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875