Série de concertos gratuitos explora os ambientes da Catedral da Sé
Serão trinta recitais a partir do dia 6 de julho
No lugar do silêncio da contemplação religiosa, sons tão diversos quanto chorinho e beatbox vão ecoar na Catedral da Sé a partir de 6 de julho. É quando tem início uma série de trinta concertos gratuitos, organizados em comemoração aos 100 anos da inauguração da cripta da igreja, no centro da cidade. “Será a primeira vez de um calendário estruturado de música não necessariamente sacra ali”, afirma Camilo Cassoli, diretor-geral do projeto, orçado em 1,5 milhão de reais. “Vamos abordar a relação da história da construção com a cidade e mostrar esse patrimônio de uma forma inédita”, completa.
As diferenças em comparação com uma temporada de shows numa casa de espetáculos tradicional começam pelos locais escolhidos para as apresentações. Está prevista uma grandiosa sessão de um coro de sessenta pessoas na nave central, com capacidade para 800 espectadores sentados. Mas prometem despertar atenção justamente as performances em espaços quase escondidos da catedral, caso do charmoso Salão do Piano, no piso superior, que já foi subaproveitado inclusive como depósito de entulho. A própria pia batismal, cercada por grades e aberta só uma vez por mês para batizados (não mais que cinco bebês, normalmente), poderá ser observada de pertinho durante um recital de cordas, como o de violão e tiorba, instrumento da família do alaúde. No mezanino, as atrações são os vitrais da fachada e uma vista privilegiada de alguns detalhes da arquitetura e da decoração do ambiente. “Chamamos um botânico para identificar as folhas, como as de café, esculpidas nas colunas. São preciosidades que passam despercebidas quando olhamos lá de baixo”, completa Cassoli.
Palco principal da festa, a cripta recebe na estreia o violonista Alessandro Penezzi, que fará o solo junto com projeções nas paredes e no teto do ambiente, que abriga 32 câmaras com restos mortais de figuras como o cacique Tibiriçá, líder do povo indígena guaianá, que habitava o Planalto Paulista na época da chegada dos portugueses, e dom Paulo Evaristo Arns, sepultado em 2016. Nas apresentações no ambiente subterrâneo, 7 metros abaixo da Praça da Sé, há oitenta lugares. Metade dos ingressos será disponibilizada pelo site; a outra parte, na porta, no dia. Quem não garantir o seu poderá conferir as transmissões on-line.
Cura da catedral há quatro anos, o padre Luiz Eduardo Baronto vê com naturalidade a aproximação do espaço religioso com o calendário cultural. “A igreja não está fora do mundo, ela precisa estabelecer contato também com quem não frequenta o templo para orar”, defende Baronto. “A música e a arquitetura podem ser uma via de acesso.” Durante todo o período, as celebrações religiosas acontecem normalmente. “Lembro do impacto profundo que senti quando entrei pela primeira vez na catedral, mas com o tempo essa sensação vai se diluindo. Queremos renovar essa perspectiva para os paulistanos”, conclui o diretor-geral Cassoli. Caso seja abraçada pelo público, a iniciativa pode ajudar a restaurar a fé em um centro mais bem aproveitado.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 26 de junho de 2019, edição nº 2640.