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Sete mulheres que se destacaram em carreiras ligadas à matemática

Sejam economistas, engenheiras ou professoras na área de exatas, elas ganharam posição e reconhecimento em setores tradicionalmente dominados por homens

Por Carol Sganzerla
Atualizado em 8 mar 2019, 06h00 - Publicado em 8 mar 2019, 06h00

A então primeira-dama americana Michelle Obama não perdia a oportunidade de discursar que meninas deveriam ser estimuladas a “gostar de números”. Estudar ciências, tecnologia e engenharias era parte do empoderamento. “Precisamos estar na mesa de decisão, ganhando também os melhores salários”, dizia. Como Rosalind Brewer, a executiva negra que dirige a Starbucks e é conselheira da Amazon — ela estudou química e administração. A escassez de mulheres nas áreas apontadas por Michelle é ainda um desafio maior no Brasil. Mulheres são minoria em profissões que envolvem cálculos e planilhas financeiras.

Michelle Obama: campanha para que meninas estudem mais matemática e ciências (KRISTOFFER TRIPPLAAR-POOL/Getty Images)

Na Politécnica da USP, somente 19,6% dos estudantes de graduação são mulheres (1 018 de um total de 5 172). No Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), de 2000 a 2018, apenas 160 engenheiras se formaram (ante 1 922 homens). A situação não melhorou muito neste ano. Dos 10 788 inscritos no vestibular, 2 470 eram mulheres — entre os aprovados, oito alunas em meio a 112 homens. Na relação dos calouros do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP (ICMC), em São Carlos, só 41 mulheres entre 268 aprovados. No caso dos cursos de ciências da computação, sistemas de informação, matemática pura e matemática aplicada, os dois últimos são os que contemplam o maior número de alunas, 21%. Como mudar essa conta? A seguir, confira a história de sete profissionais íntimas dos números. Elas mudaram as estatísticas, provando que mulheres e matemática formam uma perfeita equação.

“Meu apelido era Pit-bull. Olhando hoje, passei a ter esse comportamento porque vivia num ambiente muito masculino”, conta a engenheira, Adriana Bittencourt (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Adriana Bittercourt

Engenheira civil, 40 anos

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Durante dezesseis anos, a paulistana Adriana Bittencourt trabalhou no mercado imobiliário. Da compra do terreno à construção dos edifícios comerciais e residenciais de alto padrão, ela estava à frente da operação. “Sempre fui minoria nas obras”, relembra a engenheira civil formada pela Faap. Na Odebrecht, era uma das poucas mulheres a ocupar um cargo de liderança. Ela foi responsável, por exemplo, por erguer três dos sete condomínios que hospedaram os atletas nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. “O projeto também tinha de ter um bom resultado financeiro”, diz Adriana, que passou pelas construtoras R. Yazbek e Gafisa. Nessa última, aprovava empreendimentos em dezoito estados do Brasil. Certa vez, na entrega de um apartamento, ouviu de um cliente: “O que acha de entrarmos eu e você nessa banheira?”. “Na época, não era evidente que se tratava de um assédio. Com o tempo, aprendi a me colocar, não tinha medo de falar, mesmo se fosse o dono da empresa”, conta. “Meu apelido era Pit-bull. Olhando hoje, passei a ter esse comportamento porque vivia num ambiente muito masculino.” Com a crise do mercado imobiliário, há menos de dois anos Adriana migrou para a área de planejamento comercial num banco privado. “Na escola, eu amava números e odiava história. Fazer contas era automático. Tenho raciocínio lógico e rápido”, explica. Mesmo com tais habilidades, ela percebe que não é valorizada, por não se encaixar no estereótipo que o meio ainda exige. “Sinto que as pessoas têm preconceito pelo fato de eu ser comunicativa, por ter a aparência bem cuidada. Parece que não enxergam a minha capacidade analítica. É preciso ser sisuda, introspectiva.” O que Adriana sugere para quem tem filhas? “Quando criança, gostava de quebra-cabeças, palavras cruzadas, brinquedos de encaixar. Esporte ensina a não desistir.”

“A menina que vai bem é dedicada; o menino que tira 10 é um gênio. O olhar para as meninas é sempre de esforço ou perseverança, nunca de genialidade”, afirma a professora Mônica Torkomian (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Mônica Torkomian

Professora de Matemática do Colégio Santa Cruz, 53 anos

Todo mês de maio, há onze anos, os alunos do ensino médio do Colégio Santa Cruz, no Alto de Pinheiros, participam de uma das competições mais esperadas da escola: a Matemagincana. Como o nome já diz, uma gincana de matemática. A atividade não vale nota, mas no último ano 550 adolescentes, de um total de 720, se inscreveram. “Eles se reúnem em grupos e passam uma tarde resolvendo problemas de lógica e solucionando equações. A ideia é mostrar que cada aluno vai bem em alguma coisa”, explica Mônica Torkomian, coordenadora pedagógica e professora de matemática responsável pela atividade. “Sempre achei que a matemática podia ser mais acessível e que existia um jeito de ensinar em que ninguém se sentiria burro”, conta. Formada em matemática pela USP, Mônica sempre questionou o fato de as pessoas serem classificadas em caixinhas, de exatas ou humanas. “Às vezes, o aluno acaba abrindo mão de uma escolha só por causa desse estereótipo”, diz. No seu meio de atuação, ela nota um preconceito velado vindo dos professores homens. “A menina que vai bem é dedicada; o menino que tira 10 é um gênio. O olhar para as meninas é sempre de esforço ou perseverança, nunca de genialidade.” Filha de uma economista e um engenheiro, Mônica lembra- se do pai propondo desafios de estimativa e lógica a ela e aos três irmãos. “Era uma brincadeira para mim, então sempre tive prazer em lidar com números”, recorda. Ao contrário da forma natural como a disciplina permeou sua vida, ela vê o peso que as famílias dão à disciplina. “Muitos pais que têm medo ou nunca foram bem em matemática passam isso às filhas. Fica a mensagem de que é um lugar para poucos. Colocar a matéria num pedestal, fazer inscrição em aula particular muito cedo, isso não ajuda.” Mãe de duas meninas, uma psicóloga e a outra estudante de artes visuais, Mônica viu a caçula dizer que não era boa na matéria. “Ela errava e então se sentia frustrada, mas sempre teve um raciocínio muito bom, e era isso que eu tentava mostrar a ela”, finaliza.

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“A matemática sofre tabus, precisamos cortar o mal pela raiz, assim teremos cada vez mais estudantes com viés matemático”, aposta Leticia Doherty (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Leticia Doherty

Presidente do Instituto Brasileiro de Atuária, 43 anos

Até os 9 anos, a carioca Leticia Doherty tinha muita dificuldade em matemática. “Foi durante as férias escolares que a minha avó, que era contadora, me mostrou de forma muito amorosa que eu lidava com a matemática no dia a dia”, relembra ela. Desde então, graças a esses ensinamentos e a uma professora da escola, matemática se tornou a única disciplina que a menina não precisava estudar. “Prestar atenção na aula e fazer os deveres era o suficiente para ter uma excelente nota.” Mal sabia a avó de Leticia, dona Helyette, que havia plantado na neta a vontade de ser professora. “Eu queria provar para as pessoas que matemática era fácil e estava em tudo, tal como tinha aprendido”, diz. “Acredito que essa é a melhor forma de incentivar as meninas a investir na matemática, da mesma forma amorosa que minha avó fez. A matemática sofre tabus, precisamos cortar o mal pela raiz, assim teremos cada vez mais estudantes com viés matemático”, aposta. Durante a graduação em matemática na UFRJ, Leticia aceitou a sugestão de um professor para fazer uma eletiva de atuária, área que analisa riscos, útil em setores como seguros e pensões. “Eu me encantei e pedi transferência de curso. Concluí minha graduação em ciências atuariais e só confirmei o mundo de oportunidades que teria na vida profissional.” Na faculdade havia, sim, mais meninos em sala do que meninas, mas ela não sofreu discriminação. “Acredito que, quando a mulher exercita o poder de síntese, ela vira referência no ambiente masculino e expande sua versatilidade de ser analítica ou sintética. Uma habilidade e tanto no meio feminino”, diz. Há 23 anos na área criando produtos de seguro e previdência, Leticia é hoje presidente do Instituto Brasileiro de Atuária.

“Na minha época de trainee, éramos duas mulheres entre treze homens”, afirma Elle Braude (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Elle Braude

Planejadora Financeira, 40 anos

“Cresci com meu pai dizendo que trabalhar com números não era coisa para mulher”, conta a planejadora financeira Elle Braude. “Ele era engenheiro, austríaco, construiu a primeira fábrica da Heineken no Brasil. Não me incentivava porque sabia que o ambiente era masculino.” No entanto, ela nunca teve dúvida de sua vocação para as exatas. “Desde os 15 anos queria trabalhar na área financeira, calculando juros”, revela. Elle cursou finanças e negócios internacionais na Universidade de Nova York e logo entrou para o mercado financeiro. “Na minha época de trainee, éramos duas mulheres entre treze homens. Para sobreviver àquele ambiente masculino e às piadinhas, eu precisava ter umas sacadas irônicas. Dava aquela rasteira e todo mundo ficava sem graça”, diz. Ela trabalhou por catorze anos no mercado financeiro, em instituições como Santander e Banco J.P. Morgan. Quando engravidou de trigêmeos — Laura, Helena e Lorenzo —, o plano que guardava para o futuro se tornou sua ocupação. Como planejadora financeira, Elle ajuda famílias na gestão do orçamento, no equacionamento de dívidas e em planejamento tributário. Dos 4 000 profissionais certificados pela Associação Brasileira de Planejadores Financeiros (Planejar), apenas 1 465 são mulheres. “Aprender a lidar com o dinheiro talvez seja uma porta de entrada para ensinar meninas a mexer com números”, acredita Elle. “Incentivar a organizar os brinquedos, podendo ser por categoria ou cor, para estimular o raciocínio lógico. Lembro que, quando eu era pequena, minha mãe me deu um livro de origamis. Aprendi a fazer várias dobraduras, e mais tarde isso facilitou o meu aprendizado em geometria.”

“Ouvia comentários machistas como ‘homens lidam melhor com metas porque as mulheres têm outras prioridades, como filhos’. Era revoltante”, diz Betina Roxo (Alexandre Battibugli)

Betina Roxo

Economista e analista de consumo da XP Investimentos, 27 anos

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lembranças das viagens com a família são fortes na memória de Betina Roxo. Durante o trajeto de carro, a distração era cantar a tabuada e calcular os quilômetros rodados para saber quanto tempo levaria para chegar ao destino. Dos 8 aos 14 anos, ela foi aluna do Kumon. “Fazia conta todos os dias. Para mim, era um prazer, enquanto percebia que para meus amigos era uma obrigação”, diz. Nascida em São José dos Campos, no interior paulista, Betina cresceu vendo os pais, um engenheiro e uma publicitária, fazer previsões. “Minha mãe promovia o lançamento dos prédios que meu pai construía, e eles ficavam calculando o faturamento da venda dos apartamentos”, relembra. Betina enveredou para a economia e se formou no Insper, em 2014. Ela era uma das poucas meninas da classe, mas, como se destacava, não sentia preconceito de gênero. Já no mercado de trabalho a rotina mudou. “Ouvia comentários machistas como ‘homens lidam melhor com metas porque as mulheres têm outras prioridades, como filhos’. Era revoltante”, diz Betina, que trabalhou no banco HSBC, no Bank of America e na Stone Pagamentos. “Passei por situações de não ser ouvida em reuniões”, relata. Betina procurou um coaching para ganhar autoconfiança e conquistar mais credibilidade. Há quase um ano na XP Investimentos, analisando empresas dos setores de consumo, alimentos e bebidas para recomendar compra e venda de ações, ela acredita que, se os incentivos a meninas e meninos fossem igualitários, a ideia de que eles precisam ter trajetórias diferentes seria desmistificada. “Se todo mundo pode gostar, o que leva mulheres a não gostar de números? Às vezes até gostam, mas não sabem. É por causa da cultura e dos preconceitos.”

“Muitas vezes, preciso falar mais alto ou olhar fixo para quem insiste em desviar o olhar”, afirma Viviane Basso (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Viviane Basso

Economista e Diretora de Liquidação da B3 – Bolsa De Valores, 41 anos

Desde seu primeiro emprego como trainee, vinte anos atrás, Viviane Basso trabalha no mercado financeiro, um dos ambientes profissionais mais masculinos que existem. Especialmente na área de operações, em que atua. “Tive a sorte de minha primeira diretora ser uma mulher. Mas claramente somos minoria, principalmente nos cargos mais altos”, diz ela, que entrou na Bovespa aos 21 anos, em 2002 migrou para a BM&F. As duas se fundiram, virando BM&FBovespa e, depois, B3 Brasil Balcão. “Presenciei a cena de estar em um comitê e alguns membros não olharem para mim ou, eventualmente, ignorarem meu voto. Já fui questionada por liderar um grande projeto, por exemplo.” A maneira que encontrou de driblar o machismo do dia a dia foi não supervalorizar a situação. “Sempre respondi com trabalho e busquei crescer com uma base sólida. Não podemos permitir que isso nos limite. Nunca deixei que fosse uma barreira. Muitas vezes, preciso falar mais alto ou olhar fixo para quem insiste em desviar o olhar.” Natural de Campinas, Viviane viu o pai abrir um pequeno comércio de secos e molhados e transformá-lo em um magazine. Seus avós vieram do Líbano e da Síria e reconstruíram a vida no Brasil. “Sempre que tinha oportunidade, ficava com meus avós no setor de pacotes. Com os anos, fui promovida a caixa”, brinca. “Cresci com a referência de que a gente trabalha para conquistar as coisas.” Entre psicologia, artes cênicas e economia, escolheu a última. Estudou na Unesp, em Araraquara, confirmando o gosto que tinha pelo assunto. Como diretora de Liquidação da B3, lidera uma equipe de setenta pessoas. “Sempre fui pragmática, alcançar um objetivo é um valor para mim, me frustra não chegar ao resultado. Mas, muitas vezes, deixava feridos pelo caminho e isso me incomodava. Fui trabalhar essa questão, porque talvez fosse uma maneira de me impor no meio masculino.”

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“Diziam que, se mulher entrasse, o túnel caía, olha o absurdo”, lembra Liedi Bernucci (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Liedi Bernucci

Professora do curso de Engenharia e Diretora da Poli-USP, 60 anos

No fim dos anos 70, quando Liedi Bernucci cursou engenharia civil na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, menos de 5% dos alunos eram mulheres. “Dos 620, éramos apenas 29”, relembra. Passadas mais de três décadas, esse número subiu para 19,6%. “Ainda é pouco”, diz ela, que um ano atrás se tornou a primeira mulher na diretoria da Poli, desde a sua fundação, em 1893. “Muitos se incomodam ao ver uma mulher ascendendo. Tem gente que não me engole aqui. Mas é preciso ser respeitada pela competência.” Antes de chegar ao cargo, Liedi foi vice-diretora por quatro anos e chefiou o Departamento de Engenharia de Transportes por outros sete; e é docente desde 1986. Na sua época de estudante, ela lembra, mulher não podia descer às minas. “Diziam que, se mulher entrasse, o túnel caía, olha o absurdo.” Na sala de aula, encontrou o respeito dos colegas, mas também o preconceito por parte de alguns professores. “Um deles contava quantas meninas havia e dizia: ‘são X vagas perdidas’”, recorda. “Não tinha para quem reclamar. Mas eu conseguia transformar o machismo em mais um desafio.” Paulista da cidade de Jarinu, no interior, foi criada com liberdade. Seu pai, dono de uma padaria, e sua mãe, dona de casa, nunca restringiram as vontades das filhas. Liedi, a caçula, gostava de construir os móveis e as casas das bonecas. “A minha família não tinha tradição machista. Nos anos 60, a minha avó me dava carrinhos, meu pai me levava a competições de autorama, onde eu era a única menina. Nunca senti nenhuma pressão, e isso foi um diferencial para a minha autoestima”, acredita. Com mais três anos pela frente na direção da Poli, Liedi vê urgência em fazer um movimento pelas jovens na ciência e na tecnologia. “O exemplo é importante, mas não suficiente. Fui vice-diretora por quatro anos, mas a porcentagem de mulheres se manteve nos quase 20%. É preciso pensar em ações efetivas. Precisamos ir às escolas e convidá-las para oficinas.”

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 13 de março de 2019, edição nº 2625.

 

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