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Feira de intolerância: moradores da Mooca protestam contra construção de moradias populares

Parceria público-privada da Habitação deve levar 2 000 unidades habitacionais ao bairro e gerar a remoção de uma feira-livre

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 Maio 2024, 20h06 - Publicado em 11 jun 2021, 06h00

Promessa de campanha do falecido prefeito Bruno Covas, a parceria público-privada da Habitação vai levar 2 000 unidades habitacionais a quatro terrenos da Mooca, na Zona Leste, todos pertencentes à prefeitura e três deles em estado de ociosidade. Dois desses espaços ficam próximo ao Viaduto Bresser, na rua de mesmo nome, em áreas que abrigam um depósito de sucatas e uma feira livre que ocorre três vezes na semana (duas delas com baixíssimo movimento e resumidas a duas ou três barracas). As obras serão iniciadas em agosto e ficarão prontas em um ano e meio.

Hoje, quem transita por ali encontra as respectivas calçadas externas deterioradas, esburacadas e imundas. Ao lado do muro da Rua Itajaí há um ponto de descarte irregular de entulhos e lixos.

No local, serão construídos 840 apartamentos residenciais, voltados para públicos com renda mensal a partir de três salários mínimos (3 300 reais), cadastrados na Secretaria da Habitação. Cada edifício terá nove andares, não possuirá vaga de garagem (haverá apenas algumas rotativas para pessoas com deficiência e de carga e descarga) e será rodeado por uma praça aberta com cerca de 2 000 metros quadrados. Não haverá muros.

A ideia do consórcio Teen Imobiliário, formado pelas empresas Telar e Engeform, é abrir os terrenos, hoje cercados. “Os prédios terão lojas no térreo, com serviços que hoje não existem por ali”, afirma Gustavo Partezani, um dos diretores da empreitada.

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A imagem mostra um croqui da região da Mooca e como ela fica com a construção dos novos prédios
Croqui no detalhe: feira transferida (Reprodução/Divulgação)

Depois que o empreendimento ficar pronto, a construtora vai assumir a sindicância dos condomínios por um período de dois anos, para que os futuros moradores sejam treinados para administrar os espaços depois. “Vamos reeducar as pessoas para morar no condomínio. Muitas delas não têm familiaridade com convívio predial, mas iremos assessorá-las. Não é só fazer a obra e sair de lá. Além disso, vamos pintar as fachadas a cada cinco anos, por vinte anos. Isso tudo está previsto no contrato”, diz Partezani.

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Além de entregar as obras e gerenciar os condomínios, o consórcio deverá realizar uma série de contrapartidas na região. Entre as solicitações de órgãos da prefeitura estão a construção de uma Unidade Básica de Saúde (orçada em 5 milhões de reais) e de faixas de ciclovias e ciclorrotas (8 milhões de reais).

Terreno na Mooca cercado com grade
Terreno cercado na Mooca, em foto da última quarta-feira (9): ao fundo, feira com duas barracas (Sérgio Quintella/Veja SP)

Entre as consequências do projeto estão a remoção da feira, uma das maiores de São Paulo. No Portal da Mooca, página com notícias do bairro, uma postagem sobre a alteração gerou mensagens de intolerância por parte da turma do “não no meu quintal”. “Meu Deus, estão acabando com a Mooca. Já não basta a favela que tiraram da Radial e jogaram para dentro da Mooca. Agora querem tirar a tradicional feira para colocar moradia popular. Por que não fazer moradia nas periferias?”, questionou um dos seguidores da página.

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Outro postou: “Quando tem um CDHU a desvalorização dos imóveis ao redor é eminente (sic). Sou super a favor das moradias populares, mas não nesse terreno em específico”.

Por outro lado, há quem tenha se indignado com algumas declarações preconceituosas. “Olha, eu amo essa feira mas lendo alguns comentários aqui, dá desgosto ser considerada ser humano como vocês. Não é possível ter esse lado do ser humano tão perverso a ponto de falar que ao trazer uma moradia popular traria favelados. Muitas pessoas que moram na periferia não conseguem trabalho por morarem longe dos centros urbanos e isso vira um ciclo sem fim. Repensem”.

Procurado, o subprefeito José Rubens Domingues Filho afirmou que a feira não vai acabar, apenas será removida para um local próximo. Entre as alternativas estão a própria Rua Bresser e uma parte do Distrital da Mooca, onde fica a administração regional. Não há uma data definida.

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Localizado no espaço da feira, um posto do Centro de Zoonoses também será removido para um local próximo, ainda não definido.

Calçada na Rua Bresser, na Mooca
Buraco na calçada que foi “fechado” com lixo: muro com os dias contados (Sérgio Quintella/Veja SP)

Essa não é a primeira vez que parte dos moradores do pedaço se revolta contra habitações populares. Pertencente ao mesmo lote da parceria público-privada, um terreno que abriga uma horta comunitária na Praça Alfredo Di Cunto, localizada na Radial Leste, perto dali, vai virar um empreendimento com 300 apartamentos. Ali também haverá comércio no térreo. A vegetação existente não será suprimida, promete o consórcio.

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Em 2011, cerca de oitenta pessoas deram um abraço coletivo no espaço. No ano passado, um abaixo-assinado colheu 4 000 assinaturas. “A parceria público-privada é uma inovação arrojada na nossa política pública de habitação e vai mudar a cara da nossa cidade”, afirma o secretário de Habitação, Orlando Faria.

Sobre a resistência de parte da população, o consórcio diz que tudo será feito com diálogo. “Estamos ofertando espaços públicos, fachadas ativas (comércios nos térreos). Esse é um projeto que quebra a impressão que algumas pessoas têm de incorporação de muros. Estamos dialogando com o pessoal da horta, vamos deixar o jardim aberto, tem uma série de ações. A gente tem outras experiências na cidade”, ressalta Gustavo Partezani. “A Mooca tem mix social muito grande. Tem gente mais rica, mais simples, tem idosos, jovens, crianças. Esse mix é bom para a cidade e os bairros.  Vamos preservar as áreas verdes. Ninguém perde, só ganha”.

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Publicado em VEJA São Paulo de 16 de junho de 2021, edição nº 2742

 

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