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O sucesso de Monja Coen, a budista celebridade

Ela atua como youtuber bem-sucedida, lança livros com tom de autoajuda e ganha espaço no circuito de palestras motivacionais para grandes empresas

Por Ana Carolina Soares, Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
9 jun 2017, 18h08

Com mais de 600 000 acessos, o vídeo Ponto de Virada explica como superar as perdas da vida. Além desse filme, há outros na mesma linha na playlist do Mova, canal do YouTube que aborda o tema do bem-estar. A maioria não ultrapassa dez minutos de duração. Como Desenvolver o Amor Próprio, O Sentido do Casamento nos Dias de Hoje, Como Deve Ser a Relação da Empresa com Seus Funcionários e Como Lidar com a Depressão são outros assuntos tratados.

A figura diante das câmeras não é nenhum dos mais conhecidos gurus do mercado motivacional. Com a cabeça raspada, uma túnica no corpo e um sorriso sereno no rosto, quem aparece ali dando conselhos sobre tópicos variados é a monja Coen. A religiosa dá aquela força ao internauta com um discurso cheio de máximas, como “nada dura para sempre” ou “a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional”.

Sua simpatia, os conhecimentos monásticos e a capacidade de comunicação atraem cada vez mais fãs. O espaço acumula 188 000 inscritos, número mais de cinco vezes superior ao do escritor Augusto Cury, um dos mais conhecidos nomes da lucrativa área de autoajuda. “Quero espalhar os ensinamentos da minha filosofia usando os recursos modernos”, afirma a monja. “Se vivesse hoje, Buda não sairia da televisão ou das redes sociais.”

No sofá de Danilo Gentili: “Se Buda vivesse hoje, iria a programas de televisão” (Roberto Nemanis/SBT/Veja SP)

No próximo dia 22, às 19h30, ela deverá entrar na era do streaming (transmissão ao vivo), apresentando uma palestra sobre seus 70 anos de vida (35 deles em monastério) no Teatro Cásper Líbero, na Avenida Paulista. Os ingressos, ao preço de 60 reais para cada um dos quase 420 lugares, esgotaram-se em cinco dias. Antes da apresentação, haverá a première do documentário Coen35, focado no caminho budista da monja. O filme foi realizado por André Szilágyi, sócio-diretor do canal Mova e seu genro-neto. Foi dele a ideia de pôr a sogra-avó na rede, em outubro de 2014. “Está nos planos também um longa-metragem ou uma série sobre toda a sua vida”, revela o videomaker.

Material não falta para essas produções. Quem ouve Coen contar sua história fica com a sensação de que Buda convocou Nelson Rodrigues, Quentin Tarantino, Cameron Crowe e Akira Kurosawa, juntou todos em uma mesinha de algum quiosque do Mercado Municipal (um dos points preferidos dela na cidade) e ordenou-lhes que caprichassem no roteiro do karma da moça.

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Cláudia Dias Baptista de Souza, seu nome de batismo, nasceu no bairro de Campos Elíseos em junho de 1947. “Meu amigo frei Josaphat, da Igreja São Domingos, sofreu um golpe depois que bandidos tiveram acesso a seus dados pessoais e levaram seu dinheiro. Impressionada com o caso dele, não falo o dia do meu aniversário”, afirma.

De família de classe média, conviveu bastante com os primos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, dos Mutantes. Acompanhou ensaios da banda na Serra da Cantareira e fez passeios de moto com os roqueiros pela metrópole. A parte mais pesada de sua biografia reúne abusos na infância por parte de um tio, um casamento mal sucedido aos 14 anos (trocou alianças outras quatro vezes), uma gravidez e um divórcio aos 17. “Via minha mãe como minha irmã mais velha”, diz a psicóloga Fábia Scavone, 52, que acabou sendo criada pela avó Branca Dias.

Ao lado do músico Criolo: discípulos famosos no templo (Divulgação/Veja SP)

Cláudia teve vários trabalhos. Na cidade, atuou como repórter (e musa boêmia) no extinto Jornal da Tarde. Depois, fez bicos em Londres, na Inglaterra, e em Los Angeles, nos Estados Unidos, como assistente de backstage dos astros da música pop Alice Cooper e David Bowie. Nesses casos, ajudava o seu marido na época, o iluminador americano Paul Weiss. Em 1972, ficou presa por três meses na Suécia por tráfico de LSD.

No período mais negro dessa fase desregrada, tentou o suicídio e encarou dois abortos induzidos. “É uma violência para o bebê e para a mulher, carrego isso na minha história e procuro transmitir mensagens a outras meninas ou mulheres para que não passem por situações que eu precisei enfrentar”, conta, serena.

Fã dos Beatles, experimentou a mesma meditação transcendental do guitarrista George Harrison. Em Los Angeles, encantou-se com o budismo e largou de vez o “rock’n’roll life style”. “Hoje em dia, prefiro músicas mais suaves e não iria a um show em estádio, fiquei mais sensível.” Virou monja em 14 de janeiro de 1983 nos Estados Unidos. Adotou o nome Coen (que significa “um só círculo”) e viajou para o Japão para se aprimorar na filosofia. Voltou para a cidade natal em 1995 casada com um monge japonês, Shozan Murayama.

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No ano seguinte, foi eleita presidenta da Federação das Seitas Budistas do Brasil, com mandato de um ano — aliás, foi a primeira vez que uma monja de origem não japonesa ocupou tal posição. Separou-se em 2001, e desde então segue feliz no celibato. Sobre (a falta de) sexo, costuma brincar. “Não sinto falta; afinal, o que a gente não usa atrofia”, conta, às gargalhadas.

No mesmo ano do divórcio, fundou a própria comunidade, a Zendo Brasil, com sede no sobrado em que passou a infância, bem em frente ao Estádio do Pacaembu. “Adoro este lugar, é o coração da cidade”, declara-se. Paga aluguel à irmã mais velha, Branca, de 72 anos. “Sonho em comprar um espaço maior, um templo urbano, com grandes jardins e salões para receber mais pessoas”, diz.

Enquanto os discípulos virtuais se multiplicam no patamar dos milhares, os frequentadores da casa não ultrapassam oitenta. Entre os eventuais, algumas celebridades, como a escritora Gisela Rao e o cantor Criolo.

Uma de suas principais fontes de renda hoje são as palestras corporativas. Caixa Econômica, Bradesco e Sesc, entre outras instituições, já contrataram os serviços da monja, a um cachê médio de 15 000 reais. Em março de 2016, após várias apresentações de CEOs como Rodrigo Abreu, da Tim, e Paulo Nigro, da Aché, a religiosa subiu ao palco do SAP Forum, evento em São Paulo para 4 000 participantes da área de TI.

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Em Los Angeles: cerimônia para se tornar monja, em 1983 (Acervo pessoal/Veja SP)

“Ela pôs o pessoal para meditar e muitos até choraram, pois, com seu discurso, fez uma conexão entre a tecnologia e o lado pessoal dos participantes”, lembra Ricardo Kazuo, diretor de marketing da SAP. No ano passado, chegou a realizar sete eventos em meses mais movimentados. Mas em agosto Coen sofreu uma crise de herpeszóster (inflamação aguda ligada à baixa resistência, que leva a dores e erupções na pele) e precisou desacelerar. Atualmente, baixou para três a média de eventos do tipo a cada mês. O dinheiro amealhado sustenta as atividades do templo do Pacaembu. “Amo trabalhar, mas meu corpo deu o recado de que já não sou mais uma mocinha”, resigna-se.

Devido às limitações físicas, Coen trocou também seu hobby, as corridas de 5 quilômetros, por caminhadas diárias no estacionamento do estádio (com direito a paradas nas barracas de frutas e de pastel em dias de feira), mas segue com agenda de executiva workaholic. Começa a liderar as atividades no templo com uma reza às 6 da manhã, coordena cursos, práticas de meditação e só dorme por volta da meia-noite.

A equipe grava os vídeos do YouTube durante as palestras mensais ou corporativas e, quando há brechas, a monja responde a perguntas dos internautas. Ela comanda um programa na rádio Mundial (FM 95,7 e AM 660) às segundas, às 19h30, e finaliza ao mesmo tempo dois livros. Depressão será lançado em 23 de julho pela Bella Editora e custará 45 reais. Instantes Zen, da Editora Planeta, ainda não tem previsão de data para chegar às livrarias.

Fãs a reconhecem quando anda pelas ruas do bairro, aeroportos e shoppings. Ela nunca nega selfies a quem a aborda e até se deixa envolver em abraços calorosos. Só tira o traje religioso para caminhar e fazer ioga. Em termos de alimentação, é uma budista heterodoxa. Frequenta praças de alimentação e volta e meia se permite um combo do McDonald’s. No início do mês, surpreendeu-se ao ver seu rosto tatuado no antebraço de uma jovem de 20 e poucos anos. “Ela disse que meus vídeos a curaram de uma depressão e fiquei realmente grata em constatar como a tecnologia pode salvar”, conta a youtuber budista.

A neta Rafaela e o bisneto Mahao: vida na Zona Oeste (Acervo pessoal/Veja SP)

IPHONE, LATIDOS E PACAEMBU

Nomes: Cláudia Dias Baptista de Souza, rebatizada em 14 de janeiro de 1983 de Coen (“um só círculo”, em japonês).

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Local de nascimento: bairro de Campos Elíseos, em junho de 1947.

Família: filha de José de Souza, secretário particular do ex-governador Adhemar de Barros, e da pedagoga Branca Dias. Passou por cinco casamentos, teve uma filha (Fábia, 52, psicóloga).

Endereço: um sobrado alugado em frente ao Estádio do Pacaembu. Lá, fez seu templo e mora com a neta, Rafaela, 25, o marido dela, André, 29, e o bisneto, Mahao, 3.

Conectada: tem um iPhone 6S na cor pretinho básico com capa transparente, usa todas as funções e não se separa dele. O toque do telefone é latido de cachorros (uma de suas paixões: tem quatro viralatas e um labrador). Fala com discípulos e familiares pelo WhatsApp.

Paladar: boa de garfo, aprecia caldos, pastel, frutas e, de vez em quando, até lanches do McDonald’s.

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Temperamento: luta contra o jeito enérgico. Lembra que na semana passada ficou brava com o bisneto porque ele batia na neta. “Dei um pequeno empurrão, mas como atitude de compaixão.”

Política e futebol: não fala, para evitar brigas. Mas amigos garantem que ela usa a camisa do Corinthians por baixo do traje em dia de jogo. Também foi à passeata na Avenida Paulista contra o impeachment de Dilma Rousseff.

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