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Mínimas coisas

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h44 - Publicado em 18 set 2009, 20h19

Tanto quanto as grandes invenções da humanidade, como a roda, a escrita, os números, a fissão nuclear, a fibra óptica, intrigam-me as pequeníssimas, despercebidas criações, achados, sacadas, presentes em nossos gestos ou nas tarefas diárias. Tão comuns que a gente nem repara, mas exigiram inteligência, observação e habilidade, lá no começo. Muitas nasceram de experimentações que talvez tenham levado séculos para se tornar primeiro uma coisa que se aprendia imitando, e depois um gesto que nem é preciso pensar para fazer.

Não sei se estão me entendendo. Talvez eu esteja complicando. Vou dar um exemplo que não é o que estou querendo dizer, porque certas coisas são mais fáceis de explicar pela negação. Por exemplo: se coçar. É uma coisa maravilhosa, fonte de alívio, conforto e prazer. Uma ação que pode ter levado milênios para se tornar uma habilidade comum. Mas o coçar-se não se aplica ao que estou querendo dizer, porque até um recém-nascido se coça, numerosos bichos se coçam, todos resolveram um problema comum do mesmo jeito, e estou pretendendo falar é de pequeníssimas habilidades que o homem desenvolveu para si.

Por exemplo: assoar o nariz para dentro. Para fora, há bichos que fazem, ou seja, obrigar o ar dos pulmões a sair com força pelas narinas, para se livrar de muco ou de algum incômodo. E para dentro? Como é que se chama assoar o nariz para dentro? É fungar, aspirar, mas esses verbos não explicam muito bem. Em Minas existe “sungar o nariz” –mas como se chama isso em lugares de gente menos esquisita? As crianças contam uma piada que é baseada nisso, mas contam imitando o gesto, e não nomeando-o com palavras. A piadinha é uma pergunta e uma resposta: “Por que o nariz da vaca pinga?” “Não sei. Por quê?” “Porque ela não sabe fazer assim, ó” (e quem conta sunga o nariz).

Outro exemplo: soprar. Para avivar um fogo. Sem essa tecnologia simplíssima, como teria o homem prevalecido, mantido a chama? Soprar alivia uma dor, uma ardência. Esfria uma sopa, mantém no ar uma pluma, seca o esmalte, eriça os pêlos da nuca…

Outro bem mais recente, porém esperto: como o homem aprendeu, e esse conhecimento passou de geração para geração, que dobrando uma folha de papel, vincando com a ajuda da unha do polegar, depois desdobrando e puxando com jeito cada parte da dobradura poderia partir o papel certinho, retinho, exatamente onde pretendia?

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Mais um exemplo, uma criação sem registro, sem data, uma habilidade pequena e preciosa: dar um nó. Tem coisa mais criativa, mais útil, mais bem sacada e anônima, perdida na memória dos milênios?

E como alguém percebeu que fechando um olho a pessoa melhora a precisão da sua pontaria? Pelo raciocínio, pode-se concluir que a grande sacada da pontaria aconteceu com o desenvolvimento do arco e da flecha, situado pela Cronologia das Ciências e das Descobertas, de Isaac Asimov, em torno de 20 000 anos a.C. Atirar lanças e pedras não exigia esse tipo de mira. Quantos mil anos foram necessários para afinar e difundir essa habilidade? Todos os povos flecheiros do planeta miram assim. Os atiradores de armas de fogo herdaram esse conhecimento. Pequenas coisas, grandes coisas.

Como se descobriu que, colocando a mão aberta em pala na testa, acima dos olhos, se cria uma proteção contra o sol? Nenhum animal inteligente sacou isso, só o homem.

Termino com o adeusinho. Tem coisa mais simpática, mais da paz, mais comunicativa, mais civilizada do que um adeusinho?

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