O novo círculo

Confira a crônica da semana

Por Mário Viana
Atualizado em 14 jul 2017, 16h34 - Publicado em 13 jul 2017, 18h48
 (Attílio/Veja SP)
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O poeta italiano Dante Alighieri, que viveu no século XIV, comeu o pão que o diabo amassou, mas nunca frequentou reuniões de condomínio. Se tivesse passado pela experiência, com certeza teria acrescentado um décimo círculo ao Inferno da Divina Comédia. Quem teve a ideia de reunir os moradores de um prédio, chamados pomposamente de condôminos, não carregava Deus no coração.

Assembleias ordinárias são fundamentais para manter em bom funcionamento o microcosmo de um prédio residencial. Alguém precisa ficar de olho nas despesas e fiscalizar o síndico, por mais transparente e honesto que ele seja. É sempre bom saber que existe um morador vigiando para que ninguém deixe lixo no meio do caminho ou cuidando para que a pintura das paredes, renovada a cada semestre, continue impecável.

Mas será que é preciso fazer tudo isso aos berros e, pior, despejando no ralo as boas maneiras que mamãe ensinou? Para quem nunca esteve numa reunião de condomínio, o melhor paralelo é o destempero das redes sociais. É isso: encontro de moradores é um Facebook ao vivo, com direito a “eu devia quebrar a sua cara”, “ladrão é a sua avó” e outras gentilezas do gênero.

Meu amigo Kiko morou num prédio, na Bela Vista, em que a síndica esfaqueou um morador durante uma reunião. Depois de cumprir pena, ela voltou e foi reeleita para o cargo.

Já participei de reuniões em que os condôminos arquitetavam maneiras de conduzir o zelador a fazer algo que gerasse uma demissão por justa causa e livrasse o prédio dos onerosos direitos trabalhistas. A proposta foi rechaçada. Em outra ocasião, alguém queria legislar sobre o horário de receber visitas no edifício. “Dez da noite não é hora de chegar à casa de ninguém”, vociferava o espírito de porteiro, também derrotado em votação.

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Há quem frequente reunião de condomínio com prazer indisfarçável. Advogados aposentados aproveitam o momento para exibir um vocabulário rebuscado, com frases cheias de volteios e palavras com mais de quatro sílabas. Senhorinhas que já atuaram como secretárias executivas, além de usar o figurino vintage, mostram-se vigilantes como falcões à procura dos erros do síndico com quem antipatizam há décadas.

Jovens casais, em agasalhos gêmeos, acham que tudo é lindo, bastando apenas eliminar todos os gatos do prédio, porque a fofa tem alergia. O morador novo não quer se envolver em nada, pois não sabe em que terreno está pisando. Para ser simpático, vota com a maioria.

Ainda há os engajados, que querem modernizar tudo. Em edifícios antigos, onde a última palavra em tecnologia é o aparelhinho que aciona o portão da garagem, falar em inovação é convocar as legiões do inferno. Os engajados prometem não sossegar enquanto o prédio inteiro não tiver wi-fi liberado em todos os andares. Às vezes, a fiação elétrica é do tempo da manivela, mas o que eles querem mesmo é internet grátis.

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A troca de olhares durante a reunião é cheia de intenções. Moradores que não se conhecem se medem, tentando descobrir um aliado ou um inimigo. Quem merece ser ignorado no elevador e quem merece um bolinho de fubá no fim de semana?

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