Como a febre amarela alterou a rotina dos moradores de Mairiporã

Cidade campeã em número de casos da doença no país vive em estado de alerta e acumula prejuízos no comércio

Por Ana Carolina Soares
Atualizado em 25 jan 2018, 06h00 - Publicado em 25 jan 2018, 06h00
O Refúgio Cheiro de Mato: repelentes de graça para os hóspedes (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Localizada a 50 quilômetros da capital e com 95 000 habitantes, Mairiporã recebe por ano cerca de 2 milhões de visitantes, atraídos pela Serra da Cantareira, a maior floresta nativa urbana do mundo. No fim de 2017, a esse cenário, que rende aproximadamente 400 milhões de reais em turismo, o início do surto de febre amarela trouxe uma ameaça. O lugar detém hoje o nada honroso título de campeão brasileiro da doença, com 42 casos de pessoas infectadas (das quais catorze acabaram morrendo), conforme dados divulgados na segunda (22) pela Secretaria de Saúde.

Como o município não tem estrutura para atendimento, boa parte dos pacientes foi encaminhada a instituições paulistanas, como os hospitais Emílio Ribas e das Clínicas. A cidade registra metade dos episódios do Estado de São Paulo, o mais afetado do Brasil.

Febre Amarela Mairiporã
Placa no Parque Linear: alerta da prefeitura (Leo Martins/Veja SP)

No dia 13, a prefeitura local decretou estado de calamidade pública por 180 dias. A medida permite a contratação emergencial de servidores, o remanejamento de funcionários para ações de combate à doença e até a invasão de imóveis particulares sem a necessidade de autorização do proprietário.

Mais de 100 000 pessoas foram vacinadas na cidade desde o início da crise — ou seja, muita gente de fora foi até lá atrás do medicamento. No dia 17, devido às filas enormes nos postos de saúde do município, tornou-se necessária a apresentação de comprovante de residência para conseguir uma dose. “Sofremos uma invasão de paulistanos em busca da imunização”, diz a secretária municipal de Saúde, Grazielle Bertolini. A decisão reduziu drasticamente o movimento nas unidades de atendimento.

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Nos corredores do Hospital e Maternidade de Mairiporã, o principal da região, funcionários comentam que o número de casos na cidade seria quase o dobro do oficial, o que a Secretaria de Saúde municipal não confirma. Em algumas situações, a transferência dos pacientes para São Paulo ocorreu tarde demais.

No dia 1º, o técnico de refrigeração Anderson Santos, de 31 anos, sentiu enxaqueca e dores no corpo. Em quatro consultas ao médico, recebeu os diagnósticos de sinusite, infecção urinária e gases, até ser finalmente identificada a febre amarela. Em 5 de janeiro, em estado grave, foi levado ao Hospital Franco da Rocha, onde morreu, no dia 9. “Se ele tivesse sido tratado, teria resistido”, diz a irmã, Jane Santos.

O cenário de pânico vai além da saúde pública e pôs “de molho” a economia da cidade. A Associação de Desenvolvimento Turístico de Mairiporã (Adtur) estima queda de 40% no número de visitantes neste início de ano. Isso afetou o aluguel das casas de veraneio em vinte condomínios da região, fora os cerca de 100 espaços de eventos, que atraem 25 000 pessoas por fim de semana.

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Chama e Cristiane: campanha pela volta dos turistas (Alexandre Battibugli/Veja SP)

O Sítio do Picapau Amarelo, clube que reúne aproximadamente 350 turistas por mês, fechou as portas no período de maior movimento, com prejuízo de 45 000 reais. “Talvez ele seja reaberto só na segunda quinzena de fevereiro”, diz o executivo de vendas Márcio Afonso.

Para tentarem sanar o problema, a prefeitura e a Adtur espalharam cartazes com dicas de prevenção contra a doença em parques, como o Linear, e estabelecimentos, entre eles a Pousada Casarão. “Nossas reservas diminuíram”, lamenta o dono, Jorge Chama. Outros locais oferecem soluções para atrair o cliente. O resort Refúgio Cheiro de Mato disponibilizou para os hóspedes oito totens com repelentes. “Estamos com 20% de nossa capacidade”, afirma o gerente Antônio Pereira. Os comerciantes fazem campanha pela volta do turista. “Quem tomou a vacina há mais de dez dias pode vir sem medo”, diz Cristiane Silva, presidente da Adtur.

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Além do fato de a cidade estar instalada em uma região de mata, hábitat dos mosquitos das espécies Haemagogus e Sabethes, que transmitem a febre amarela, especialistas assinalam a demora na tomada de medidas como causa do panorama de Mairiporã. “O vírus circula por ali desde 2015. A campanha de vacinação deveria ter começado naquela época”, aponta o médico Maurício Nogueira, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.

Na capital, mais de 1,3 milhão de pessoas foram vacinadas nos postos públicos nas últimas semanas. A espera na fila chegava a ser de mais de seis horas, com a ocorrência de tumultos, invasão e acampamentos montados na porta desses locais. O início da campanha com a dose fracionada estava marcado para quinta (25) em dezesseis distritos, a maioria deles nas zonas Sul e Leste.

Nas cerca de vinte redes de clínicas particulares da cidade, as vacinas se esgotaram. A previsão é que elas voltem a circular apenas em março. No dia 23, o governo do estado anunciou o fechamento do Zoológico de São Paulo e do Jardim Botânico, ambos na Zona Sul, depois que um macaco bugio foi encontrado morto por febre amarela na região.

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