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A maior luta de Maguila

O mais bem-sucedido peso-pesado da história do boxe nacional está internado há quase três meses e briga contra o processo de demência e um tumor no pulmão

Por Alexandre Nobeschi
Atualizado em 27 out 2020, 19h49 - Publicado em 19 jul 2014, 00h00
Adilson Maguila
Adilson Maguila (Rodrigo Capote/ Uol / FolhaPress/)
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Em 20 de abril, parentes e amigos se reuniram no Cemitério Parque Flamboyant, na cidade de Campinas, para o enterro de Luciano do Valle, vitimado por um infarto aos 66 anos. Uma das pessoas presentes chegou caminhando com dificuldade. O corpo, antes uma fortaleza, revelou-se alquebrado. A fala saía quase inaudível. Apesar das precárias condições, o ex-lutador José Adilson Rodrigues dos Santos, de 56 anos, fez questão de sair de sua casa, no bairro paulistano da Penha, para prestar uma última homenagem ao locutor esportivo que narrou os seus combates e empresariou o principal período de sua carreira. Foi a última aparição pública de Maguila.

O mais bem-sucedido peso-pesado da história do boxe nacional trava uma luta maior e mais dramática: a doença de Alzheimer e um processo de demência são seus principais adversários agora. Embora tenham sido diagnosticados em 2010, só mais recentemente esses problemas começaram a debilitar muito sua saúde. A decadência física se acelerou nos últimos meses e a situação preocupa médicos e família. Na semana passada, quando o nocaute para o americano Evander Holyfield em Lake Tahoe, nos Estados Unidos, completou 25 anos, derrota que acabou com o seu sonho de disputar o título mundial com Mike Tyson, o supercampeão da época, Maguila contabilizava também quase três meses de internação hospitalar.

Cinco dias depois de comparecer ao sepultamento de Luciano do Valle, ele deu entrada na Santa Casa de Misericórdia, no bairro de Santa Cecília, com pneumonia e desidratação. As primeiras horas de tratamento se tornaram ainda mais tensas após o resultado de uma ressonância magnética mostrar um tumor no pulmão direito. O nódulo mede 2,6 centímetros de largura por 2,1 centímetros de altura. A gravidade permanece uma incógnita, pois essa definição depende de uma bateria de exames que ainda não puderam ser realizados.

Se o tumor for maligno, os profissionais encarregados do caso terão dificuldades para usar contra a doença as armas mais eficazes da medicina, devido ao frágil estado de saúde atual do paciente, e se concentrarão apenas nos cuidados paliativos. O câncer de pulmão é um dos tipos mais agressivos, com letalidade superior a 90%. “Estes têm sido os piores dias da minha vida”, desabafa a esposa, Irani Pinheiro, de 48 anos.

Nascido em Aracaju, Sergipe, aos 12 anos de idade Maguila veio para São Paulo. Trabalhou como servente de pedreiro antes de tentar a sorte no ringue. Sua carreira decolou nos anos 80, quando passou a ser empresariado pela Luqui, que tinha Luciano do Valle como um dos sócios. Antes da derrota para Holyfield, acumulava no currículo 35 vitórias, entre as quais 27 por nocaute, e apenas dois reveses. O esforço para alavancar seu nome o colocou diante de uma série de adversários de quinta categoria, incluindo amadores como um metalúrgico, um cantor de cassino e um operário da construção civil. Muitos desses combates pareciam farsas armadas, mas Maguila foi avançando no esporte e aproveitou a onda.

Adilson Maguila

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A fama conquistada nas lutas transformou-o em uma figura pop. Virou garoto propaganda de empresas que exploravam nos comerciais seu jeitão simplório e carismático (“Esta porta é mutcho resistente!”, dizia ele numa das peças de maior sucesso na época, anunciando as qualidades do produto da Eucatex). Ele também estrelou programas televisivos (figurou até de “comentarista econômico” no Aqui Agora, do SBT), lançou CD de samba e tentou se eleger deputado federal em 2010, recebendo menos de 3 000 votos, número insuficiente para emplacar na Câmara.

O esporte que o consagrou, suspeitam os médicos, é também o principal responsável por levá-lo à lona. A exemplo do que ocorreu com a maior figura do boxe nacional, Eder Jofre, de 78 anos, Maguila pode ter sido golpeado pela chamada demência pugilística, distúrbio ocasionado por pancadas sucessivas na cabeça. A comprovação desse diagnóstico só pode ser feita por meio de dois procedimentos: a biópsia, com retirada de parte do tecido cerebral, ou a necrópsia.

Conhecido por seu bom humor e pelo jeito espirituoso, ele passou nos últimos tempos a ter surtos de agressividade. Em um dos acessos, em 2009, discutiu com um segurança do Parque Ecológico do Tietê. Acabou na delegacia por tê-lo agredido. Outro caso de cólera ocorreu em uma passagem pelo Hospital das Clínicas para ajuste de sua medicação, quando teve de ser contido pela equipe de enfermagem. Eram os primeiros sinais de que ele estava saindo do prumo. A irritabilidade é um dos traços da doença e, para controlá-la, após uma recusa inicial, Maguila passou a tomar três remédios diariamente, entre eles o calmante clonazepam, mais conhecido como Rivotril, o que tem surtido efeito, diz o geriatra Renato Fabbri, que acompanha o caso. “No máximo, ele solta alguns palavrões”, afirma.

A memória de Maguila, embora falhe, ainda não apresentou abalos significativos. Os lapsos mais comuns até agora são os relacionados ao senso de orientação. Um dos seus irmãos, José Maurício Rodrigues dos Santos, de 62 anos, conta que, em 2010, ao se dirigirem para a casa da mãe, Jolinda Rodrigues dos Santos, em Itaquaquecetuba, a 30 quilômetros de São Paulo, o ex-boxeador esqueceu o que estava fazendo. Em outra ocasião, saiu para andar de bicicleta pela Penha e, depois de vagar por horas, ligou para sua própria residência perguntando onde estava. Por outro lado, sua capacidade para recordar experiências de um passado mais remoto não foi afetada. Ele guarda o nome e a fisionomia das pessoas com quem sempre teve contato.

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Maguila é um paciente sem previsão de alta, razão que o levou a ser transferido na metade do mês de maio da Santa Casa para o Hospital Geriátrico Dom Pedro II, no Jaçanã, Zona Norte. Está em um apartamento individual. Um grupo multidisciplinar, formado por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e nutricionistas, tenta retardar os efeitos das doenças degenerativas e irreversíveis. Diariamente, por exemplo, Maguila submetese a exercícios destinados à fala e à deglutição. Um dos treinos consiste em ficar mandando beijinhos, para reforçar a musculatura da face e do pescoço. No começo, o paciente resistia ao tratamento, mas passou a colaborar mais de uns tempos para cá.

O vigor físico do auge da carreira já havia dado lugar a uma silhueta roliça depois de 2000, quando parou de lutar. Nessa fase, chegou aos 145 quilos. Nos últimos seis meses, devido às complicações da doença, seu peso foi caindo paulatinamente e passou de 106 quilos para os atuais 86. Nos bons tempos, dono de um apetite pantagruélico, Maguila organizava churrascos cuja fartura era tamanha que até os cachorros ganhavam picanha — na época era patrocinado pelo falecido Marcos Bassi, do Templo da Carne.

Hoje, ele não sabe mais o que é mastigar. Desde que foi internado, é alimentado por sonda. A cada três horas, entre 300 e 400 miligramas de um composto alimentar passam pelo cateter e chegam diretamente ao estômago do ex-campeão. Ficar sem comer o deixa impaciente. “Digo a ele para ter calma”, conta Irani. “Se pudesse cozinhar para o Maguila, faria carne de panela com mandioca.”

Há cerca de dez dias os médicos tratam de uma infecção que causa febre e deixa o ex-pugilista mais cansado. “É um dos problemas típicos de uma internação de longa duração”, explica Renato Fabbri. “A imunidade mais baixa permite o ataque de doenças oportunistas.” Para acelerar a recuperação do paciente, o contato com ele, que já havia sido bem restringido pela família, temerosa de expor a imagem do ex-campeão neste momento de fragilidade, ficou ainda mais difícil.

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Na segunda (14), um padre que passa nos quartos para falar com os doentes foi orientado a não entrar nas dependências onde Maguila está. Na tentativa de bloquear a curiosidade de parentes e amigos de outros internados, um biombo foi instalado em frente à porta do dormitório do enfermo famoso. Apesar de todos esses cuidados, o programa Brasil Urgente, da Band, divulgou na quarta passada (16) cenas do ex-lutador dormindo no quarto. “Alguém gravou as imagens com um celular, e isso não vai ficar assim”, diz Irani, que registrou no mesmo dia um boletim de ocorrência no 73º Distrito Policial por invasão de privacidade.

Ela subiu ao altar com Maguila há 26 anos, o segundo casamento dele. Tiveram Adilson Rodrigues Júnior, hoje com 23 anos (da união anterior, o ex-pugilista tem outros dois filhos; um deles, Adenilson Rodrigues dos Santos, o Maguilinha, tentou, sem sucesso, seguir os passos do pai). Antes da internação, Irani já cuidava de praticamente tudo na vida do marido. Escolhia até mesmo a roupa que ele usava no dia a dia.

Maguila não conseguiu fazer fortuna com o esporte. Uma de suas maiores bolsas, a da luta contra Holyfield, estimada em 150 000 dólares, mal fez diferença em sua conta. “Fiquei só com 5 000 dólares”, revelou à época o lutador, que se disse enganado por empresários e advogados naquela ocasião. Para protegê-lo de problemas semelhantes, ela foi cursar direito com o intuito de cuidar dos contratos do boxeador e hoje tem um escritório na Avenida Paulista.

Maguila também distribuiu casas e veículos aos irmãos, ajudou a ex-mulher e torrou dinheiro em negócios que não prosperaram, como um posto de gasolina e uma loja de laticínios. Com os problemas recentes de saúde dele, a situação financeira da família ficou mais apertada. Por causa da contenção de gastos, a ONG mantida pelo casal desde 2005 acabou sendo afetada. Batizada de Amanhã Melhor, a entidade, sediada no bairro do Butantã, tem como objetivo ajudar menores carentes por meio do esporte. Chegou a ter 150 crianças, mas hoje, por falta de recursos, só atende 27.

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Alheio a problemas como esse, Maguila tem pouco a fazer em seu quarto. Fica boa parte do dia na cama, vê televisão, recebe algumas visitas e dorme. É um contraste marcante em relação ao tempo em que o peso-pesado corria 10 quilômetros nas primeiras horas da manhã e fazia com que os sparrings desaparecessem dos treinos por causa de sua mão pesada. “Ele se encontra em uma situação bastante complicada, mas está se tratando”, diz o presidente da Federação Paulista de Boxe, Newton Campos, de 89 anos. Os dois se conheceram no início da década de 80 na Forja dos Campeões, torneio que garimpa jovens talentos do boxe. “Ele sempre mostrou fibra. Não corria dos adversários. Não vai fazer isso com a doença.”

As pessoas próximas relatam que, em alguns dias, Maguila se mostra mais sonolento e introspectivo. Em outros, parece animado. “Mesmo com a dificuldade de falar, ele tem aquela coisa de fazer umas tiradas, bolar umas frases engraçadas, continua brincalhão. Sempre foi assim e é bom que continue, para, quem sabe, deixar o hospital mais rápido”, descreve Josmar Bueno, de 80 anos, um dos amigos de longa data.

“Já vi pacientes com casos mais graves voltando para casa, mas isso depende de certa infraestrutura na residência, que precisa ter um esquema de home care, com equipe de enfermeiros e uma nutricionista, entre outras coisas”, pondera o médico Renato Fabbri. Irani sonha levá-lo de volta para casa, mas reconhece que isso ainda pode estar distante. “Meu dia a dia agora é ajudá-lo a enfrentar seus rivais mais difíceis”, conta. “Tenho certeza de que ele vai vencer mais essa.”

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