Mães de coração: histórias de mulheres que vivem para ajudar quem está perto
Para este Dia das Mães, a Vejinha foi atrás das histórias destas mulheres que, seja por meio de associação ou por conta própria, dão suporte ao seu entorno
Com vielas estreitas e o chão de terra, a Favela do Flamengo faz parte do Jardim Peri e está localizada em uma das franjas da metrópole, próxima a um dos pontos do interminável trecho norte do Rodoanel. Às margens da Serra da Cantareira, a comunidade fica literalmente no fim da cidade e está a poucos quilômetros de Mairiporã e Caieiras.
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Atingidos em cheio pela crise econômica desencadeada (não só) pela pandemia do coronavírus, muitos dos moradores do Flamengo têm pelo menos um motivo para sorrir. Ou vários, a depender das funções que a dona de casa Maria Neide de Sousa, 55, vai exercer. Da ajuda para falar com um assistente social no hospital e viabilizar uma internação, passando por promover vaquinhas para custear um velório, é pelas mãos (e voz) de Neide que parte da população local consegue algum benefício em momentos de aperto.
“Moro há 35 anos nesta casa. Antes, morei em uma lixeira e passei por muitas coisas na vida. Mas graças a Deus hoje a gente pode ajudar as pessoas. Durante a pandemia, buscamos recursos e conseguimos doações de máscaras. Não tivemos nenhuma morte por Covid por aqui”. Casada, com três filhos e dois netos, ela recebe todo mês 150 cestas básicas em sua casa, doadas por uma empresa de Jundiaí, e as distribui entre a vizinhança mais necessitada.
No mês que vem, Neide espera reeditar a festa de São João (a última foi em 2019) e levar momentos de alegria, sobretudo para a criançada. “Pedimos ajuda e sempre dá certo. No começo, chegam um pouco de sal, uma pipoca, um refrigerante, salsicha. No fim, fazemos mais de 1 200 lanches, canjica, arroz-doce. Sempre dá certo e promovemos uma grande festa.” Para este ano, as doações são esperadas para chegar a partir do fim do mês.
A relação da “mãezona” Neide com a comunidade em que vive não é um caso único, para sorte de quem tem por perto pessoas que olham pelos próximos, seja por meio individual, seja por uma associação beneficente. Dona de um sorriso largo e contagiante, Eleni Santos da Silva, 72, a Dona Leni, montou em 2000, em sua casa, na região de São Miguel Paulista, o que seria o embrião da Associação para Qualificação Social do Jardim Pedro Nunes.
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Hoje, em uma sede alugada por 5 000 reais mensais, a Aqualiprof promove aulas de kung fu, tai chi chuan, violino, violão, balé, dança do ventre, computação, entre outras modalidades, para cerca de 600 pessoas, incluindo crianças, adolescentes e idosos. “Neste mês distribuímos 5 000 litros de leite e centenas de cestas básicas”, diz Leni.
Sem contratos em curso com o poder público, a instituição é bancada por meio de doações e emendas de vereadores. Agora, o objetivo de Leni é conseguir fundos e meios para construir uma sede própria. Para isso, busca junto à prefeitura a cessão de um terreno no bairro para reduzir as despesas e, quem sabe, aumentar o número de pessoas atendidas.
“Moro aqui no bairro há cinquenta anos, quando cheguei aqui, era só barro. A gente sobrevive como pode, faz bazar para aumentar a receita e sempre conta com as doações, como na Páscoa”. Ali, o coelho fez a festa da criançada e não deixou nenhuma delas sem um ovo de chocolate.
Sem uma associação para chamar de sua, mas com o coração cheio de boa vontade, Heleneir Palmira de Jesus, 58, há 22 anos morando na estreita e apertada Favela do Coruja, na Vila Guilherme, é uma espécie de faz-tudo-social entre seus vizinhos. Do dinheiro para inteirar o botijão de gás ou uma condução, aos cuidados “médicos” da criançada que se machuca jogando bola, a tia Pingo é quase sempre a primeira a ser chamada.
Ponto de referência e de interlocução com pessoas de fora e com entidades, ela é também lembrada na hora do recebimento das doações. “O pessoal da Igreja São Sebastião me procura para eu indicar as pessoas que poderão receber cestas básicas.” Não porque ela precise ser um elo de distribuição, mas por conhecer cada morador do pedaço. “Tem gente que chega lá na igreja e fala que mora aqui, mas, quando vão ver, é algum usuário de droga que pega a cesta para vender”, explica.
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Atualmente necessitando fazer dieta e repouso, tia Pingo aguarda o agendamento de uma cirurgia para a retirada da vesícula. “Estou esperando os resultados de uns exames para eles marcarem a operação”, diz a mulher, que faz o tratamento em uma Unidade Básica de Saúde próxima de sua casa. Se fosse outro morador do Coruja na mesma situação, seria a tia Pingo a pessoa a fazer a intermediação com a UBS. “Corro pelos outros e quando chega a minha vez está faltando vaga.”
A 40 quilômetros dali, a falta de vaga também tira o sono de uma tia que vive para ajudar o próximo. Com 1 300 pessoas matriculadas, a Casa do Zezinho tem o mesmo número na fila de espera. Fundada no início dos anos 1990, a instituição já atendeu mais de 20 000 pessoas. “Por mim, eu colocaria todos da fila para dentro da casa”, afirma Dagmar Rivieri, 68, a tia Dag.
“Recentemente abrimos espaço para as avós. Elas fazem tricô, crochê, comida. E passam a ensinar os jovens em casa”, comemora tia Dag. “Em contrapartida, os netos as ensinam a mexer na internet, no Facebook. Pode parecer coisas pequenas para os outros, mas é uma grande transformação na vida dessas mulheres.” No próximo Dia das Mães (8), essas e outras tias, mães e vizinhas merecem o maior abraço do mundo.
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Publicado em VEJA São Paulo de 11 de maio de 2022, edição nº 2788