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Justiça barra construção de torres em bairro nobre da Zona Sul

Na decisão liminar, o juiz Heraldo Vitta define que o terreno seja considerado Área de Proteção Ambiental, o que inviabiliza o negócio

Por Estadão Conteúdo
Atualizado em 9 fev 2018, 09h26 - Publicado em 9 fev 2018, 09h17

A Justiça Federal barrou nesta quinta-feira (8) a construção de um megaempreendimento com prédios residenciais, comerciais e um hotel em área remanescente de Mata Atlântica na frente do Parque Burle Marx, no Panamby, bairro nobre da Zona Sul de São Paulo. Na decisão liminar (provisória), o juiz Heraldo Vitta, da 21.ª Vara Cível, define que o terreno seja considerado Área de Proteção Ambiental (APP), o que inviabiliza o negócio, e aponta risco a espécies ameaçadas de extinção, como um caramujo que só existe no local. Ainda cabe recurso.

A decisão acolhe parcialmente uma ação civil pública movida em maio de 2017 pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o Fundo Imobiliário Panamby, BRKB Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários S/A e a Cyrela Vermont de Investimentos Imobiliários, donos do terreno. Com 67 600 metros quadrados, a área se estende em sete lotes no trecho entre o Burle Marx, incluindo o estacionamento do parque, e a Marginal Pinheiros.

Na ação, o MPF pediu também que os atuais proprietários fossem obrigados a recuperar uma área degradada de 2 800 metros quadrados, o que havia sido recomendado pelos procuradores em 2016, mas não foi atendido pelos empreendedores. O juiz, porém, indeferiu o pedido determinando uma perícia para analisar a possibilidade de regeneração da área, que virou um aterro no meio da mata nativa.

Após pressão do MPF e dos moradores do Panamby contrários ao empreendimento, a Cyrela chegou a abrir parte da área verde e propôs reduzir a obra a três lotes, alegando que o trecho não configurava uma APP. Na decisão, contudo, o juiz decide que toda a área envolvida no negócio deve ser preservada e obedecer às restrições impostas pela Lei da Mata Atlântica (11.428/2006).

A legislação proíbe o corte de vegetação secundária em estágio avançado e médio de regeneração do bioma Mata Atlântica para fins de loteamento ou edificação quando há espécies de flora e fauna ameaçadas de extinção, como é o caso da área ao redor do Burle Marx. Laudos feitos por biólogos e geólogos desde a abertura do inquérito pelo MPF, em 2014, constataram a presença de 112 espécies de aves, das quais quatro estão ameaçadas de extinção, como o gavião-pombo-pequeno.

Naquele ano, pesquisadores também encontraram no local uma espécie de flora também sob ameaça, a samambaiaçu, e um caramujo que só existe na região, batizado de Adelopoma paulistanum. “Aceitável, portanto, o receio do MPF de as rés privadas atingirem as áreas de preservação, ainda que de forma indireta, tendo em vista todos os laudos e pareceres dos agentes fiscalizadores do meio ambiente que informam a importância da preservação de todo o ecossistema”, diz o juiz. Advogado do Fundo Imobiliário, Douglas Nadalini afirmou que ainda vai analisar a decisão. A Cyrela não quis se manifestar.

A Justiça também proibiu a Prefeitura e a Companhia Ambiental de São Paulo (Cetesb) de emitirem licença e alvará autorizando a construção sem aval prévio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Segundo a Prefeitura, a análise do alvará pedido pela Cyrela está suspensa. A Cetesb não se manifestou.

“A liminar atende aos anseios de mais de 25 000 pessoas que assinaram o manifesto pela preservação do entorno do Parque Burle Marx”, afirma o advogado Roberto Delmanto, presidente da associação de moradores SOS Panamby. Em 2015, o MPF já havia obtido liminar, barrando a construção de torres residenciais em um terreno de 85 200 metros quadrados ao lado do da Cyrela, também pertencente ao Fundo Imobiliário do Panamby e à construtora Camargo Corrêa, por dano ambiental.

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O Parque Burle Marx abriga, além de animais e plantas da Mata Atlântica, pelo menos uma espécie endêmica, ou seja, que só ocorre na região. Trata-se de um caramujo, de apenas 3 milímetros, que foi descoberto por uma dupla de cientistas em 2014.

“Quando analisamos, vimos que era um animal novo. E resolvemos apresentá-lo ao mundo”, conta Luiz Ricardo Simone, professor da Universidade de São Paulo (USP). O nome escolhido para o pequeno bicho foi Adelopoma paulistanum, em homenagem à cidade. A descoberta foi publicada na revista científica “Journal of Conchology” em 2014 e deu base à argumentação do Ministério Público Federal para pedir o veto a empreendimentos.

Simone explica que a existência do caramujo pode indicar que há outras espécies endêmicas na região. “Não só moluscos, mas insetos e até mamíferos. Ele é só a ponta do iceberg”, diz. “Usamos esse animal como bandeira para tentar preservar um pedaço de Mata Atlântica ali.”

Os hábitos do caramujo ainda não foram detalhados. “Estudando isso, talvez descubramos substâncias que façam a maior falta (como opções de tratamentos para doenças).” A espécie está sob análise de órgão técnico federal, com conclusão prevista para este ano. Para Simone, a devastação da área pode comprometer a espécie. “Mesmo que sobrem poucos, não têm reprodutividade e acabam se extinguindo.”

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O impacto a espécies nativas é levado em conta na análise de liberação de obras. Em 2007, por exemplo, o Ibama negou licença para hidrelétricas no Rio Madeira, em Rondônia, sob argumento de que as obras ameaçavam os peixes dourada e piramutaba. O empreendimento foi liberado depois, com ajustes.

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