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Novas revelações das investigações da máfia do ICMS

Fiscais usavam fazenda fictícia para lavar dinheiro de propina

Por Sérgio Quintella
Atualizado em 1 jun 2017, 16h04 - Publicado em 9 jul 2016, 00h00
Protesto de funcionários públicos - máfia icms
Protesto de funcionários públicos - máfia icms (Clayton de Souza/Estadão Conteúdo/Veja SP)
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Com 50 milhões de metros quadrados, o equivalente a 7 000 campos de futebol, a Fazenda Itaparica 1, situada em Riachão das Neves, no cerrado baiano, é um colosso que custou 5 milhões de reais. A compradora, a PPE Fios Esmaltados, de Cerquilho, a cerca de 150 quilômetros de São Paulo, arcou com os custos, mas não levou um palmo desse chão. Nem poderia: a propriedade, descrita em detalhes na escritura, só existe no papel.

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É um típico caso de “terreno na lua”, inventado com base no traçado de sete propriedades verdadeiras. O dinheiro, esse sim, era muito real. Ele serviu para tornar “limpo” o pagamento de propina para dois agentes da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), segundo investigação do Ministério Público. Os fiscais em questão, Eduardo Takeo Komaki e José Roberto Fernandes, foram presos duas vezes em 2015 no escândalo conhecido como máfia do ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços), operante ao menos desde 2003, e que atravessou os governos de Geraldo Alckmin e José Serra, do PSDB.

A tática era oferecer, mediante gorjeta milionária, enormes descontos a empresas devedoras do tributo — e atemorizaros que não pagassem com a aplicação de multas desproporcionais. Uma terceira prática, chamada de “vacina” pelos criminosos, consistia em cobrar uma taxa para que o pagador não sofresse nenhum tipo de fiscalização durante um determinado período.

Processo de Newton Cley - máfia do icms
Processo de Newton Cley – máfia do icms ()
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Komaki e Fernandes, que, por meio de seus advogados, negam todas as acusações, teriam cobrado os 5 milhões de reais do falso latifúndio para livrar a PPE de 150 milhões em multas, em 2008. Dois anos depois, repetiriam a dose: mais 15 milhões, sob ameaça de autuação de 400 milhões. “Esses valores inviabilizariam a empresa, somos vítimas”, afirma o advogado Luis Felipe Marzagão, da PPE.

A mesma linha de defesa é adotada pelos representantes da Prysmian, também do setor de fios e cabos, com unidades em Sorocaba e Santo André. De acordo com a apuração, ela foi extorquida em 13 milhões. Esses episódios envolveram, além de Komaki e Fernandes, dez agentes, todos respondendo em liberdade por crime contra a ordem tributária e associação criminosa. A turma pode pegar oito anos de prisão para cada caso de achaque.

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Um dos integrantes da quadrilha é Ananias José do Nascimento. O fiscal assinou, em julho de 2015, um acordo de delação premiada. Sua confissão trouxe à tona detalhes dos processos que envolvem a Prysmian, além de revelar outros personagens e o modelo de atuação da trupe. VEJA SÃO PAULO teve acesso a trechos dos depoimentos à promotoria. Em determinado momento, Nascimento explica a divisão do dinheiro sujo dentro da Sefaz. “O coordenador da equipe recebe 10%, o inspetor leva 15%, mas ele fica com metade (ou seja, 7,5%), pois a outra parte é dividida com o delegado regional tributário”, declarou. Os 75% restantes eram rateados entre osagentes, que muitas vezes recebiam amaleta de reais no local de trabalho.

Ananias do Nascimento
Ananias do Nascimento ()

Contabilizados apenas três dos achaques, ocorridos entre 2010 e 2012, Nascimento calcula ter embolsado 650 000 reais. “Investi na manutenção da minha fazenda em Mato Grosso e na compra de gado e ações”, contou. Em troca de escapar da prisão, ele vai devolver todo o valor abocanhado. Aposentado em novembro de 2014, Nascimento corre o risco de perder também o direito à pensão mensal de 14 900 reais, a depender de julgamento administrativo.

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Sua delação trouxe ainda o nome de uma agente chamada de “rainha da corrupção” pelos promotores. Ideli Dalva Ferrari, aposentada neste ano com um salário de 15 988 reais, foi inspetora da Sefaz em Osasco. Durante a carreira de 33 anos no funcionalismo público, acumulou 21 imóveis na Grande São Paulo, incluindo uma cobertura avaliada em 2 milhões de reais na Vila Mariana. Os bens de Ideli, além das empresas em nome dela e da filha, Nauê Ferrari, são objeto de questionamento do Ministério Público e da Corregedoria da Fiscalização Tributária, vinculada à Secretaria da Fazenda. Procuradas pela reportagem de VEJA SÃO PAULO, elas não quiseram falar sobre as suspeitas.

Outros novos nomes na mira do MP são os do casal de fiscais Carmen Lucia Chagas e Eduardo Fontão de Almeida, ambos hoje aposentados. Eles são acusados de exigir há três anos 1 milhão de reais para limpar a ficha devedora de ICMS da Vespor Automotive, do ramo de autopeças, com sede em Mato Grosso do Sul e filial na Freguesia do Ó. Após quatro reuniões em uma padaria, a dona da companhia negou-se a pagar o suborno. “Poxa, nadamos até aqui para morrer na praia?”, teria dito Fontão. A Vespor acabou sendo multada em 31 milhões de reais, valor ainda não depositado. “Essa empresa quer arrumar uma justificativa infundada para não pagar a multa”, diz Abel Wenzel de Paula, advogado do casal.

Cobertura Vila Mariana - máfia do icms
Cobertura Vila Mariana – máfia do icms ()
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No MP, a expectativa é que novas delações ajudem a chegar a políticos e profissionais de alto escalão. Os doze denunciados até agora ocupavam o cargo de fiscal, inspetor e diretor regional. Nenhum foi ainda julgado. “Os empresários precisam quebrar esse vício e nos procurar antes de pagar propina”, diz o promotor Arthur Pinto de Lemos Junior. Há duas frentes de investigações administrativas paralelas sobre o mesmo esquema, uma da Corregedoria Geral da Administração e a outra da própria Sefaz, ainda sem conclusão.

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A farra já motivou até protestos dos funcionários da Secretaria da Fazenda, que, em campanha por melhoria salarial, em julho do ano passado, levantaram cartazes deixando claro que não querem ter seu nome atrelado à corrupção.

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