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Instituto do Coração: na UTI após pior crise da história

Orgulho de São Paulo, hospital está sem dinheiro para pagar funcionários

Por Marcella Centofanti e Rodrigo Brancatelli
Atualizado em 5 dez 2016, 19h21 - Publicado em 18 set 2009, 20h35

O Instituto do Coração (Incor) é um dos orgulhos de São Paulo. Ali, onde são realizadas cerca de 650 consultas por dia, 1 100 internações mensais e 1,5 milhão de exames a cada ano, já foi salvo um sem-número de vidas. Sua importância para a cidade e para a medicina brasileira transcende as estatísticas grandiosas que exibe. Desde que foi inaugurado, em 1975, pelo cirurgião Euryclides de Jesus Zerbini, responsável pelo primeiro transplante de coração do país, essa unidade do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da USP atendeu milhares de pacientes anônimos e famosos. É lá que o presidente Lula faz seus check-ups anuais. Foi lá também que morreram o governador Mário Covas, em 2001, e o presidente Tancredo Neves, em 1985. Cerca de 80% dos pacientes, no entanto, são carentes, atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com estrutura de Primeiro Mundo. “O Incor é um patrimônio nacional”, afirma Adib Jatene, um dos cirurgiões cardíacos mais importantes do país e um dos alunos preferidos do doutor Zerbini na USP.

A alta qualidade dos serviços prestados pelo Incor está ameaçada. Mergulhado no mais profundo estágio de sua crise financeira, o hospital tem uma dívida de 245 milhões de reais, dos quais 115 milhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), 79 milhões com bancos privados e 51 milhões de reais com fornecedores. No último dia 8, pela primeira vez, seus 3.500 funcionários receberam o pagamento com atraso. Medidas de emergência foram adotadas para evitar demissões. Os salários serão cortados em cerca de 15% a partir do próximo mês e novas contratações estão suspensas. Metade dos 68 funcionários da Fundação Zerbini, criada em 1978 para gerenciar o Incor, foi dispensada no começo deste mês. Os reflexos já se fazem sentir nas pesquisas científicas. Se em 2004 seus médicos publicaram 416 trabalhos em revistas internacionais, no ano passado o número caiu para 321. Para freqüentar congressos nacionais e internacionais, eles têm de pagar as despesas do próprio bolso. “Alguns fornecedores não recebem há mais de ano”, afirma o infectologista David Uip, diretor executivo do instituto. Na quinta-feira, o governador Cláudio Lembo prometeu liberar 20 milhões de reais para ajudar o Incor a honrar a folha de pagamento de dezembro.

Até 1997, a fundação vivia numa situação financeira confortável, com cerca de 60 milhões de reais em caixa. Os problemas começaram no ano seguinte, com a construção do chamado Incor II, ala que ampliou os setores de internação e pesquisa. Para executar a obra, a Fundação Zerbini contraiu uma dívida de 55 milhões de dólares com o BNDES. Pela versão do hospital, o Incor II foi erguido a pedido do então governador Mário Covas. O acordo verbal previa que o dinheiro consumido nas obras seria em parte ressarcido pelo governo, o que não aconteceu. Não foi só isso. Em 2004, sob o comando do professor José Franchini Ramires, a construção da unidade de Brasília, com quarenta leitos e 600 funcionários, agravou a crise. Acusado de má gestão, Ramires foi afastado da fundação em dezembro de 2005 pelo conselho deliberativo do Hospital das Clínicas, mas voltou ao cargo graças a uma liminar da Justiça e deixou de vez a fundação em março. “Atribuem a crise ao professor Ramires, quando, na verdade, as dívidas começaram na gestão anterior”, diz o advogado Paulo Bonadies.

No modelo de gestão do Incor, a Fundação Zerbini é um órgão privado responsável por administrar e atrair recursos para o hospital, que é público. Os salários dos cerca de 400 médicos, por exemplo, são pagos pelo estado, mas a fundação os complementa em até 400%. Um cirurgião cardíaco ganha entre 8.000 e 10.000 reais por mês, dos quais apenas 2.000 são pagos pelo governo. Como se sabe, remédios milagrosos não existem. Se bem administrada, a receita do Incor (50% vêm do governo do estado, 25% de repasses do SUS e 25% de convênios particulares) seria suficiente para cobrir os gastos do hospital. O problema é que esse dinheiro tem sido usado para pagar juros e mais juros. O hospital apela agora para o governo federal. Quer renegociar a dívida com o BNDES e tomar emprestados outros 120 milhões de reais. Com eles, pretende quitar os débitos com fornecedores e bancos privados – mas, para obter o novo empréstimo, precisaria ter um aval bancário que até quinta-feira passada não havia conseguido. Além de cortar despesas, o Incor tenta aumentar a rotatividade dos pacientes e diminuir o tempo das internações para tratar mais casos particulares e de convênios. “Não podemos virar uma Varig”, diz Jorge Kalil, presidente do conselho diretor e curador da Fundação Zerbini. O Incor precisa sair da UTI e, para o bem de todos, sobreviver. Só ainda não se sabe como.

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