Convoco estimados poetas para uma reunião de lembranças — um drinque pelo 7 de Setembro, Independência — e peço que tragam todos, se não a lira, pelo menos uns versos para a ocasião. Sem patriotadas. Não importa que tenham morrido todos: mais discreta será a tertúlia, menos razões terão leitores e vizinhos para reclamar. Ei-los, chegam.
Carlos Drummond de Andrade confidencia, em veia nostálgica: “Meus olhos brasileiros se fecham saudosos / Minha boca procura a ‘Canção do Exílio’ / Como era mesmo a ‘Canção do Exílio’? / Eu tão esquecido de minha terra…”.
Gonçalves Dias acode: “Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o sabiá; / As aves, que aqui gorjeiam, / Não gorjeiam como lá.”.
Oswald de Andrade fala da emoção de estar de volta: “Ó Brasil / Meu coração feito de pedaços / Se unifica / e proclama / A independência das lágrimas”.
Drummond encoraja atitudes: “Precisamos adorar o Brasil! / Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão / no pobre coração já cheio de compromissos… / se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens, / por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos”. Mário de Andrade tenta uma explicação: “Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada, / Porque é o meu sentimento pachorrento, / Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir”.
O pernambucano Manuel Bandeira ironiza, mão no ombro do paulista moreno: “Tão Brasil”.
Drummond, sorrindo meio de lado: “Eu também já fui brasileiro / moreno como vocês. / Ponteei viola, guiei forde / e aprendi na mesa dos bares / que o nacionalismo é uma virtude./ Mas há uma hora em que os bares se fecham / e todas as virtudes se negam”.
Mário de Andrade acrescenta um como eu já dizia em 1927: “Brasileiro que nem eu… / Fomos nós dois que botamos / Pra fora Pedro II… / Somos nós dois que devemos / Até os olhos da cara / Pra esses banqueiros de Londres… / Trabalhar nós trabalhamos / Porém pra comprar as pérolas / Do pescocinho da moça / Do deputado Fulano”. Oswald dá risada e, teatral, arremeda o senhor feudal brasileiro: “Se Pedro Segundo / Vier aqui / Com história / Eu boto ele na cadeia”.
O carioca Vinicius de Moraes, entre um acorde de violão e um gole de uísque: “Vontade de beijar os olhos de minha pátria / Deniná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos… / Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias / De minha pátria, de minha pátria sem sapatos / E sem meias, pátria minha / Tão pobrinha!”.
O mineiro Murilo Mendes discorda: “Tenho um rabicho febril / Pela bandeira auriverde. / Se as cores desta bandeira / Não fossem tão bonitinhas / Eu não teria coragem”. Drummond, pensando em voz alta: “Precisamos louvar o Brasil”. Gonçalves Dias, prontamente: “Nosso céu tem mais estrelas, / Nossas várzeas têm mais flores, / Nossos bosques têm mais vida, / Nossa vida, mais amores.”Vinicius, flor dos Vinicius, não quer patriotadas: “A minha pátria é desolação / De caminhos, a minha pátria é terra sedenta / E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular / Que bebe nuvem, come terra / E urina mar.”
Drummond, como se completasse, melancólico: “E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria”. (Logo se recupera, aquele sorriso de lado.) “Quem me fez assim foi minha gente e minha terra / e eu gosto bem de ter nascido com essa tara.”
“Tão Brasil”, sorri, dentuço, Manuel Bandeira.
ivan@abril.com.br