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Roubo e furto de celular: levantamento mostra locais e horários mais perigosos

Os aparelhos se transformaram em “caixa eletrônico ambulante” e são a bola da vez dos ladrões. Em 2021, foram 156 818 unidades surrupiadas na capital

Por Clayton Freitas, Guilherme Queiroz
Atualizado em 25 fev 2022, 15h14 - Publicado em 25 fev 2022, 06h00

Para entrar em uma balada no Butantã, em fevereiro, a jovem Isabela*, 18, precisou mostrar ao segurança um QR code na tela do celular, um iPhone 13 Pro Max, avaliado em 15 000 reais. Duas horas depois, enquanto dançava na pista, a estudante reparou que tinha sido furtada. “Ganhei o aparelho no domingo e, na sexta-feira seguinte, levaram”, conta.

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Um estudo feito para a Vejinha pelo Departamento de Pesquisas em Economia do Crime, da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), confirma que São Paulo vive uma epidemia de roubos e furtos de celular: a cada três minutos e meio, uma história semelhante à de Isabela aconteceu na cidade no ano passado.

Duas imagens. À esquerda, um homem de bicicleta com a mão estendida sobre duas pessoas. À direita, um homem de casaco rosa apontando uma arma para um pedestre de camisa cinza.
Flagras na região da Avenida Paulista. (Crédito/Divulgação)

O levantamento mostra os bairros, avenidas e horários mais perigosos para andar com o aparelho, a partir de dados dos boletins de ocorrência da Secretaria de Segurança Pública (SSP). “Os smartphones se tornaram ‘caixas eletrônicos ambulantes’, pela facilidade de transferir dinheiro. Viraram a bola da vez dos assaltos”, afirma Rafael Alcadipani, professor da FGV e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Ao todo, foram 156 818 celulares surrupiados na cidade em 2021. É o mesmo patamar alto de 2020 (156 877), com uma diferença significativa: no ano passado, não houve Carnaval, evento com peso elevado nessa conta. Apenas na festa de 2020, foram 24 102 aparelhos tungados.

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Em fevereiro de 2021, o número caiu à metade (12 180). Ou seja, na maior parte do ano passado, a situação piorou. “Além dos dados oficiais, existe uma subnotificação elevada, ligada à desesperança de reencontrar o bem”, completa Erivaldo Costa Vieira, coordenador do estudo na Fecap.

Não fazer o B.O. foi a escolha da intercambista equatoriana Ivanna Cordero, de 21 anos. Ela visitou a Praça da Sé no sábado (19). Levou uma lembrança desagradável. “Uma amiga pediu uma foto. Segurei o celular, passaram quatro caras de bicicleta e um deles puxou o telefone”, relembra ela, que estuda medicina e faz estágio em um hospital de Jundiaí.

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Imagem mostra duas mulheres, a da esquerda com o rosto borrado, tirando selfie na Praça da Sé.
“Meus amigos disseram que B.O. não adiantaria.” Ivanna (à dir.), intercambista e estudante de medicina roubada na Praça da Sé no dia 19. (Arquivo pessoal/Reprodução)

“Perguntei aos meus amigos se seria bom ir à polícia. Eles disseram que o B.O. não ajudaria muito”, diz a jovem. Recomenda-se fazê-lo: além de poder auxiliar nas buscas, ele serve de documento quando há problemas decorrentes do roubo. “É importante termos o registro para orientar o policiamento”, completa o delegado Roberto Monteiro Júnior, titular da 1ª Delegacia Seccional do Decap.

Os dados mostram que os furtos (quando não há ameaça ou agressão) de celular, 42% do total de registros, se concentram nos bairros do centro expandido (veja abaixo). Brás, República, Bela Vista, Pinheiros e Bom Retiro lideram a lista.

Mapa da cidade de São Paulo com os detalhes dos bairros e as vias com mais roubos e furtos de celulares.
Fontes: Fernando Capez (Procon-SP), delegado Roberto Monteiro de Andrade Júnior, Rafael Alcadipani e Adriano Volpini (Febraban). (Crédito/Veja SP)

Já os roubos de celular (58% dos B.O.s) são mais presentes na periferia: Capão Redondo, Grajaú, Jardim Ângela e Campo Limpo, na Zona Sul, são os mais violentos — o top 5 inclui a República, destaque nas duas categorias de crime. “A desigualdade se explica pelo efetivo de policiamento destinado a cada área: ele existe em maior número nos bairros ricos. O risco de ser pego é muito maior no centro que na periferia”, diz Alcadipani.

Imagem mostra homem com celular nas mãos sentado em corrimão da praça da República.
2 750 roubos na República, dos quais 524 na praça do bairro. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

A estatística não impede que roubos violentos de celular — cujos flagrantes, depois, viralizam pelos mesmos aparelhinhos — aconteçam nos bairros nobres. No dia 20 de janeiro, o empresário Ademir (que prefere não dizer o sobrenome), 42, passava de carro na Rua Professor Geraldo Ataliba, alça que liga a Avenida Presidente Juscelino Kubitschek ao Parque do Povo, no Itaim, por volta das 20 horas, quando o sinal ficou vermelho.

Uma fila se formou para esperar o verde. Um homem saiu de trás dos ônibus e bateu com o revólver no vidro. “Vou atirar, dá o celular! Vou atirar, dá o celular!”, repetiu. O empresário abriu e entregou o aparelho. “Quando pedi o bloqueio na loja de telefonia, o pessoal falou que isso tem acontecido muito na região e que sempre aparecem pessoas pedindo bloqueio”, conta.

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Outro modo de ação de ladrões é quebrar o vidro do veículo, se lançar para dentro e levar o celular, muitas vezes aberto em aplicativos de troca de mensagens ou de rotas de trânsito, o que torna mais fácil para os criminosos acessar informações das vítimas. Com a vida facilitada pelo Pix e pelos aplicativos de bancos, os assaltantes também usam os dados das vítimas para aplicar golpes diversos, normalmente com o auxílio de hackers.

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“Os chamados lanceiros, que passam de bicicleta, moto ou a pé, entregam o celular para um receptador. Aí entra a figura do hacker, que quebra as senhas, acessa a memória do aparelho e ajuda nos golpes”, diz o delegado Roberto Monteiro Júnior.

Os números pintam um retrato negativo de lugares como a República, na região central. O bairro é vice-campeão em roubos (2 750) e furtos (3 013). Na soma, foram dezesseis registros por dia — para não falar nos “sem B.O.” — que envolviam celulares. A praça que nomeia a freguesia é a via com mais roubos na cidade: 524 aparelhos em 2021.

A atuação dos criminosos na região é antiga e diversificada: agem a pé, de bicicleta ou em motos. É semelhante ao observado em pontos como a Praça da Luz, a e a Princesa Isabel. Em áreas de policiamento reforçado, os bandidos evitam mostrar armas ou violência. Preferem observar a movimentação de pessoas vulneráveis — como aquelas que andam digitando — e fazem as abordagens longe das vistas da PM.

“Normalmente não agem sozinhos. Enquanto um aborda a vítima, outro passa de bicicleta e leva o aparelho”, diz o delegado. Outras vias perigosas são a Paulista (campeã em furtos) e a Cruzeiro do Sul (segunda em roubos e terceira em furtos). No Capão Redondo, foram quase dez vítimas por dia, em um total de 3 389 B.O.s em 2021.

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Imagem mostra avenida cheia de carros. Ao lado, um viaduto e um horizonte de prédios ao fundo.
491 casos de roubo de aparelhos na Av. Cruzeiro do Sul em 2021. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Os crimes se concentram das 18 horas à meia-noite. Nesse intervalo, acontecem 43% dos roubos e 81% dos furtos de celular em São Paulo. “Muita gente é abordada voltando do trabalho”, lembra Alcadipani. A situação se inverte na madrugada, já que 16% dos roubos são nesse horário, e 2% do furtos, sendo possível inferir que esse período é mais violento.

Foi no início da noite, perto das 19 horas, que a diarista Ivete Pereira, 53, teve o celular roubado em setembro. Estava em um ponto de ônibus próximo da estação Capão Redondo, na volta do trabalho. Conferia mensagens no celular, como é tão comum. Ela e mais três pessoas foram abordadas por dois homens numa moto.

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“Achei que fossem perguntar alguma coisa. Aí o da garupa mostrou um objeto na cintura e mandou todo mundo entregar o celular.” Os pontos de ônibus, por sinal, são conhecidos focos de risco. “Concentram fluxo maior de pessoas”, diz Luis Gustavo Nonato, professor da USP e coordenador de um estudo que analisou o entorno de 6 000 escolas públicas de São Paulo.

Ele concluiu que áreas com muitas paradas de coletivos tendem a ter mais assaltos a pedestres, sobretudo à tarde e à noite. “O povo está acostumado. Quando me roubaram no ponto, ninguém fez nada. Só disseram: ‘Eita, moça, já era’”, conta Claudia Martins, 35, assaltada enquanto esperava o ônibus para a quadra da X-9 Paulistana, onde é ritmista, no dia 6.

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Imagem mostra mulher segurando bolsa com as mãos, apoiada em ponto de ônibus.
Claudia Martins, 35, vendedora: “Pedi ajuda e ninguém fez nada. O povo se acostumou”. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

O ponto da Avenida Cruzeiro do Sul, em Santana, estava cheio. “Fui olhar o aplicativo para ver onde estava o ônibus. Passou um cara de bicicleta e levou o celular”, diz a vendedora.

É possível ter atitudes simples que podem evitar prejuízos. O advogado Renato Opice Blum, presidente da Associação Brasileira de Proteção de Dados, recomenda usar a dupla autenticação nos acessos digitais, tanto em apps como no próprio aparelho. “Dá mais trabalho, mas é uma proteção”, afirma.

Outras dicas são deixar o rastreador sempre ativo e não gravar cartões em aplicativos de música ou séries. “Além disso, evite anotar senhas. Senha é para ser memorizada”, diz Adriano Volpini, diretor de prevenção a fraudes na Febraban.

E o Pix? Bem, a ferramenta divide especialistas, mas é preciso reconhecer que tem seus riscos. É o que mostra o caso da engenheira Monica Ruiz Hurtado, 44, assaltada de carro na Liberdade. Ela não tinha o Pix habilitado, os ladrões tentaram fazer transferências, mas, como era fim de semana, deu tempo de avisar o banco.

Imagem mostra mulher com os braços encolhidos sobre as pernas, no banco do motorista de um carro cinza. A porta está aberta.
“Eu não tinha Pix, deu tempo de avisar o banco.” Monica Hurtado, 44, engenheira. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

“Não liberaram o dinheiro na segunda”, diz. A Secretaria de Segurança Pública informa que faz operações diárias das polícias Militar e Civil para combater o roubo, o furto e a receptação dos aparelhos. Uma das ações recentes, no dia 17, desarticulou uma quadrilha que atuava de bicicleta no centro.

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“Neste ano, 45 pessoas foram detidas por crimes dessa natureza”, afirma. A pasta mantém as operações Mobile (que rastreia compra, venda, desmonte e remonte de celulares usados) e Meucci (que coíbe a receptação de aparelhos novos). “Juntas, elas prenderam mais de 530 criminosos e recuperaram mais de 16 000 aparelhos no ano passado.” “Sobre as regiões citadas na reportagem, as ações de policiamento serão reorientadas”, diz a nota. A Febraban afirma que os bancos investem na melhoria dos aplicativos.

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Publicado em VEJA São Paulo de 2 de março de 2022, edição nº 2778

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