Promotores tentam enquadrar pais de funkeiros por exploração de menores
MC Melody, de 8 anos, mudou o estilo após polêmicas. Outros cantores mirins conquistam fãs na internet com letras recheadas de sexo e palavrão
O shortinho se estendeu numa calça, o top com bojo virou uma camiseta rosa e a mão que antes levava o dedinho à boca enquanto os quadris quicavam até o chão passou a abraçar um ursinho de pelúcia. “Agora sou criança”, afirma Gabriela Abreu, de 8 anos, em um vídeo postado nas redes sociais no sábado (25) e gravado na sala de sua casa, em São Miguel Paulista. O anúncio foi feito às pressas, de forma a tentar resolver os problemas causados pela repercussão da primeira fase artística da garota, batizada de MC Melody pelo pai, Thiago Abreu, conhecido como MC Belinho. Em março, ele publicou na rede uma performance da filha filmada com o celular. A garota cantava uma composição do pai, Fale de Mim, cuja letra diz o seguinte, a certa altura: “Se é bonito ou se é feio, mas é f…ser gostosa. Fale bem ou fale mal, mas fale de mim”.
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Na semana passada, Belinho foi um dos nomes mais procurados no Google no Brasil, com mais de 20 000 buscas, e o tal vídeo superou 1,7 milhão de visualizações. Muitas pessoas revoltaram-se com a barbaridade, e, no dia 17, o promotor de Justiça da Infância e Juventude do Estado de São Paulo Eduardo Dias de Souza Ferreira abriu um inquérito civil. Além de Melody, são citados outros funkeirinhos desbocados da cidade, como Matheus Sampaio (MC Pikachu), de 15 anos, Vinícius Ricardo dos Santos (MC Brinquedo), de 13, e Pedro Maia Tempester (MC Pedrinho), de 13. Ferreira quer apurar se essa turma é vítima de exploração de menores por parte dos pais, entre outros problemas. A garotada apresenta-se em casas de shows, eventos e matinês. Sim, há matinês do funk. Normalmente, são festas mensais que ocorrem no sábado ou no domingo, das 15 às 22 horas, em casas como Carioca Club, em Pinheiros, e Enfarta Madalena, na Vila Madalena.
Os ingressos custam de 30 a 80 reais, e os organizadores garantem que não servem bebida alcoólica, pois só entram adolescentes entre 12 e 17 anos. “Tocamos a versão sem os palavrões, mas a plateia sabe a letra e canta alto”, diz BetoX, promoter da festa The Choice Teen, no Carioca Club, que reúne um público de 1 000 garotos numa tarde. A próxima edição vai acontecer no sábado (16) e terá no palco MC Pedrinho e MC Tati Zaqui, de 21 anos, autora do hit Parará Tibum, uma versão apimentada do tema da Branca de Neve. O procedimento no Ministério Público deverá levar pelomenos três meses para ficar pronto. Depois, poderá transformar-se em ação judicial. Em caso de condenação, os adultos responsáveis poderão pegar entre dois e quatro anos de cadeia. Há a possibilidade de os cantores mirins passarem por medidas socioeducativas, como tratamento psicológico. Em uma hipótese extrema, os pais dos quatro artistas poderão perder a guarda dos filhos.
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No mesmo dia em que foi aberto o inquérito civil, o Ministério Público do Trabalho também iniciou investigações sobre o caso, o que pode resultar na aplicação de multas às famílias dos jovens funkeiros. “Ao exporem essas crianças e adolescentes na internet e em apresentações, todos os envolvidos, incluindo pais, produtores, empresários, contratantes, os artistas com mais de 12 anos e até os proprietários dos sites, violam diversos artigos da Constituição Federal, do Código Penal, do Código Civil, do Estatuto da Criança e da Convenção dos Direitos da Criança”, explica o promotor Geraldo Rangel de França Neto, do Ministério Público da Infância e Juventude, em Santana. A exemplo de Melody, alguns bocas-sujas precoces prometem mudar de postura daqui por diante. A equipe de Pedrinho afirma que ele deverá migrar para o funk ostentação, como se anunciasse um programa de redução de danos. O empresário de MC Brinquedo tem tirado da internet os clipes mais picantes. E Pikachu vai parar com os shows e vídeos até se emancipar, aos 16 anos.
Belinho abriu os olhos: contratou um advogado, um novo produtor, pediu desculpas nas redes sociais e reapresentou a filha repaginada. Ele diz que a família encarava as performances da menina “como algo inocente, típico de uma fã mirim da cantora Anitta. “E a dupla Sandy & Junior, que começou a carreira mais cedo do que minha filha, cantando Maria Chiquinha? Já reparou nessa letra?”, questiona. Na música em questão, Junior diz: “Eu vou te cortar a cabeça, Maria Chiquinha”. Sandy responde: “Que cocê vai fazer com o resto?”. Belinho era fã da dupla na infância. Nascido em uma família pobre de São Miguel Paulista, ele começou sua carreira como cantor mirim de axé aos 6 anos e chegou a se apresentar em trios elétricos em Salvador. Aos 12, trabalhava como cobrador em ônibus clandestinos em São Paulo, quando conheceu sua esposa, um ano mais nova. Aos 14, o casal teve sua primeira filha, Isabela (hoje, com 11 anos, a menina atende por MC Bella e investe em um repertório pop). A família mora atualmente em um puxadinho na casa da sogra do rapaz. Devido à gravidez precoce da mulher, os dois não fizeram faculdade.
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A mãe das meninas trabalha como supervisora de vendas, e ele largou as peruas para tentar voltar ao universo artístico. Passou por todas as ondas musicais —sertanejo, funk proibidão — e há três anos vive do ostentação. Conta que, para lançar a caçula no meio musical, parou há um mês com sua agenda (fazia sete shows mensais por um cachê de 2 000 reais cada um). O fenômeno de crianças lançadas no show biz não é novo. Na explosão do axé, por exemplo, programas deTV faziam concursos de mini-Carla Perez. “A coisa veio em um crescente e, agora, menores cantam explicitamente letras com palavrões e conteúdo sexual”, diz Maria Stela Santos Graciani, professora de sociologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Segundo ela, o sucesso dos funkeiros mirins é fruto de uma ausência de controle dos pais, que não verificam de perto nem cuidam da evolução de seus filhos. “Hoje em dia, valorizam-se o consumismo e padrões de beleza. Não há uma preocupação de ensinar o que é correto e respeitoso na convivência em sociedade. A inversão é tamanha que os filhos passam a se responsabilizar pelo sustento dos pais”, completa.
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Curiosamente, as pessoas envolvidas na onda dos“proibidinhos” usam esse mesmo argumento para tentar defender o negócio. “Brinquedo e Pikachu poderiam ser menores infratores, mas estão trabalhando, saíram da miséria e deram carros e casas a suas famílias. Aí vêm esses promotores e dizem que isso é errado?”, esbraveja Emerson Martins, dono da KL Produtora, responsável pela carreira dos meninos. A empresa funciona no Jardim Botucatu, na Zona Sul, e os novatos com potencial são garimpados no projeto Fábrica dos Deejays, que oferece aulas de música e dança, além de almoço, a quarenta pessoas. Segundo Martins, os meninos só retratam o que veem nas ruas e na televisão: palavrões, drogas, violência e sexo. Sua companhia também foi citada no inquéritodo Ministério Público, mas ele pretende continuar lançando mais talentos como esses. “Com a nossa realidade, alguém vai cantar O Barquinho, meu anjo? Não adianta embarreirar: ‘nóis’ do funk vamos dominar o Brasil!”
Bocas-sujas precoces
Exemplos de outros jovens artistas investigados pelo Ministério Público na cidade
MC Pedrinho, de 13 anos
Investigações: faz apresentações em casas noturnas por 10 000 reais cada uma e suas letras são bastante obscenas
Visualizações: mais de 7,6 milhões em três meses de sua música nova, Geometria da P...
MC Pikachu, de 15 anos
Investigação: seus pais foram citados por explorar o trabalho infantil do menino, que recebe em média 2 000 reais por show com repertório cheio de palavrões
Visualizações: mais de 7,4 milhões emdois meses de seu hit, Novinha Profissional
MC Brinquedo, de 13 anos
Investigação: trabalho infantil com funks de apelo sexual explícito. Ganha 2 000 reais por apresentação
Visualizações: mais de 10 milhões em um mês de seu hit, Roça Roça