Ferrari: por dentro da marca

Localizada em Maranello, na Itália, fábrica conta com seis prédios voltados à produção das cobiçadas máquinas

Por Alvaro Leme, de Maranello
Atualizado em 5 dez 2016, 18h46 - Publicado em 28 Maio 2010, 23h20

Qualquer apaixonado por carros se emocionaria. Não sem motivo, pois se trata do lugar em que nasceram todas as Ferraris do mundo — tanto as hoje expostas na Avenida Brasil, em São Paulo, quanto as que circulam por Nova York ou Pequim. A cidade se chama Maranello, fica no norte da Itália, a 160 quilômetros de Milão. O ritmo de vida parece inversamente proporcional à velocidade máxima dos veículos que dali saem. Em 2009, foram 6 250. Partindo da estação central de Modena, após uma corrida de táxi de 25 euros, começa a surgir o inconfundível logo com o cavalinho rampante. E não é privilégio da fábrica. Ele aparece, entre outros, no restaurante instalado em frente aos portões que, em 1947, Enzo Ferrari cruzou ao volante do 125S, o primeiro modelo da marca.

Praticamente tudo em Maranello existe em função da propriedade de 551 519 metros quadrados de terreno, com 209 070 metros quadrados de área construída. Mais de 200 000 turistas passam por lá anualmente, apenas para ver a Galleria Ferrari, um misto de museu e loja próximo do complexo. Visitar a fábrica propriamente dita, isso é privilégio para poucos, como os compradores de um dos carrões da marca. O modelo California, o mais barato à venda em São Paulo, custa 1,35 milhão de reais. No topo da tabela daqui está o 612 Scaglietti One to One, vendido por 2,5 milhões de reais. A aquisição, porém, não quer dizer que entrar na montadora será simples. O revendedor brasileiro precisa enviar um pedido de autorização à matriz pelo menos um mês antes da data em que a pessoa gostaria de ir. Para provar que se trata de um proprietário, a solicitação segue com o número do chassi e outros dados do veículo. Todas as despesas da viagem, naturalmente, são por conta do cliente.

Passada a recepção, logo se dá de cara com uma Testarossa cantando pneu e arrancando em alta velocidade. Mentira, não é nada disso. Nem de longe, aliás. O clima dentro dos muros pouco difere do que se veria em qualquer local de trabalho. Ou seja, gente concentrada em seus afazeres. Carros são poucos. Quando precisam cruzar distâncias maiores, os funcionários o fazem sobre duas rodas: há 100 bicicletas disponíveis para isso. “A ideia é estimular hábitos saudáveis”, explica a relações-públicas da empresa, Valéria Costa, que acompanhou VEJA SÃO PAULO durante o passeio. Segundo ela, a fábrica começou a ganhar a cara que tem hoje devido a um projeto implantado em 1997 pelo presidente da companhia, Luca di Montezemolo. Batizado de Formula Uomo, consiste num conjunto de ações corporativas cujo objetivo é tornar os ambientes da fábrica mais agradáveis aos trabalhadores (‘uomo’ é a palavra em italiano para homem).

Sete edifícios representam a nova fase. Quase todos contam com belos e bem cuidados jardins. Além de encherem os olhos, as plantas ajudam a melhorar a qualidade do ar e funcionam como reguladores naturais da temperatura, fixada em 21 graus. Há muitas paredes de vidro (em alguns casos, o teto também), que aumentam a quantidade de luz natural. Saíram das pranchetas de arquitetos importantes como o genovês Renzo Piano, já contemplado com o prêmio Pritzker. Leva a assinatura dele a impressionante Galleria del Vento, onde se testam o comportamento de carros e protótipos ao se moverem em alta velocidade. Primeiro prédio a sair do papel, tem no alto um tubo de 80 metros de comprimento ligado a uma turbina capaz de criar ventos de até 250 quilômetros por hora. As ruas do complexo foram batizadas com nomes como Niki Lauda, Alberto Ascari e outros pilotos importantes para a história da Ferrari — a escuderia é a única que participou de todos os mundiais de Fórmula 1.

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Apesar de os carros nascerem em Maranello, sua gestação começa a 15 quilômetros dali, em Modena. Na cidade natal de Enzo Ferrari funciona outro espaço da montadora. Lá são feitas as carrocerias, enviadas então à fábrica, onde são pintadas e seguem para a linha de montagem. A parte mais interessante da visita é justamente ver aquele esqueleto metálico ser revestido, camada a camada. Duplas de mecânicos divididos em cinquenta estações de trabalho sucedem-se nessa missão. Um gaveteiro com todas as peças de que precisarão se move ao lado do futuro veículo, e, a cada 25 minutos, os operários precisam ter concluído sua parte no processo. Se um deles atrasa, complica a realização da meta, que é de 24 carros. Por se tratar de um artigo de luxo, é essencial o capricho nos detalhes. Assim, antes de liberar o carro, um técnico o verifica inteirinho em busca de falhas. Passa as mãos sobre cada centímetro da lataria para ver se algum trecho da pintura está áspero. Outra dependência de acesso restrito é a vizinha pista de Fiorano, inaugurada em 1972 e constantemente reformada. Seus 2 976 metros de extensão são repletos de equipamentos de ponta. Desde 2002, um sistema de irrigação inunda o circuito em minutos para testar como os bólidos se saem ao rodar em estradas molhadas.

Só uma coisa rivaliza com a linha de montagem no quesito diversão: a garagem dedicada a carros clássicos. Para a Ferrari, os automóveis com vinte anos ou mais enquadram-se na categoria. Em funcionamento desde 2006, o local conta com quinze funcionários que restauram até trinta veículos paralelamente. O processo, dependendo do que o cliente pedir, pode demorar até dezoito meses para ser concluído. Em alguns casos, chega a custar quase tanto quanto um modelo zero-quilômetro. “Um colecionador já pagou 300 000 euros”, conta Marco Arrighi, um dos diretores da divisão, mais de três décadas de casa. O investimento valoriza — e muito — o automóvel, pois, além de tecnicamente impecável, ele sai com um atestado de autenticidade assinado por Piero Ferrari, filho do fundador da empresa. “Já houve carros comprados por 2 milhões de euros que passaram a valer o dobro”, continua Arrighi. A montadora sempre divulga ser capaz de produzir todo e qualquer modelo confeccionado em seus 63 anos de história. É difícil não acreditar na promessa após conhecer a sala mostrada por Arrighi. Estantes impecavelmente organizadas comportam dezenas e dezenas de fichários. Ali fica, na verdade, o coração da empresa: as folhas contêm especificações técnicas das peças de cada Ferrari.

O serviço prestado aos veículos vintage é uma maneira alternativa de ganhar dinheiro, assim como as quarenta lojas com produtos da grife — de canecas a jaquetas — inauguradas desde 2002. Os números, no entanto, indicam que na Ferrari não há razões para queixas. Apesar de 2009 ter sido um ano ruim para o mercado de carros esportivos, com perdas da ordem de 35%, a montadora atravessou bem a fase de pneus murchos. Sua parcela no mercado fora da Itália cresceu 10%, o que lhe garantiu a dianteira em seu segmento. O faturamento foi de 1,7 bilhão de euros (3,9 bilhões de reais). A empresa lucrou 245 milhões de euros (563 milhões de reais). Presente em 54 mercados, exporta 90% de sua produção. Há mais de 200 revendedores. Nova York tem um showroom e Xangai, na China, abriga uma loja própria. E pensar que começa tudo ali, na pacata Maranello…

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