Almoço da firma na favela
Funcionários dos prédios corporativos ligados ao Shopping Cidade Jardim buscam restaurantes e flanelinhas do vizinho Jardim Panorama para economizar
Contratado no segundo semestre de 2014 para trabalhar em uma agência de publicidade multinacional, o analista financeiro Guilherme Almeida viu-se cercado de sofisticação no novo emprego.
Afinal, ele passou a dar expediente no Cidade Jardim Corporate Center, um dos empreendimentos mais cobiçados da capital.
As três torres comerciais, com 216 escritórios de até 1 920 metros quadrados, integram o complexo formado por nove torres residenciais de altíssimo padrão e pelo Shopping Cidade Jardim, um dos mais luxuosos da metrópole, com lojas como Hermès, Louis Vuitton e Gucci.
Ali, ele tem à disposição um confortável food hall, que oferece diversas opções e restaurantes estrelados.
Tudo muito agradável, mas como pagar todos os dias pelo bufê completo do Nonno Ruggero, por exemplo, que não sai por menos de 100 reais, mais que o triplo do valor diário do seu vale-refeição, de 30 reais? A solução ele encontrou fora do complexo, na favela ao lado, Jardim Panorama.
Nunca lhe falta companhia. “Todo mundo come aqui, até os diretores e coordenadores”, conta Almeida.
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As filas de clientes que usam salto alto e roupa social começam por volta das 11 e meia nas vielas, entre crianças que jogam futebol no chão de terra batida.
Com opções cujo preço varia de 14 a 17 reais, os quatro restaurantes do bairro servem, juntos, cerca de 200 refeições por dia.
O mais antigo do pedaço é o de José Silvane, conhecido por ali como “Sílvio”. O negócio surgiu há três anos e oferecia pratos feitos em uma garagem. Desde então, Silvane construiu mais dois andares para abrigar a nova freguesia, que foi crescendo à medida que os números da economia do país apontavam para baixo.
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Após a ampliação, o sistema passou a ser o de “bufê livre”, por 17 reais. A exceção ocorre às quartas-feiras, quando a tradicional feijoada (hit entre os executivos) sai por 22 reais. Em média, o local atende setenta pessoas na hora do almoço. “Tem gente que torce o nariz quando vem pela primeira vez, mas depois reconhece a qualidade da comida”, afirma o dono.
Um de seus concorrentes é o estabelecimento de Luciana Conegero (não confundir com Nonno Ruggero). “Vou ampliar e preparar espetinhos”, diz ela, que começou o negócio em 2008, ao vender marmitas aos operários da construção do Cidade Jardim, e hoje serve quarenta pratos por dia.
No início, a relação entre a favela e o empreendimento era das mais tensas.
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Em 2006, o pomposo lançamento do projeto, regado a vinho Château de Parenchère, champanhe Moët & Chandon e canapés de foie gras, e com show de Caetano Veloso, foi interrompido por um protesto de moradores que temiam ser desalojados de seus barracos.
Havia, na época, cerca de 400 famílias no pedaço. No ano seguinte, o empreendimento distribuiu cheques de 40 000 reais para aquelas que aceitassem deixar o lugar, mas outros moradores vieram, e o total de habitações voltou a ser o mesmo.
O vínculo com funcionários do complexo de luxo vai além da hora da refeição.
Dono de uma borracharia no Jardim Panorama, Wilson Pereira utiliza um terreno abandonado para guardar o carro dos profissionais.
Ele tem uns vinte clientes fixos, que pagam 200 reais ao mês pela vaga — e os veículos ganham uma ducha como cortesia. “O pessoal confia, e costuma deixar a chave para eu manobrar os carros”, explica Pereira.
Enquanto isso, o estacionamento oficial do Cidade Jardim cobra 450 reais dos mensalistas. “É uma fortuna, fora da realidade”, reclama o auxiliar financeiro Bruno Pimentel, que deixa o automóvel ou a moto aos cuidados do guardador.
“Aqui, nunca acontece nada com o carro, é tranquilo.”