Faroeste em Jandira
Pré-candidato a prefeito é o quarto na lista dos políticos assassinados na cidade em pouco mais de um ano
Nos últimos dias, o empresário Luiz de Carli Filho, de 62 anos, conhecido como Goiaba, vinha gastando boa parte do tempo articulando sua candidatura a prefeito de Jandira, cidade com 100.000 habitantes a 32 quilômetros da capital, nas redondezas de Osasco. Ele pleiteava encabeçar a chapa do Partido Trabalhista Cristão (PTC) na eleição de 2012. No começo deste mês, falou a um jornal sobre uma onda de assassinatos que assola o município. Em 2010, três homens públicos foram assassinados por ali: o vereador Waldemiro de Oliveira, do PDT, o suplente Antonio Ivo Aureliano, do PTB, e o prefeito Braz Paschoalin, do PSDB. “A violência aqui está na política”, declarou Goiaba, que aproveitou a ocasião para acusar a atual prefeita, a tucana Anabel Sabatine, e todos os onze vereadores de envolvimento nos crimes.
A certa altura, dizendo-se destemido, disparou: “Nada me impedirá de ser candidato. Só Deus”. A frase de efeito tem sido lembrada desde terça (8), quando ele entrou na mira de uma dupla de bandidos em frente ao Velório Municipal, onde conversava com amigos. Por volta das 18 horas daquele dia, uma moto vermelha invadiu a calçada e um homem na garupa disparou em sua direção seis tiros de revólver calibre 45 milímetros. Cinco o atingiram, entre cabeça, tórax e abdômen. Goiaba morreu pouco tempo depois.
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A sequência de barbaridades chocou a população e instaurou um clima de pânico e desconfiança mútua em Jandira. “Estou com medo, como todo mundo”, diz Henrique Francisco de Alexandria (PSDB), de 65 anos, que cumpre o quinto mandato na Câmara de Vereadores. Segundo ele, o problema é antigo na cidade. “Nas duas vezes em que fui candidato a prefeito, no anos 1990 e 2000, também tentaram me matar”, lembra Alexandria, que dirige uma Pajero Dakar, “carro ideal para fugir”, nas palavras dele. O vereador conta que, há três meses, recebeu sob a porta do gabinete um bilhete manuscrito que citava seis “marcados para morrer”.
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Ele aparecia em quinto na lista, ao lado de outros vereadores. Goiaba era o sexto nome. “Não levei o papel à polícia porque achei que era brincadeira de mau gosto”, afirma. Agora, diz, vê na ameaça uma tentativa de intimidação, para que deixe de ser candidato. É o que fará. “Mas já tinha decidido largar a política, porque estou ficando velho.” No plenário da Câmara, ao menos três dos onze ocupantes possuem automóveis blindados. “A pressão dos parentes para não tentar a reeleição é grande, mas não podemos desistir de fazer um bom trabalho”, conta Marcelo Marques de Souza, do DEM, que mantém a família “engaiolada dentro de casa”.
Dois dos crimes ocorridos no ano passado (os casos Paschoalin e Oliveira) podem ter conexão com o “mensalinho de Jandira”, como ficou conhecido o suposto esquema de corrupção no Executivo que pagaria a um grupo de vereadores para votar projetos e aprovar contas da gestão do ex-prefeito. A morte de Aureliano envolve também uma suspeita de corrupção: antes de ser assassinado, havia acabado de fechar negócios de 75.000 reais com a administração do município, cujo orçamento anual gira em torno de 150 milhões de reais.
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Não é de hoje que Jandira tem fama de ser uma terra de faroeste. Em 1988, um dos principais cotados para administrar a cidade foi assassinado. Era Rubens Alves da Silva, do PDS, mesmo partido do prefeito, Dorvalino Teixeira, que em 1983 foi igualmente morto a tiros, em outro de vários casos marcantes que deram a Jandira o estigma de cidade sem lei. “Esse tipo de episódio vem ocorrendo por aqui nas últimas décadas, mas o que preocupa agora é a aproximação do crime organizado com os políticos”, afirma o delegado Zacarias Tadros.
Nas investigações sobre a morte de Goiaba, a motivação eleitoral não é a única hipótese. Dono de uma funerária e de uma casa noturna que leva seu nome — e que reuniu 1.000 pessoas em um show de funk na sexta-feira anterior ao crime —, ele era conhecido por uma série de confusões. Já tinha sobrevivido a um atentado em 2003 e havia sido flagrado com máquina caça-níqueis na boate. Contudo, era notório que chamava atenção com sua candidatura. “Diante da população descontente, um nome novo como o dele teria boas chances”, avalia o vereador Souza. “Ele tinha tudo para ser o Tiririca jandirense”, diz outra autoridade. “As pessoas sabiam que ele não se intimidava”, define Felipe, um de seus dois filhos.
A temperatura da vida pública de Jandira só tem aumentado desde a morte de sua autoridade máxima, episódio que está prestes a completar um ano. A prefeita Anabel, que era vice e assumiu o cargo, vive em guerra com a Câmara. Em setembro, chegou a ser afastada do gabinete devido a suspeitas de corrupção. Graças a uma liminar, voltou ao cargo dois dias depois, sob foguetório e empunhando ramos de rosas vermelhas. O embate entre ela e os parlamentares continua na Justiça. Enquanto isso, a polícia de Jandira segue em busca de pistas para desvendar o mais recente mistério produzido pelo bangue-bangue político local.
LISTA MACABRA
As últimas vítimas no município
Terça-feira (8)
Luiz de Carli Filho, pré-candidato a prefeito (PTC) — Em entrevista recente, acusou a atual prefeita e os onze vereadores de participação em três homicídios ocorridos em 2010.
Dezembro de 2010
Braz Paschoalin, prefeito (PSDB) — Era investigado por corrupção no caso do “mensalinho de Jandira”
Julho de 2010
Waldemiro de Oliveira, vereador (PDT) — Teria recebido propina de Paschoalin para votar a favor de seus projetos e da aprovação de suas contas de um mandato anterior
Julho de 2010
Antonio Ivo Aureliano, suplente de vereador (PTB) — Sua empresa havia acabado de fechar dois contratos de 75.000 reais com a prefeitura
ONDE FICA A CIDADE DO BANGUE-BANGUE
População: 108.000 habitantes
Distância da capital: 32 quilômetros
PIB: 1 bilhão de reais
Orçamento anual: 150 milhões de reais
Emancipação: 1963
Apelido: Cidade Favo de Mel, devido à grande presença de abelhas antes de sua urbanização