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Cidade fica bonita, mas sinto falta de restaurantes, diz Ruy Ohtake

No Diário da Quarentena, arquiteto fala da rotina de ler e de desenhar na quarentena

Por Ruy Ohtake, 82 em depoimento a Pedro Carvalho
Atualizado em 1 Maio 2020, 10h20 - Publicado em 1 Maio 2020, 06h00

“A cidade está bonita na quarentena. Está tranquila. É engraçado: está como antigamente, mas com as construções novas.

Tenho ido ao escritório às terças e quintas-feiras para algumas reuniões. O tête-à- tête é importante na arquitetura. Estamos terminando um centro cultural em Barueri, a estrutura está pronta, devemos concluir a obra em seis ou sete meses. Não tenho muitos projetos em andamento, mas tenho uma cabeça em andamento.

O escritório fica na Avenida Faria Lima (quase no cruzamento com a Avenida Rebouças). Eu moro na Rua Amauri. A pé, são vinte minutos. Mas peço sempre táxi ou motorista particular. Primeiro, porque sou preguiçoso. Além disso, não gosto de dirigir, tenho dificuldade para lembrar os caminhos. Prefiro assim. Não preciso me preocupar, posso olhar a cidade.

Levo bronca, dia sim, dia não, do meu irmão (Ricardo, 77) e do meu filho (Rodrigo, 36). Dizem que tenho de tomar mais cuidado. Mas estou tomando cuidado. Uso o tempo todo esta coisa chata chamada máscara (usava uma na entrevista, tirou-a apenas para o clique). Eles também ficam putos comigo porque não tenho — aliás, nunca tive — celular. Durante a semana, falam comigo no trabalho. Mas, se ligam no fixo no fim de semana e não atendo, ficam putos. Em casa, moro só eu. Os meus filhos (Rodrigo e Elisa, 41) moravam comigo até pouco tempo atrás. Aí resolveram namorar, casar — e fiquei sozinho. Mas, no flat, não preciso me preocupar com o abastecimento da cozinha, a lavanderia ou a faxina cotidiana. É uma das maneiras contemporâneas de viver.

(Alexandre Battibugli/Veja SP)

Minha rotina da quarentena é gostosa. Gosto de ler e de desenhar, são os entretenimentos em que mais tenho tesão. Estou lendo o novo livro do (sociólogo italiano) Domenico De Masi, Uma Simples Revolução. Passo o tempo desenhando em folhas grandes (como a da foto), sem compromisso. Dizer que estou me ‘divertindo’ seria exagero, mas tenho prazer em ter esse tempo dito ocioso. Tento transformá-lo em ócio criativo (em referência ao mais famoso livro de De Masi). Existe uma diferença entre solidão e solitude. Tenho uma atitude solitária, mas fico muito bem sozinho.

Fazia tempo que não praticava o exercício de trabalhar em casa. É interessante, você fica mais dono do seu tempo. Se fosse exagerar, diria que o sol se põe no horário que a gente quer. É bom.

Saio para pequenas caminhadas. Havia anos não ia à região do Bixiga. Outro dia, eu estava com tempo e fui dar uma volta ali. Pena que estava tudo fechado…

Sinto falta dos museus e dos restaurantes, que estão fechados. Eu gostava de ir ao Masp, pela arquitetura e pela qualidade das exposições. Também costumava ir ao Instituto Tomie Ohtake, onde meu irmão (Ricardo Ohtake, presidente da instituição) tem mostrado grande empenho em criar mostras inéditas. Sinto falta de comer no Parigi (na mesma Rua Amauri onde mora) e no Due Cuochi do Itaim. Sinto falta do Ibirapuera. Tem uma coisa mágica quando você entra no parque e chega à marquise. O Oscar (Niemeyer) fez a estrutura para ligar um edifício ao outro, protegendo as pessoas da chuva e do sol. Mas o projeto tem dimensões tão generosas que se tornou um espaço de convivência. Mas sinto falta, mesmo, é de homens como Antonio Candido, Darcy Ribeiro. E do Oscar. Acho que a cidade pre- cisa de pessoas como eles. Nossas propostas urbanísticas andam pobres.

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Ouço dizer que as coisas vão mudar depois da pandemia, que estamos, de certa forma, aprendendo a viver melhor na cidade. Tomara que sim. Tomara que a tranquilidade, de alguma maneira, perdure. Wuhan (cidade chinesa que foi o epicentro inicial do novo coronavírus) tem 12 milhões de habitantes. É comparável a São Paulo. No entanto, parece ser uma cidade mais tranquila, mesmo antes da pandemia. Espero que a gente aprenda algo nesse sentido.

Outra coisa que precisamos mudar é a desigualdade. Ela está muito forte. Todos estão vendo as dificuldades sanitárias da periferia, as casinhas pequenas com um monte de gente dentro. Como experiência pessoal, considero muito importantes os trabalhos que fiz em Heliópolis (Ruy projetou conjuntos habitacionais e centros educativos no bairro). A verdade é que o Plano Diretor de São Paulo deveria ser elaborado da periferia para o centro. Pena que a elite nunca toparia isso.”

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 6 de maio de 2020, edição nº 2685.

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