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Deixem estar

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h44 - Publicado em 18 set 2009, 20h19

Largo da Batata… Viriam aqui comerciar os batateiros de antigamente? E era tanta batata assim? Bairro do Limão… Haveria ali, no passado, limoeiros perfumando as várzeas e encostas, durante a florada? Viaduto do Chá… Que espécie de chá seria, e quem o consumia naqueles tempos cafeeiros? Freguesia do Ó: não um espanto, como pode parecer, mas uma invocação…

Tenho muita simpatia pelos antigos nomes de lugares na cidade, não escamoteados ainda pela bajulação dos vereadores e administradores, que trocam denominações evocativas e históricas por nomes, muitas vezes, de poderosos sem mérito e familiares desconhecidos. Sim, devemos homenagear figuras históricas, mas por que não em ruas, praças, pontes e viadutos novos? Na cidade que descuida da memória, perdemos não só prédios históricos, mas nomes também. Deixem estar os nomes.

Já perdemos tanta poesia e graça por culpa de reformadores… A Rua Triste e a Rua Alegre corriam paralelas em Santa Ifigênia, uma ia para o cemitério, a outra, para as alegrias… Hoje chamam-se Cásper Líbero e Brigadeiro Tobias. Felizmente ainda existem a Estrada das Lágrimas, a Rua do Bosque, o Largo da Memória, a Rua Tanquinho… Perdemos referências históricas. O Largo da Forca, onde ficava a última forca da cidade, virou Praça da Liberdade; o Largo do Pelourinho é agora de Sete de Setembro; o Pátio da Cadeia virou Praça João Mendes.

Nomes divertidos sumiram, alguém deve ter pensado que não ficavam bem numa capital de grande destino. O Beco dos Chifres, também referido como dos Cornos, ficava na região de um antigo matadouro e hoje se chama Álvares Machado. O Beco do Mata-Fome tornou-se Rua Araújo.

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Não é saudosismo, porque esse inventário de perdas nos mostra que perdemos até o que nunca tivemos, o que já não tínhamos quando aqui chegamos, há duas ou três gerações. Já não eram nossos nomes de ruas e lugares que talvez nos contassem alguma coisa sobre o que fomos antes de sermos.

Proclama-se a República e oportunamente desaparecem as ruas do Imperador, da Imperatriz, da Princesa, do Príncipe, do Conde d’Eu, trocados por nomes republicanos; aparece a Praça da República.

À parte o oportunismo político, seria bom que alguns nomes tivessem sido preservados, pois nos remeteriam a uma época em que outras pessoas andaram pelos mesmos caminhos e deram a eles nomes que indicavam um destino, ensinavam o melhor rumo a seguir, marcavam referências nos trajetos. Se havia uma bica, era a rua da biquinha, se havia uma igreja, era a da igreja tal.

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Assim, a Rua da Caixa d’Água, onde havia o reservatório, virou Barão de Paranapiacaba; a Estrada da Água Branca, que levava para o sítio do mesmo nome e para Jundiaí, tinha um significado que Rua Turiaçu não tem; a Rua do Rosário levava para a Igreja do Rosário; a Rua Baixa de São Bento informava o que 25 de Março não informa. Quando se abriu o bairro de Santa Ifigênia, a Rua dos Bambus era a principal, hoje é a Avenida Rio Branco. E a Rua do Jogo da Bola, hoje Benjamin Constant – que jogo seria aquele que dava nome a uma rua?

Em compensação, outras mantêm o nome, embora a coisa indicada já não exista. Porto Geral era o nome de um beco que levava ao porto do rio, quando por ali passava o Tamanduateí, na sétima volta do seu serpenteio pela baixada. Rua do Lavapés, onde havia um riacho em que os viajantes lavavam os pés antes de entrar na cidade. Rua das Palmeiras… que é delas? Perdizes, Casa Verde, Limão, Pinheiros… O tempo comeu a senhora criadora de perdizes, as irmãs solteironas da Casa Verde, a chácara dos limoeiros, as araucárias dos morros… – mas as palavras, essas ficaram, teimosas, insinuantes.

Quem pensa nessas coisas transita pela cidade com um discreto sentimento de perda.

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