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Decibéis

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h44 - Publicado em 18 set 2009, 20h19

Um poeta paulista disse-me, numa esquina movimentada, que o homem moderno havia perdido o prazer do silêncio. Já faz mais de trinta anos. A coisa só piorou.

A capacidade que as pessoas das grandes cidades têm de produzir e suportar barulho é espantosa. E parece que isso já acontece nas pequenas cidades também, a julgar pela sentença judicial que obrigou um padre do interior a reduzir o bimbalhar dos sinos da sua igreja em horas matinais. Suspeito que um stress por outros ruídos, aos quais as badaladas teriam vindo se somar, tenha levado os moradores à queixa judicial.

Há tanto ruído no ambiente que qualquer ploc pode ser a gota d’água.

Já repararam como as pessoas falam alto, berram umas com as outras nas novelas hoje em dia? Precisava ser assim? E os anúncios da televisão? A gente tem de abaixar o volume na hora do comercial e levantar de novo quando o programa recomeça. E o Faustão? Orra, meu! Tem gente que ainda põe o som lá em cima, como se ele não gritasse o bastante.

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O cinema – já notaram como ficou barulhento? Você quase tem de assistir a esses filmes apocalípticos com protetores de ouvido. Até filmes de qualidade, como O Senhor dos Anéis, tentam destruir nossos ouvidos junto com os inimigos dos heróis. As novas tecnologias de som são incríveis, sem dúvida, mas parecem brinquedo em mão de criança. Por que tão alto?

Nas danceterias e nos clubes, como são ensurdecedoras as pistas de dança! Até festas de casamento: quem consegue conversar? Os parentes e velhos amigos vêm de longe, planejando bons papos, e quem é que consegue ouvir alguma coisa? Saem meio surdos e com a garganta doendo pelo esforço de se fazer ouvir.

Ir a um restaurante com música ao vivo é um risco. Não se consegue conversar, a comida fica até sem graça. Qual é a idéia da música alta em um lugar aonde você foi para comer e conversar?

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Tem muita gente envolvida na conspiração contra o silêncio. Às vezes você encontra um canto tranqüilo para morar e daí a pouco vão surgindo bares, restaurantes, danceteria, casa de shows, flanelinhas, e o lugar vira tudo o que você não queria para morar: o novo “point”. Ou então a avenida próxima se torna pista de racha, pneus arrepiando seu sono.

Uma coisa espantosa é o volume de som que alguns conseguem botar dentro do carro. Já perceberam uma coisa? São sempre homens que dirigem esses carros, rapazes. Nunca vi uma garota dentro de uma “caixa de som” dessas, nem ao volante, nem como acompanhante. É coisa de homem, tipo brega jovem. Desfilam sozinhos, geralmente de óculos escuros, com aquele bate-estaca castigando os tímpanos. Passam deixando pelas ruas um rastro espantoso de som e uma indagação: como agüentam?

São muitos os ruídos que desafiam o humor citadino. Buzinas de automóvel, eis uma falta de civilidade já antiga. Motocicletas pipocantes e seu bi-bi-bi são mais recentes, irritam motoristas e pedestres. Helicópteros, depois que viraram transporte urbano e cabine de reportagem, perturbam. Caminhões de lixo noturnos trituram o silêncio. Carros de propaganda de pamonha ou de política embrulham estômagos. Martelete elétrico quebrando calçadas ou asfalto acrescenta tormentos quando chega à vizinhança. Mesma coisa com o bate-estaca do novo lançamento imobiliário. Termina essa fase da obra, ai que alívio, e então chegam as serras elétricas. Com tudo isso se revezando ou se somando, até pregadores religiosos de voz potente irritam.

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Acho que vou passar uma semana no mato. Estou precisando ouvir o silêncio.

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