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É proibido achar

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 18h48 - Publicado em 14 Maio 2010, 20h19

Chego em casa à noite, exausto. A mesa vazia. Nada sobre o fogão. Nem no forno. Nem na geladeira. Não há jantar. Pior! Os ovos, sempre providenciais, acabaram. Sou forçado a me contentar com um copo de leite e bolachas. No dia seguinte, revolto-me diante da empregada.

— Passei fome!

— Ih! Achei que o senhor não vinha jantar!

Solto faíscas que nem um fio desencapado ao ouvir o verbo “achar” em qualquer conjugação. É um perigo achar. Não no sentido de expressar uma opinião, mas de supor alguma coisa. Tenho trauma, é verdade! Tudo começou aos 9 anos de idade. Durante a aula, fui até a professora e pedi:

— Posso ir ao banheiro?

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Ela não permitiu. Agoniado, voltei à carteira. Cruzei as pernas. Cruzei de novo. Torci os pés. Impossível escrever ou ouvir a lição. Senti algo morno escorrendo pelas pernas. Fiz xixi nas calças! Alguém gritou:

— Olha, ele fez xixi!

Dali a pouco toda a classe ria. E a professora, surpresa:

— Ih… eu achei que você pediu para sair por malandragem!

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Vítima infantil, tomei horror ao “achismo”. Aprendi: sempre que alguém “acha” alguma coisa, “acha” errado. Meu assistente, Felippe, é mestre no assunto.

— Não botei gasolina no carro porque achei que ia dar! — explica, enquanto faço sinais na estrada tentando carona até algum posto.

Inocente não sou. Traumatizado ou não, também já achei mais do que devia. Quase peguei pneumonia na Itália por supor que o clima estaria ameno e não levar roupa de inverno. Palmilhei mercadinhos de cidades desconhecidas por imaginar que hotéis ofereceriam pasta de dente. Deixei de ver filmes e peças por não comprar ingressos com antecedência ao pensar que estariam vazios. Fiquei encharcado ao apostar que não choveria, apesar das previsões do tempo. Viajei quilômetros faminto por ter certeza de que haveria um bar ou restaurante aberto à noite em uma estrada desconhecida.

Há algum tempo vi um livro muito interessante em um antiquário. Queria comprá-lo. Como ia passar por outras lojas, resolvi deixar para depois.

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— Ninguém vai comprar esse livro justo agora! — disse a mim mesmo.

Quando voltei, fora vendido. Exemplar único.

— O senhor podia ter reservado — disse o antiquário.

— É, mas eu achei…

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Mas eu me esforço para não achar coisa alguma. Quem trabalha comigo não pode mais achar. Tem de saber. Mesmo assim, vivo enfrentando surpresas. Nas relações pessoais é um inferno: encontro pessoas que mal falavam comigo porque achavam que eu não gostava delas. Já eu não me aproximava por achar que não gostavam de mim! Acompanhei uma história melancólica.

Dois colegas de classe se encontraram trinta anos depois. Ambos com vida amorosa péssima, casamento desfeito. Com a sinceridade que só a passagem do tempo permite, ele desabafou:

— Eu era apaixonado por você naquela época. Mas nunca me abri. Achei que você não ia querer nada comigo. Ela suspirou, arrasada.

— Eu achava você o máximo! Como nunca se aproximou, pensei que não tinha atração por mim!

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Os dois se encararam arrasados. E se tivessem namorado? Talvez a vida deles fosse diferente! É óbvio, poderiam tentar a partir de agora. Mas o que fazer com os trinta anos passados, a bagagem de cada um?

Quando alguém me diz:

— Eu acho que…

Respondo:

— Não ache, ninguém perdeu nada.

Adianta? Coisa nenhuma! Vivo me dando mal porque alguém achou errado! Sempre que posso, insisto:

— Se não sabe, pergunte! É o lema que adotei: melhor que achar, sempre é verificar!

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