Você conhece o tipo: diz a verdade, doa a quem doer; rompe amizades, reforça seus valores, milita sem descanso nos sete dias da semana. Depois, desliga o computador e vai cuidar da vida, porque a coisa não está fácil para ninguém. O valentão das redes sociais raramente é visto na ativa. Quando muito, ressurge numa mesa de bar ou no churrasco de domingo, já devidamente calibrado por uma caipirinha benfeita e batendo boca com o cunhado. Valentão de internet adora espinafrar cunhado.
O anonimato das redes sociais faz aflorar na mais mansa das criaturas um demônio de olhos tintos de sangue, baba fedorenta e vocabulário digno das profundezas abissais. Creem que um perfil falso basta para que se livrem de represálias legais. Na vida real, já rolou até processo contra os goiabas que destilaram comentários racistas pela internet. Não alimente ilusões: qualquer e-mail pode ser rastreado. E qualquer comentário ofensivo pode render processo por calúnia, injúria, difamação e outros deslizes inafiançáveis.
Nem tudo é agressão. O “bem-intencionado ponto com” é outro tipo faceiro que navega nas ondas das nets. Qualquer causa justa conta com ele em tempo integral. Tal qual o raivoso, assim que se afasta do computador, o bonzão sacode as imaginárias asas branquinhas e dá-se por satisfeito com a boa vontade virtual.
Não são hipócritas. São pessoas que desabafam. É claro que marcar pontos junto à turma é legal, mas quando elas se manifestam on-line estão escrevendo o que realmente pensam. O teclado é o terapeuta literalmente ao alcance dos dedos. A pessoa se libera. Bravatas, rosnados, fofuras, a tela do computador aceita tudo. Mas, entre digitar e agir, existe um poço intransponível. No caso dos rosnadores é até bom.
Posts bacanas também não viram realidade. A pessoa curte sua estreia, compartilha o lançamento do seu livro e vibra com a notícia do seu casamento — mas nem vai ao teatro, sequer passa na porta da livraria e ignora solenemente o casório. Curtir bastou. nem precisa ler a publicação na íntegra. Uma vez, um amigo começou seu post contando que acordara com a notícia do lançamento de seu livro. E terminou lamentando que a mãe morrera na mesma manhã. Queria mostrar os contrastes da vida.Todos os comentários davam os parabéns, porque haviam lido só a primeira frase do post.
Falta levantar o traseiro da cadeira e arregaçar as mangas de verdade. Abaixo-assinado virtual não cassa político, curtidas no post não lotam plateia e foto bonita em preto e branco não cura câncer. Demonstra sensibilidade, certo, mas, de prático mesmo, não significa muita coisa. Se eu fosse adepto das teorias da conspiração — adianto que não sou —, diria que a maracutaia subliminar das redes sociais está em deixar extravasar a agressividade em frases pasteurizadas.
Viver dá trabalho, e a facilidade de ter tudo na telinha mais próxima é um risco. Agora, até a azaração (antigamente conhecida por paquera) é via aplicativo. Antes mesmo de encontrar a pessoa, sentir o perfume de sua pele e ouvir sua voz, você já sabe que ela adora pingar cera de vela no… na… Enfim, estamos cada dia menos preparados para os inesperados da vida. E isso não é legal.