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Os Eduardos

Confira a crônica da semana

Por Mário Viana
Atualizado em 14 fev 2020, 16h01 - Publicado em 6 jul 2018, 06h00

A placa da demolidora anuncia que a Churrascaria Eduardos acabou de vez. Dentro de pouco tempo, a mesma parede de tijolinhos terá virado uma montoeira de entulho e tudo o que já funcionou naquele terreno do centro de São Paulo será substituído por algum prédio de apartamentos pequenos e funcionais. A vida urbana tem metamorfoses inevitáveis.

A bem da verdade, o restaurante que deu fama ao endereço da rua Nestor Pestana já tinha sido cremado havia anos. Em seu lugar funcionava um estacionamento dos mais básicos. O nome e a parede continuavam os mesmos. Sempre que deixava o carro ali, eu lembrava que já jantara naquele restaurante.

Foi no fim dos anos 1970. Para um jovem universitário assalariado e morador das quebradas da Zona norte, jantar no Eduardos era mais que atrevimento. Equivalia a invadir um território realmente inexplorado pelos meus iguais.

Não recordo o motivo que nos levou lá. a mesa tinha Luísa, Maria Ester, Ângela, Néia, provavelmente o João Alberto e eu — os “suspeitos de sempre”, como diz o policial do filme Casablanca. Na época, nós nos achávamos jovens adultos. Hoje, provavelmente, nós nos chamaríamos de ainda adolescentes.

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Por querermos parecer mais experientes, pedimos um vinho. Um vinho! não era licoroso, mas rosé. Só lembro disso. Lembro também que a conta foi alta para nossos padrões. Deu para pagar, porém reduziu bastante as saídas até o próximo pagamento. Quem se importava? Estivemos no Eduardos, e isso bastava para inflar nosso ego.

Durante muitos anos, em meu universo particular, o nome Eduardo esteve ligado à ideia de coisa chique, exclusiva, para bicos finos e seletos. Começou com uma loja de calçados que havia na rua Barão de Itapetininga. Nela, só entrava quem tinha o bolso forrado. Pisantes lindos, preços lá em cima.

Uma prima minha, bancária, comprava seus sapatos lá! Tinha carnê da loja e pagava cada par em sei lá quantas mensalidades, talvez a perder de vista. O que interessava é que ela podia chegar à casa da gente e tirar displicentemente os sapatos, para que todos admirassem a marca, escrita em letras douradas: Eduardo. Neymar, com sua bolsa de 17 900 reais, não chegaria aos pés da minha prima.

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Na família, atrevimento maior do que essa gastança só mesmo o da outra prima, que foi assistir à gravação de um programa da Jovem Guarda e voltou com o autógrafo de um dos Vips. Para quem tem preguiça de ir à internet, os Vips eram uma dupla de irmãos galãs, que cantavam coisas românticas e derretiam o coração das garotas papos-firmes.

O escandaloso do autógrafo dos Vips não foi a assinatura, mas o suporte — a carteira profissional, o único papel que minha prima encontrou na hora do sufoco. Para quem pagava as contas com o suor do trabalho, “sujar a carteira” era pecado gravíssimo.

Reduzida a empoeirada fonte de pesquisas para arqueólogos, a carteira profissional foi um documento essencial — a única maneira de provar à polícia que você era trabalhador. E peça valiosíssima para comprar um par de sapatos na Eduardo, em suaves parcelas.

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