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A musa inesperada

Confira a crônica da semana

Por Mário Viana
Atualizado em 13 out 2017, 06h00 - Publicado em 13 out 2017, 06h00

Quando me encontrou no café da academia, Fábio Antônio abriu seu melhor sorriso. “Faz tempo que quero sugerir um tema para suas crônicas”, disse ele, dando a pausa dos imaginários dois-pontos. “As pessoas que sugerem temas para crônicas.” Rimos, tomamos nosso cafezinho e cada um seguiu seu rumo. Mas a ideia ficou, serelepe.

Quem vive de escrever sabe que um dos ossos mais duros do ofício é diferenciar a inspiração autêntica do decepcionante fogo de palha. Ideias bacanas, todos têm, o tempo todo. O danado é descobrir o que se faz a partir da tal iluminação divina — começando pelo básico: não existe iluminação nenhuma. Existe trabalho. Deve-se transformar o mote num mil-folhas literário e recheá-lo com um creme saboroso, que prenda o leitor até a última mordida.

O assédio não acontece apenas em torno de cronistas. Romancistas e noveleiros também têm sua cota de “minha vida daria um livro”. Não é difícil entender o motivo. Qualquer pessoa é protagonista da própria existência, mesmo que esta seja tão excitante quanto um copo de leite morno. Quando encontra quem sabe transformar tudo em diálogo de novela ou capítulo de livro, a estrela anônima quer ser descoberta e, quem sabe, virar musa.

A inspiração, no entanto, é preguiçosa. Muitas vezes, passam-se anos até que — no meio de um texto qualquer — vem à lembrança uma situação vivida pelo autor, escutada na rua numa ocasião perdida no tempo. Também não existem situações inspiradoras por si só. Quem escreve é sempre apanhado de surpresa. Eu mesmo já tive peças de teatro nascidas no velório de um conhecido e no vestiário da academia.

As musas não são lá muito metódicas e, por isso, contam com o empenho do escritor. Ela, a musa, faz a parte dela, dando a ideia. O resto é com você — escrever e reescrever várias vezes, pesquisar, testar, reconhecer que errou aqui, alegrar-se porque acertou ali. O piano precisa ser carregado, e só restou você para fazer a mudança.

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Não acredito em “jorro criativo”. É fundamental escolher as palavras adequadas à história que queremos contar. Um personagem solar, alegre, usa palavras de som aberto, muitos “as” e “és”. Criações soturnas e sofridas, pelo contrário, apelam para sons fechados, anasalados. Na vida real, ninguém fala igual ao vizinho. Personagens são a mesma coisa.

Também não é vergonha nenhuma vampirizar o que se ouve por aí — não piratear, note a diferença. O nosferatu literário soma à experiência alheia as diversas fontes que começam a cair no seu colo, como se fosse por acaso. Um livro, um filme, alguém contando algo na fila do mercado, as musas apenas mandam a mensagem, não se importando com o meio utilizado.

A sempre interessante vida alheia é fonte inesgotável para a ficção. Mas, ao usá-la, substitua o nome dos envolvidos. Você fica mais solto para criar e se livra de eventuais processos. Só use nomes reais se quiser honrar a pessoa que deu a ideia para a crônica. Foi o caso do Fábio Antônio.

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