Se se pode chamar de neura, eu tenho uma: o desperdício. Perturbações sutis inquietam meus sentidos quando suspeito, no entorno, alguma forma de esbanjamento, indefinido num primeiro momento, e me distraio, atrapalhado por aquela sensação, até o momento em que constato: ah, é isso, ali está. São vários, variadíssimos, os incômodos dessa ordem numa cidade como a nossa — e não me ofendo se chamarem de neura essa sensibilidade. Venho listando desperdícios e atitudes perdulárias que me incomodam (poderia dizer: nos incomodam?, nos escandalizam?, nos perturbam?) no dia a dia.
+ Crônica: Mário no balneário, por Mário Viana
Excessos de luz elétrica em loja, em prédio todo iluminado fora do horário de trabalho, em padaria, posto de gasolina. Aquela água que escorre dia e noite nas sarjetas, quer venha ela de uma tubulação furada, quer de um lençol freático rompido, principalmente nas temporadas em que os cidadãos são ameaçados de racionamento. Aqueles ônibus e caminhões a diesel que ficam estacionados com os motores funcionando nas paradas para o almoço, queimando dinheiro, poluindo o ar. Carros apodrecendo ao ar livre nas sucatas e cemitérios de automóveis ao longo das estradas e nos pátios dos Detrans. Pessoas que ligam a televisão e vão fazer outra coisa, acendem a luz e vão para outra parte da casa, abrem a torneira e vão falar ao telefone. Os engarrafamentos nas grandes cidades, perda de tempo, de combustível e de paciência. Aquele desperdício de palavras, de papel e de tempo em certos livros. O desperdício verborrágico dos discursos. Os votos que gastamos com os políticos que não valem uma caminhada até a cabine eleitoral, perda de tempo e de ilusões. O estrago dos pulmões dos jovens fumantes. Desperdício de gente, como dizia um homem sábio de outros tempos, Darcy Ribeiro, desperdício com pessoas jogadas pelas ruas, crianças malnutridas e sem cuidados médicos, adolescentes abandidando-se sem escola, idosos abandonados pelos descendentes e desassistidos pelo estado. Pessoas que vão a restaurantes e não comem o que pediram, que acham que só porque pagaram podem jogar fora. Verduras, frutas e legumes aproveitáveis que vão para o lixo nas lavouras, feiras livres, nos mercados e centrais de abastecimento, e que poderiam melhorar o cardápio diário de muita gente. Tanta coisa…
Estatísticas são muitas vezes engraçadas. Vejam esta, pescada pela Sabesp na Water Footprint Network, entidade que rastreia o gasto de água na produção de qualquer coisa no mundo. Empregam-se 500 litros de água para produzir 1 quilo de banana; a casca corresponde a até 40% do peso da fruta; jogando fora a casca de 1 quilo de banana, desperdiçamos 200 litros de água; jogando no lixo a casca de uma única banana, desperdiçamos 24 litros, o que daria para tomar um banho de três minutos ou dar duas descargas no vaso sanitário. Recomendam-nos fazer torta ou farofa de casca de banana. Não, minha neura não chega a tanto.
E os desperdícios de amor? Desperdícios de beijos, de zap-zap, de lágrimas, de confidências, de inapetência diante do prato de macarrão, de músicas sofridas, de noites maldormidas. Pois há gente que ama quem não vale a pena, que faz dívida e compra joias para quem não vale a pena, na esperança de que afinal valha a pena, que planeja um jantar romântico no Dia dos Namorados sem saber que não é a única, que espera morar junto, e espera, e espera, e espera; que, afinal e sem esperanças, se mata por quem não merece. E há quem mereça?